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"Água no Tejo, nada. Pode haver uma catástrofe se não chover no inverno"

Arlindo Marques, ambientalista que integra o movimento ProTEJO, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Água no Tejo, nada. Pode haver uma catástrofe se não chover no inverno"
Notícias ao Minuto

14/11/19 por Natacha Nunes Costa

País Arlindo Marques

Arlindo Marques, ambientalista de 54 anos que integra o ProTEJO - Movimento pelo Tejo, ficou conhecido há cerca de quatro anos, depois de ter divulgado nas redes sociais vários vídeos da poluição  no rio, provocada por diversas empresas.

Na altura, as denúncias, que tinham anexadas como provas imagens de peixes mortos, águas em tons castanhos e longas manchas de espuma, ultrapassaram fronteiras e foram notícia até noutros países. Milhares de pessoas passaram a seguir o 'Guardião do Tejo' e a partilhar os seus vídeos nas redes sociais. 

E com as denúncias, feitas essencialmente em 2016 e 2017, começaram a surgir resultados. "O Tejo está 95% mais limpo”, garante Arlindo em entrevista ao Notícias ao Minuto. Contudo, trouxeram também alguns dissabores. O guarda prisional da cadeia de Torres Novas já foi ameaçado, processado e até, revela, já o tentaram matar.

Mas o ‘Guardião do Tejo’ não tem medo. Continua a dar o ‘peito às balas’, porque o Tejo é uma das suas grandes paixões. Nasceu na aldeia de Ortiga, no concelho de Mação, é neto de um pescador de rio, filho de uma vendedora de peixe, amante da natureza.

Por isso, apesar de ter vencido uma das lutas, Arlindo sabe que ainda há muitas pela frente antes de terminar a 'guerra'. Agora, bate-se pela revisão da Convenção de Albufeira. Denuncia o incumprimento do acordo por parte de Espanha e a falta de monitorização de Portugal. Culpa o Governo português e, especialmente, o ministro do Ambiente que, sublinha, “não está à altura do cargo”.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, houve ainda tempo para falar do novo aeroporto do Montijo e do impacte ambiental que o mesmo pode trazer para a fauna e flora portuguesa.

O Arlindo, assim como o ProTEJO, defendem a revisão do acordo ibérico sobre os rios fronteiriços, ou seja, a Convenção de Albufeira, assinada há 20 anos pelos governos português e espanhol. Porquê?

O que está a ser feito no momento não está correto. Este problema que aconteceu agora em setembro, de mandarem a água toda fora e secarem o rio, de secarem as afluentes do Ponsul, não pode acontecer. Não pode ser, há aqui um descontrolo muito grande. Isto tem de ser controlado e quem devia controlar era o ministro do Ambiente. Ele não controlou nada. Alguma coisa não está bem. O Paulo [porta-voz do ProTEJO] é que está mais dentro dos dados e dos números, mas ele foi fazer as contas e [Espanha] não está a pôr em Portugal aquilo que está estabelecido na Convenção de Albufeira.

Água no Tejo, nada. Afluentes completamente secos, destruição do que rodeia. E isso era tudo desnecessário. É a primeira vez em 40 anos que acontece uma coisa destas em Portugal. Alguma coisa não está bemAcha então que Espanha não está a garantir aquilo que prometeu a Portugal?

Não está a cumprir e a forma como está a Convenção neste momento faz com que, futuramente, possa voltar a acontecer exatamente aquilo que está a acontecer neste momento. Água no Tejo, nada. Afluentes completamente secos, destruição do que rodeia. E isso era tudo desnecessário. É a primeira vez em 40 anos que acontece uma coisa destas em Portugal. Alguma coisa não está bem.

E quem são os culpados? Espanha ou Portugal?

Vamos culpar quem?! Eu tenho de culpar diretamente o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, e a APA (Agência Portuguesa do Ambiente). Eles têm de ter em atenção, entre Portugal e Espanha, quando vão lançar a água. O prejuízo que está aqui nem sei quando é que vai ser resolvido. Quando os espanhóis, lançaram a água o ministro devia ter dito: ‘Alto! Não lancem água, porque o prejuízo é muito maior’. Mas agora ninguém quer assumir esta responsabilidade. Agora não sei como vão resolver o prejuízo que está aqui e não sei até quando é que vai durar. É um prejuízo muito grande.

