"Futuro será este: Haverá mais cancro e esperamos poder tratá-lo melhor"
Rui Henrique, presidente do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
© Pedro Vidinha
País Cancro
Já lá vão cerca de seis meses desde que Laranja Pontes deixou a liderança do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. O leme foi assumido por Rui Henrique, médico especialista em anatomia patológica, investigador e professor catedrático convidado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar.
A atividade assistencial, o ensino e a formação dos profissionais e a investigação científica são os pilares que esta nova direção definiu como estratégicos para este mandato. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Rui Henrique faz um balanço destes primeiros seis meses de gestão, identifica as potencialidades desta que é uma unidade hospitalar de referência no tratamento do cancro e diagnostica as principais dificuldades.
Esta foi, de resto, uma conversa que não passou à margem da análise da evolução do cancro na população mundial. De acordo com o presidente, no futuro podemos esperar "mais cancro", mas o IPO do Porto estará de 'armas' apontadas para o combater.
Assumiu, juntamente com a sua equipa, a direção do IPO do Porto há cerca de meio ano. Qual o balanço destes primeiros seis meses de mandato no leme de uma instituição que é referência no tratamento do cancro?
Ainda é muito precoce para fazermos um balanço verosímil. Estamos a terminar a fase de ambientação à instituição, às responsabilidades dos cargos que ocupamos e de manter o Instituto em funcionamento. Pegámos numa máquina em movimento e começámos a desenhar as estratégias de ação. Planear e reformular o plano de atividade e o orçamento e propô-lo à tutela foi também algo que nos ocupou uma parte substancial.
Queremos dar continuidade àquilo que tem sido a estratégia global da instituição e que é ser um centro oncológico de referência
E quais as estratégias que definiu para este mandato?
Queremos dar continuidade àquilo que tem sido a estratégia global da instituição e que é ser um centro oncológico de referência. E que essa referência não seja apenas a nível nacional, que é já de si importante, mas uma referência internacional. Queremos estar colocados entre os melhores institutos europeus de cancro e que essa nossa colocação seja o resultado de um trabalho constante, mantido, sustentado ao longo do tempo, de aposta no que são os pilares essenciais da instituição.
E esses pilares são a assistência aos nossos doentes, o ensino e a formação dos nossos profissionais e dos nossos parceiros institucionais e a investigação científica como base daquilo que é o desenvolvimento pessoal e profissional que deve reverter em favor da atividade assistencial para os nossos doentes. A visão destes três pilares completa-se num todo.
O seu antecessor, Laranja Pontes, esteve à frente do IPO do Porto mais de uma década. Qual o legado que deixou à Instituição?
O Dr. Pontes, durante o período em que foi presidente do Conselho de Administração, transfigurou a instituição. Praticamente duplicou o número de novos doentes que o IPO recebe todos os anos e isso é algo muito importante porque denota a preocupação que sempre teve com a centralidade do doente e a necessidade de o IPO dar resposta à população que serve. E aquilo que é o contributo dele para o crescimento e desenvolvimento da instituição é algo que julgo que vai perdurar durante muitas décadas porque é profundamente transformador.
Ele tinha uma visão estratégica da Instituição, a visão de onde podíamos estar e não necessariamente para onde as pessoas querem ir, o que às vezes é um bocadinho diferente. Tentamos acomodar-nos ao conforto e ele não queria essa acomodação. Ele queria que estivéssemos confortáveis, mas não acomodados. E queria que atingíssemos aquilo que eram os desígnios da instituição e que nos levariam a servir melhor os nossos doentes. E isso é difícil porque às vezes implica ruturas, incompreensão e conflito. Nada disto é necessariamente pacífico. Portanto, em termos de visão estratégica foi muito importante e foi importante também o que conseguiu concretizar em termos de organização e de estrutura.
Refiro-me à criação e ao desenvolvimento das clínicas de patologia, que eu diria que são verdadeiramente a arma e a ferramenta que nos permite ter o doente no centro das nossas preocupações
A que se refere em concreto?
Em termos de organização, refiro-me à criação e ao desenvolvimento das clínicas de patologia, que eu diria que são verdadeiramente a arma e a ferramenta que nos permite ter o doente no centro das nossas preocupações. E isso foi algo verdadeiramente revolucionário na época em Portugal e que hoje é visto nacional e internacionalmente como um exemplo.
Em termos de estrutura, o Instituto sofreu, talvez desde o tempo do Dr. Guimarães dos Santos, o maior surto de crescimento em termos de estrutura, de revalorização das estruturas existentes, de formação de novas estruturas e isso obviamente vai moldar aquilo que é a imagem e o trajeto do Instituto nos próximos anos. Não tenho dúvidas sobre isso.
E eu tenho particular responsabilidade nesse desenvolvimento porque tenho um conhecimento e uma prática dessa área mais aprofundada. Se não o fizer, seguramente falhei na minha missão
Em relação à investigação, por onde passam as estratégias?