Alguma coisa se passou e ou o senhor ministro sabe e não quer dizer,  ou então passa-se outra coisa. Antes deste problema a água que aqui chegava dava para os incêndios, dava para a agricultura, para o gado, agora não há nada!Então a gestão que Espanha fez do caudal do Tejo este ano é a principal razão para a seca dos afluentes Ponsul, na Beira Baixa, e Sever, no Alto Alentejo? Ou há outras causas?

É verdade que há falta de água, mas a meu ver não tem a ver com isso, porque a barragem de Alcântara está a 43%, abaixo de metade, ainda tem muita água. Houve qualquer coisa que correu mal e é isso que nós queremos saber. Porque só se justificava esta situação se acontecesse um problema muito grande. Uma rutura de água muito grande ou um problema da barragem rebentar, como aconteceu no Brasil, uma catástrofe. Alguma coisa se passou e ou o senhor ministro sabe e não quer dizer  - a própria APA também veio dizer que a Convenção está a ser cumprida -  ou então passa-se outra coisa. Por exemplo, a Iperbola faz o que quer. Pode ter sido o caso. Naquelas duas semanas deitaram a água toda fora, aqueles milhões de metros cúbicos mandaram para baixo e imagino que a Iperbola tenha algo a dizer, pois todo o mundo se movimenta atrás do dinheiro.

O preço da eletricidade está alto e eles mandam aquela água toda porquê? A água produz eletricidade. A água é uma mais-valia que eles têm e é por isso que o Paulo Constantino diz e a ProTEJO defende que tem de ser dividida. Têm de ser os 100% divididos por trimestres ou por dia. Além disso, é o dever da APA e por isso é que eles lá estão é controlar isso. E este descontrolo foi muito grave. A água é o bem mais precioso da humanidade, muitas pessoas a querem ter. Imagine que não chove o suficiente este inverno para encher aquilo, o que pode vir a acontecer é tão simples como necessitar de água para apagar um incêndio, como aconteceu o ano passado ou há dois anos, e não haver. Antes deste problema a água que aqui chegava dava para os incêndios, dava para a agricultura, para o gado, agora não há nada!

Pode haver uma catástrofe se não chover este inverno. É que as pessoas não imaginam. Nós não conseguimos captar nas fotos e nos vídeos a verdadeira dimensão do que se passa. Só indo ao local é que se vê a dimensão desta tragédiaIsso quer dizer que pode vir a acontecer uma catástrofe no próximo verão?

Sim, pode haver uma catástrofe se não chover este inverno. É que as pessoas não imaginam. Nós não conseguimos captar nas fotos e nos vídeos a verdadeira dimensão do que se passa. Só indo ao local é que se vê a dimensão desta tragédia. Ao nível da água se olharmos para cima temos a impressão de estarmos num fundo. Vemos que falta água do tamanho de um poste de alta tensão daqueles mesmo grandes. E os espanhóis não a vão lançar, porque precisam dela. Calha a ser um ano bastante seco e aquilo tudo vai desaparecer. Ainda hoje [no dia da entrevista] passei lá e já há lá erva com fartura. A natureza é brutal. Antes havia água e agora há erva. É um ribeirinho que está ali. E eu não percebo como é que não deram por isso que isto estava a acontecer.

Vamos imaginar que não chove. Temos um grande problema. Há 30 anos que não há uma cheia, mas uma cheia a sério. Antigamente era de 10 em 10 anos. Choveu agora um pouquito de água, agora cheia a sério não há, se calhar muito devido às alterações climáticas. Por isso, se calhar, alguém em Espanha já abriu os olhos, já chegou à conclusão que nunca mais vai chover como antigamente e pensou: 'vamos tentar falar com os malandros dos portugueses e tirar-lhes a água'. Daí aquelas declarações do ministro [do Ambiente]. Se calhar já falou com a colega. Se calhar já lá foi, já falou com a senhora ministra espanhola.

Houve um erro brutal e agora ninguém quer assumir responsabilidades. Portugal devia ter estações de monitorização a funcionar como deve ser porque os espanhóis podem estar a dar-nos a volta, eles podem estar a enganar-nos Quem é que não reparou que isto estava a acontecer?

O ministro do Ambiente, os autarcas. Então eles estão aqui deste lado e não sabiam de nada? Eles deviam ter alertado logo o ministro do Ambiente. Porque agora vai ser muito difícil repor. Os pescadores contaram-me que, pescavam lá à cana, aparecia a GNR e não podiam ligar os motores e não podiam passar dali, e não podiam passar da quantidade de peixe, então e agora? Agora ninguém se preocupa com isso.

Faz-me lembrar a poluição do rio Tejo, vai um pescador à pesca, pesca um peixe um bocadinho mais pequeno, vai ele a tribunal, vai o carro, vão as canas. E os senhores que poluíram o Tejo? Não lhes aconteceu nada! Tanta preocupação com o ambiente, com o ecossistema e de repente, alguém responsável, que é o Governo português, de nada se apercebeu. Houve um erro brutal e agora ninguém quer assumir responsabilidades. E a Convenção de Albufeira vai ter de ser revista com muito cuidado. Portugal devia ter estações de monitorização a funcionar como deve ser porque os espanhóis podem estar a dar-nos a volta, eles podem estar a enganar-nos.

Mas acha que Portugal não está a monitorizar como devia?

Eles dizem que sim, mas agora é que se está a investigar. Nós nem temos nada para monitorizar. Está tudo avariado. Nós andamos um bocado a fazer aquilo que Espanha quer fazer. Segundo as contas do Paulo [porta-voz da ProTEJO] as contas não estão a dar certo. Alguma coisa se passa. Por isso é que a Convenção de Albufeira tem de ser revista. E quando for revista, pelos vistos já está agendada uma reunião de Matos Fernandes com a ministra espanhola, tem de se ter muito cuidado. Na minha opinião muito pessoal baixarem o rio desta maneira tem de ter qualquer coisa por trás. Não estou a ver outra situação, deve ser para negociarem connosco. Se calhar, a ministra espanhola vai dizer que foi devido às alterações climáticas, devido à falta de água, que não conseguem cumprir os hectómetros estabelecidos pela Convenção de Albufeira, para poderem negociar menos hectómetros para Portugal. Se calhar, o senhor ministro já falou com a colega dele e ela já lhe disse: 'é melhor não mexeres nisso se não, não levas nada'. Isso não tem outra lógica. 

Onde é que se nota mais essa seca?

Onde não há barragens. Em Ortiga, a jusante da barragem de Belver, a Cascalheira. Alguns locais chegam a ser uma pequena ribeira, para não dizer um ribeiro.

A Agência Portuguesa do Ambiente admitiu, recentemente, que ainda faltam importantes investimentos em matéria de estações de tratamento de água residual no rio Tejo. Quer isso dizer que além de estarmos com pouco caudal, a água que estamos a receber está poluída?

Água menos boa, sim, isso é uma realidade e eu até pensei que isto estava a funcionar melhor. Afinal estão a gastar não sei quantos milhões e nada funciona, nem conseguimos consultar os dados. É como os espanhóis querem e fazem o que lhes apetece. Além da quantidade de água, estamos a falar da qualidade dela. Visualmente, aparentemente, está boa, agora é normal aparecer um pouco de fósforo devido à agricultura intensiva. 

São as pessoas que têm de dar o alerta, fazer a denúncia. Ainda não conseguimos mandar chover para sobrevivermos. Se não tivermos cuidado, se calhar, daqui a 10, 12, 15 anos não sabemos se conseguimos cá estar Há ainda falta de sensibilização?