É algo que devemos ao primeiro ao primeiro presidente do Conselho de Administração do IPO, ao Dr. Guimarães dos Santos, que fez parte da sua formação nos Estados Unidos. Quanto veio para Portugal, em meados da década de 70, tinha uma visão muito diferente a avançada do que eram os cuidados de saúde, particularmente os oncológicos, comparativamente com aquilo que era a realidade nacional nessa altura.
Ele conseguiu, pela sua personalidade, capacidade, pela própria influência que conseguia ter no meio político e social, implementar no IPO uma forma diferente de fazer as coisas. A investigação era para ele um pilar fundamental. Ele não conseguia conceber bons cuidados de saúde sem que houvesse investigação e formação. Aliás, isso ainda se mantém no nosso nome, somos o Instituto Português de Oncologia, não somos o Hospital de Oncologia. Isto não é demérito para os outros hospitais. Significa é que a nossa génese é algo que tem que ver com a visão muito ampla do que deve ser a prestação desses cuidados.
Já em relação ao Dr. Pontes, não sendo algo que ele desenvolvesse com a mesma intensidade que nós neste momento, percebeu que era absolutamente instrumental para desenvolver a instituição a nível nacional e internacional. Ele realmente conseguiu dotar-nos das estruturas necessárias e desenvolvê-las. E a consequência disso é que o nosso centro de investigação foi formalmente fundado em 2003/4 e este ano, após vários ciclos de avaliação, atingiu o patamar de excelência da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). É um trabalho continuado de mais de uma década em que houve uma aposta institucional nessa área.
Agora, cumpre-me é continuar esse trabalho, não o deixar esmorecer e, se possível, torná-lo ainda melhor. E eu tenho particular responsabilidade nesse desenvolvimento porque tenho um conhecimento e uma prática dessa área mais aprofundada. Se não o fizer, seguramente falhei na minha missão.
O IPO Porto está a implementar o tratamento com células CAR-T e tem sido distinguido por isso. É este o caminho a seguir, o da inovação?
O tratamento com as células CAR-T, em Portugal, é realizado por nós e pelos nossos colegas e amigos do IPO de Lisboa. São as duas instituições que neste momento possuem a certificação de qualidade para o fazer. O processo, como tem sido feito na instituição, é visto internacionalmente como um modelo de boas práticas. Isto significa que sabemos fazer bem as coisas se nos empenharmos.
Ao nível da investigação clínica destaco ainda a nossa unidade de ensaios clínicos, aquela que tem seguramente maior movimento a nível nacional em termos de ensaios clínicos na área oncológica. No domínio da investigação translacional, desenvolvemos muita investigação ao nível dos biomarcadores oncológicos e naquilo que podemos dizer que é a caracterização da natureza das neoplasias, o cancro, utilizando-os como fonte de características para diagnóstico e para tratamento.
Os resultados obtidos são depois vertidos no trabalho que desenvolvemos na nossa assistência. Por exemplo, inovando ao nível do diagnóstico aprimoramos aquilo que são técnicas de diagnóstico altamente especializadas na área da genómica. A transição de uma coisa para a outra é algo perfeitamente natural e fácil de fazer.
Estas situações infelizmente podem ocorrer, diria que são uma espécie de manifestação ou de sintoma de algumas das dificuldades que as instituições sofrem perante a situação atual de carência
Veio recentemente a público um caso em que o IPO de Lisboa era acusado de ter protelado uma consulta durante um ano. Era possível que este cenário tivesse acontecido no IPO Porto? É possível um paciente ter de aguardar um ano por uma consulta?
Devo dizer que, seguramente no caso do IPO de Lisboa, e conhecendo eu como conheço os colegas da instituição, certamente que este foi um caso isolado e que se deveu a condições e a circunstâncias peculiares. Não tenho nenhuma dúvida e estou à-vontade para o dizer.
E há outra coisa que posso dizer: seguramente que ninguém dentro da instituição, muito menos os responsáveis, ficam contentes ou satisfeitos com situações desta natureza que podem ocorrer em qualquer circunstância ou qualquer hospital. Se aqui pode acontecer, pode.
Às vezes há sistemas de marcação que tentamos que sejam o mais ágeis possível e que são baseados numa rotina administrativa e estas situações podem ocorrer. Temos de ter o cuidado máximo de tentar evitá-las. Para isto, precisamos de ter os meios humanos e materiais para responder e isso nem sempre acontece. Aliás, o Dr. João Oliveira, que é o presidente do Conselho de Administração do IPO de Lisboa, ainda recentemente teve oportunidade de manifestar as necessidades que a instituição tem ao nível dos recursos humanos, nomeadamente a falta de dermatologistas em número suficiente para poderem dar resposta às grandes solicitações.