Sim, mas nos últimos três anos noto que as pessoas já estão mais 'abertas'. Ainda há dias saiu uma notícia que indicava que foram feitas mais queixas contra crimes ambientais. As pessoas estão um bocadinho mais sensibilizadas. As escolas também estão a fazer trabalho neste sentido, noutro dia uma professora pediu-me para ir ajudar uns miúdos que estão a fazer um trabalho e já ajudei alguns a ver que as coisas têm de ser cuidadas. São as pessoas que têm de dar o alerta, fazer a denúncia. Na altura que havia muita água muita coisa passava despercebida. Eu até costumava dizer ‘se eu puser dentro de um litro de água uma gota de lixívia não me acontece nada, mas se meter um copo lá para dentro já estou arrumado'.

Antes havia muita água e era quase tudo eliminado. Eu sempre vi o Tejo com muita água, muita. Antes também havia poluição, mas agora, como os caudais baixaram, como há 30 anos que não há uma cheia, como houve uma redução da chuva devido às alterações climáticas, nota-se mais, agora temos de ter esses cuidados, porque ainda não conseguimos mandar chover para sobrevivermos. Se não tivermos cuidado, se calhar, daqui a 10, 12, 15 anos não sabemos se conseguimos cá estar.

E o que tem a dizer ao ministro do Ambiente, Matos Fernandes, depois de ele ter dito que não faz sentido renegociar a Convenção de Albufeira, mas, ao mesmo tempo, ter admitido que a gestão de Espanha do caudal do Tejo não é aceitável e que o Governo nunca recebeu explicações sobre o que aconteceu este ano?

O ministro quando começou a falar errou logo. Entrou com uma conversa e agora já vem falar como falam os ambientalistas da ProTEJO, por isso, alguma coisa correu mal. Mas isto não pode correr mal. Agora de certeza absoluta que eles [espanhóis] não querem mandar água para cá. Nós estamos lixados. O problema está feito. Agora é lutar para que isso nunca mais volte a acontecer. Nós precisamos sempre dos caudais mínimos pelo menos, em fevereiro e março deste ano, por exemplo, não houve água nenhuma no rio Tejo. Já aí, houve um falhanço brutal. E é uma altura muito importante para haver água no Tejo, porque é a altura em que muito peixe vem do mar desovar ao rio. E se este ano não chover, torna a não entrar peixe nos rios. Já basta a poluição que andou aí e que se calhar não sabemos se se perdeu alguma coisa porque matou as desovas. Isto não é uma brincadeira que está aqui. Se esta região já era pobre, mais pobre ficará. 

Já sobre o Aeroporto do Montijo. Recentemente, o proTejo comprometeu-se a atuar em prol da defesa da Reserva Natural do Estatuário do Tejo, caso a ANA – Aeroportos de Portugal não seja mais sensata do que a Agência Portuguesa do Ambiente. Rejeitam assim a opção do Montijo para o novo aeroporto. Porquê?

Não sou a melhor pessoa para falar disso, mas é claro para qualquer pessoa vê que o aeroporto posto ali vai trazer aviões a toda a hora e as aves que ali estão vão ser afetadas. Por ali há imensas aves que fazem travessias, que passam de continente para continente, e que é ali que se vão alimentar. Já estão os terrenos a ser comprados e, ainda ontem [na semana passada] alguém disse que já foram passadas não sei quantas licenças para os taxistas. Acho que joga tudo atrás do dinheiro e o ambiente não interessa. Claro que não é bom, porque as aves estão ali, há uma reserva muito grande. Quanto mais confusão houver, mais os habitats ficam destruídos. As coisas têm de ser ponderadas, não podem ser à balda.

E que alternativas existem?

Para outro lado, Évora, para Tancos.

E se o aeroporto do Montijo avançar mesmo, o que pretendem fazer?

Se eles estão com vontade de fazer isso, vão fazer. Nós não vamos conseguir pará-los. Agora claro que vai prejudicar, nem quero pensar no que falam, da possibilidade de o mar subir. Nem quero pensar que isso possa ser verdade, mas se isso começar a acontecer, não sei como vai ser o nosso futuro. Já falámos entre nós em fazer umas manifestações, mas não se pode fazer muito mais. É a nossa única arma legal, a única forma de chamar a atenção, mas vamos ver quantas pessoas aderem, porque muitas falam mas depois não aderem. Na rua é que mostramos o descontentamento, mas as pessoas às vezes não vêm. É complicado.

O investimento fez valer a pena a nossa luta, mesmo com muita mentira deste ministro do Ambiente, por isso é que não gostamos dele, ele não está à altura do cargo, mas conseguimos resolver este foco imenso de poluiçãoE como está a situação em Vila Velha de Ródão? Há menos poluição?

Devido ao grande movimento que houve nos últimos três anos, a empresa Celtejo foi pressionada e construiu uma ETAR nova, topo de gama, do melhor que há no mercado. Construiu também um equipamento chamado caldeira de recuperação também muito grande e o resultado está à vista, as águas do Tejo, apesar de irem como uma pequena ribeira, vão transparentes. Agora nem quero imaginar se não tivéssemos lutado o que é que a fábrica ia fazer. O investimento fez valer a pena a nossa luta, mesmo com muita mentira deste ministro do Ambiente, por isso é que não gostamos dele, ele não está à altura do cargo, mas nós conseguimos resolver pelo menos este foco imenso de poluição. 

E já estão lá colocados guarda-rios como o Governo prometeu em 2018?

Por acaso já. Eu fui assistir à posse deles, em Abrantes, o senhor ministro [do Ambiente] até me chamou para ir falar. E a verdade é que o rio melhorou 95%. Eles puseram sim senhor os guarda-rios, agora eu não os vejo. Gostava de falar com eles, mas nunca os vi. Mas também acho que não estão a brincar com isto. Acho que alguns estão em Abrantes e vão estar com os olhos abertos… vamos lá ver se estão! Esperamos bem que sim.

Tenho ainda três processos a decorrer em tribunal de um senhor de Torres Novas, da Fabrióleo, de 2016. Já deve ter ouvido falar, até me tentaram matar Voltando a um assunto mais antigo. Como está o processo instaurado pela Celtejo – Empresa de Celulose do Tejo, SA, do Grupo ALTRI? A empresa acabou por desistir da ação garantindo que o Arlindo a estava a utilizar para se ‘autopromover’. O que tem a dizer quanto a isso?

Sim, sim. Mas desistiram porque eles não quiseram enfrentar o ‘circo mediático’ dos jornalistas. Eles sabem que nós tínhamos razão e os advogados aconselharam que era melhor tirarem o processo porque nós tínhamos tudo para ganhar. Tínhamos uma grande certeza, tínhamos pessoas conhecidas do nosso lado, nomeadamente o juiz Carlos Alexandre, tínhamos uma grande defesa e tínhamos a prova de dois anos de como eles andaram a poluir. E perante essa informação eles optaram por desistir.

E tem outros processos?

Tenho ainda três processos a decorrer em tribunal de um senhor de Torres Novas, da Fabrióleo, de 2016. Já deve ter ouvido falar, até me tentaram matar. Essa é uma situação que ainda me está a chatear. Tentaram-me matar, mandaram-me um carro para cima, partiram-me o carro todo, já tive de recorrer e agora puseram-me mais dois processos. Além disso, também tenho quatro processos para responder por difamação de alguns políticos da Câmara aqui de Torres Novas. É a tal coisa, nós mexemos em coisas que os empresários não gostam, é complicado.

Há algum outro assunto que esteja a tratar neste momento a nível de poluição do rio Tejo? Outros crimes ambientais?

Nós neste momento, estamos atentos a algumas coisas, mas ainda não podemos falar muito porque são coisas que estão ainda a ser investigadas. De Norte a Sul do país há problemas, mas eu também não posso chegar a todos. Mandam-me muitas mensagens pelo Messenger [Facebook], mas eu não consigo chegar a todo o lado. O que eu digo às pessoas é que é muito difícil pegar em questões ambientais, mas que tentem criar um grupo, mesmo que pequeno, ou então juntem-se a nós e nós tentamos ajudar agora as pessoas de cada uma das zonas é que têm de fazer alguma coisa, de lutar. O Arlindo não pode ir a todo o lado. O cidadão tem de ser ativo.