Estas situações infelizmente podem ocorrer, diria que são uma espécie de manifestação ou de sintoma de algumas das dificuldades que as instituições sofrem perante a situação atual de carência. Temos de fazer algo mais e de melhorar para que isto não aconteça.
Se é desafiante, é. É altamente desafiante porque para a quantidade e complexidade crescente das solicitações que temos os meios que possuímos são relativamente escassos
Através da consulta do portal do SNS, é possível verificar que o IPO do Porto tem conseguido cumprir os tempos máximos de resposta em consultas e cirurgias. Este é um desafio constante?
De facto, o resultado que conseguimos alcançar não depende só do Conselho de Administração, depende dos médicos, enfermeiros, técnicos e assistentes administrativos. Todos eles participam no desígnio comum de tentar servir o melhor possível. Aquilo que é a capacidade do Conselho está mais relacionado com as condições estruturais e de tentar motivar, o que não é fácil nos dias que correm.
Se é desafiante, é. É altamente desafiante porque para a quantidade e complexidade crescente das solicitações que temos os meios que possuímos são relativamente escassos. Esta é uma realidade diferente de instituição para instituição e não lhe consigo dizer se, por exemplo, o IPO de Lisboa tem mais carências do que nós. É provável que isso até aconteça. É algo que não tenho de memória, mas pode acontecer e justificar algumas dificuldades. É desafiante porque não só pelo número de pedidos, mas pela complexidade das situações também.
Diria seguramente que é preciso maior orçamento, maior investimento na saúde
Como é gerir a dotação orçamental do IPO do Porto?
A Sra. ministra da Saúde tem dito, de forma repetida, que gostaria de ver um reforço daquilo que são as verbas da saúde [entretanto foi anunciada uma injeção de 800 milhões de euros de reforço no setor, tendo esta entrevista sido realizada em data anterior a essa anúncio]. Que ministro não gostaria. Não tenho nenhuma dúvida de que a Sra. ministra gostaria de ter o máximo de orçamento possível. Como ela, todos temos a noção das limitações e dos constrangimentos que existem.
Diria seguramente que é preciso maior orçamento, maior investimento na saúde, e isso tem de vir a par de algo que a senhora ministra tem chamado muito à atenção que é a maior capacidade de organização e de eficiência. A segunda apenas não chega, seguramente que nos dá ganhos e permite-nos fazer melhor, e foi isso que fizemos ao longo de vários anos, sobretudo a partir de 2012 com a pressão em termos orçamentais. O caminho que tivemos de fazer para não piorar a nossa performance passou por aumentar a eficiência que já era bastante grande e isso foi bem conseguido.
Agora, isto consegue fazer-se durante um tempo, mas logo a seguir as pessoas precisam de ter uma perspetiva de melhoria. Nós conseguimos pedir às pessoas um sacrifício, um esforço adicional durante uns tempos e com um objetivo determinado. A partir de um certo momento temos de oferecer algo, temos de oferecer uma luz e uma visão e dizer, ‘ok, mas agora vamos caminhar para aqui e vamos ter certamente um futuro mais risonho e maior capacidade de tratar os nossos doentes’.
É importante que se diga que, no que respeita ao orçamento, não é apenas para os recursos humanos ganharem mais, que é óbvio que é importante para todas as pessoas, não só para as da área da saúde. Mas é sobretudo para as pessoas terem as condições e os meios para se sentirem realizadas na forma como fazem a prestação da sua assistência. Imagine um médico que tem à sua frente um doente com uma determinada doença e precisa de certos meios, sejam eles terapêuticos ou de diagnóstico, e sente que não vai conseguir tratá-lo em tempo útil. Isso é altamente desmotivante do ponto de vista profissional. Compreendo que ao longo do tempo, quando isto se torna cumulativo, vai conduzindo a uma perda daquilo que é a vontade, o ânimo.
Atendendo àquilo que sofremos naqueles anos [de constrangimentos orçamentais], fico absolutamente espantado com a resiliência das pessoas e com o estímulo que tiveram para continuar a trabalhar. Não foi só uma questão de cortes de salários. As pessoas trabalharam mais por menos. É profundamente natural que além da reposição que foi feita, e muito bem, as pessoas aspirem a mais e aspirem sobretudo a terem melhores condições de trabalho.
A questão da remuneração é importante para os profissionais de saúde, mas há coisas que vão além da remuneração e que são muito importantes, como a realização profissional, a capacidade de terem novos desafios, de fazerem ensino e investigação, de terem possibilidades de exercerem gestão. Estes aspetos são tanto ou mais relevantes do que a remuneração e isso é algo que tem de ser tomado em consideração. Não depende apenas do orçamento, depende também das instituições e da visão que se tem para o desenvolvimento profissional dos seus recursos humanos.