É uma causa nobre, é defender o Tejo que está a ser destruído. Já passaram vários anos desde que comecei a fazer isto, agora tenho 54 anos, mas enquanto puder vou andar por aqui

O ano passado foi distinguido pela Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente com o Prémio Nacional do Ambiente. Como viu essa atribuição? Ainda o motivou mais?

Claro que fiquei contente. Não foi só esse, recebi muitos. Aqui em Portugal e em Espanha. Até já perdi a conta das menções honrosas. Mas é claro que fico sempre contente porque é um reconhecimento. Na altura que andava aí no rio, com essas coisas todas, os vídeos, não ligava muito a isso. Hoje que já está resolvida essa situação da poluição, e pela qual me foram atribuídos esses prémios, é que concluo que sou um bocado maluco, um bocado doido [risos]. Eu corria para lá, comprei drones, bem… dava um filme, o filme da minha vida. Caí de cima de árvores, fui parar ao Tejo, 'rebentei' pernas, parti máquinas, gastei muito dinheiro. Mal me ligavam eu corria para agarrar as provas.

Por exemplo, quando houve aquela grande mortandade de peixes, se eu não fosse logo lá, as pessoas tiravam o peixe. Nós temos de ir na hora. E foi assim que consegui aqueles vídeos que ultrapassaram as 300 mil visualizações, dos peixes e da água negra a vir do rio Tejo e da espuma branca. Na altura custou um pouco, mas valeu a pena. Muitas pessoas dizem que os problemas não vêm ter comigo eu é que vou atrás deles e não deixa de ser verdade, mas eu não quero saber. Desde as questões de Torres Novas, a indivíduos com quem andei à luta, desde pessoas que andavam comigo atrás de fontes poluidoras e que depois se deixaram corromper pelas empresas, isto dava para muitas histórias. Mas até isso me faz querer continuar.

E como se sente ao ser apelidado de ‘o Guardião do Tejo’?

Sinto-me bem, puseram-me esse nome e olhe agora até no trabalho me chamam por guardião e não por Arlindo [risos].  Há o guardião disto, o guardião daquilo, e como o guardião vem de guardar, gosto pronto.

Quando é que começou a interessar-se pela defesa do Tejo? Quando e como é que o ativismo surgiu na sua vida?

Sempre gostei da natureza e estou aqui no sítio certo. Sempre gostei de andar a pé, sempre gostei de pescar, de andar no mato e eu também tenho uma ligação ao rio porque o meu avô era pescador, pescava num barco, a minha mãe, que tem 78 anos, ia buscar o peixe que o meu avô pescava com a minha tia e levavam aquilo à cabeça, dentro de um canastro, vender aqui pelas aldeias porque era tudo pobre. E talvez daí, foi logo. Eu andava agarrado aos barcos que faziam as travessias desde pequeno. Fazíamos canas dos canaviais. A minha vida foi sempre ligada a isso. Já ia morrendo duas ou três vezes dentro do rio.

Entretanto, apareceu a Internet, criei a minha conta, comecei a fazer uns vídeos e, apesar de não ser nenhum profissional, as pessoas começaram a gostar. Posteriormente, apercebi-me de que no Tejo havia uma mancha branca, uma espuma e daí comecei a publicar vídeos sobre crimes ambientais e daí para a frente comecei a ver que as pessoas se interessavam, pediam amizade, partilhavam os vídeos, chegou a uma altura que nem dava conta do recado. Até que chegou aos jornalistas locais e depois aos nacionais. Agora até ao estrangeiro.

É uma causa nobre, é defender o Tejo que está a ser destruído. O ministro dizia uma coisa e eu dizia outra, mas eu apresentava os factos, com imagens e com fotos e localizava sempre os vídeos para não dizerem que eu fui à China ou à internet buscar as imagens. Depois apareceram os diretos, ainda melhor. As pessoas começaram a confiar ainda mais e pronto, tomou estas proporções. Já passaram vários anos desde que comecei a fazer isto, agora tenho 54 anos, mas enquanto puder vou andar por aqui.

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