Foi divulgado recentemente um inquérito relativo ao cancro hereditário - ‘Panorama do Cancro Hereditário em Portugal’ - que dá conta que só 45,2% das unidades hospitalares têm uma estrutura multidisciplinar organizada para o seguimento das famílias com cancro hereditário. O IPO do Porto acautela esta questão?
Isso foi algo que surgiu de uma das sessões do Congresso da Sociedade Portuguesa de Oncologia. É uma realidade que é variável de hospital para hospital e que depende da dimensão e do tipo de pacientes que recebe. No caso do IPO Porto, temos uma estrutura de apoio às situações de disposição hereditária para cancro, é disso que falamos. E este é um dos exemplos admiráveis entre investigação e prática. Por exemplo, aquilo que conseguimos estabelecer em termos de investigação, nomeadamente de algumas variantes de alterações genómicas que são frequentes na população portuguesa, particularmente no norte do país, são neste momento utilizadas por nós na triagem inicial das pacientes com risco de cancro hereditário da mama.
O Instituto tem essas condições, agora a problemática é que somos uma instituição que está muito dirigida para receber doentes e tratá-los. E quando falamos de questões hereditárias, nós identificamos primeiro os doentes e depois vamos procurar a família. E na família o que identificamos não são doentes, são pessoas em risco. Essas pessoas em risco vão utilizar a estrutura hospitalar eventualmente para fazerem terapêuticas profiláticas, mas não estão doentes. E o problema que se coloca é como se faz a coordenação em termos de prioridades ou de alocação de recursos dentro da instituição. E se eu tiver recursos limitados e tiver de escolher entre doentes e pessoas que estão em risco? Esta é uma das dificuldades que as instituições sentem.
A clínica do cancro da mama tem uma taxa de cura de 98% aos cinco anos em doentes em fase inicial. A que se devem estes resultados?
Devem-se a várias coisas. Desde logo, o cancro da mama, apesar de ser o mais frequente no sexo feminino, é também uma doença na qual a investigação e o investimento em desenvolvimento de novas abordagens diagnósticas e terapêuticas resultou em duas coisas muito importantes. Primeiro, o estabelecimento de um rastreio que permite um diagnóstico precoce e a identificação da doença em fases curáveis. E, portanto, isto aumenta a nossa capacidade de cura da doença.
Segundo, a evolução das novas modalidades terapêuticas veio incrementar a quantidade e a qualidade de vida das pacientes, mesmo daquelas que são diagnosticadas numa fase mais avançada. Os resultados devem-se a estes dois fatores, aliados ao desenvolvimento daquilo que são os conhecimentos e as capacidades dos recursos humanos.
E destacaria também, no caso do IPO, a organização que mais uma vez foi centrada. A Clínica da Mama é um exemplo, dentro das 11 clínicas que temos, de centralização do doente. O que fizemos foi, num espaço, colocar os profissionais que são dedicados a essa patologia para melhor tratar esses doentes e serem cada vez mais proficientes na forma de o fazer. Julgo que, em grande medida, esses resultados vêm daí. Esses dados resultam da investigação e desenvolvimento e da organização, da forma como abordamos a doença e de tentarmos maximizar as possibilidades de cura.
O IPO do Porto tem um serviço de atendimento não programado para responder a situações emergentes. Não se justifica uma urgência?
Não temos uma urgência de ‘porta aberta’. As nossas especialidades estão muito vocacionadas para o tratamento do paciente oncológico. Portanto, não estamos vocacionados para tratar pacientes com traumatismo ou outras afeções que são comuns na comunidade.
Temos um serviço de atendimento não programado para atendimento aos nossos pacientes que estão em tratamento na instituição e que têm uma intercorrência e que necessitam dos nossos cuidados. E esse serviço funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. E há sempre uma equipa de base constituída por especialistas de oncologia médica e cirúrgica.
Depois, participamos com vários profissionais nas urgências regionais. Temos colegas da instituição que, embora prestem o seu trabalho aqui no IPO, vão a outros hospitais fazer trabalho na urgência, contribuindo assim para as urgências regionais da nossa área. E, embora isso às vezes seja disruptivo daquilo que é o nosso trabalho assistencial, e também algo importante porque significa que contribuímos para algo que é um bem comum.
Embora este modelo tenha dificuldades, e implique uma gestão muito apertada, é um modelo que julgo que vale a pena olhar com muito cuidado e que talvez seja responsável por um pouco mais de paz nesta área da urgência na região norte. É um bom exemplo de como uma visão global e regional, na prática, resultou muito na mitigação daquelas que são as necessidades sentidas ao nível dos serviços.
Não, não somos imunes [à falta de recursos humanos]. Embora deva dizer que, com a lei da execução orçamental deste ano, recebemos 'um balão de oxigénio' para resolver algumas situações que estavam pendentes
A nível nacional, várias unidades hospitalares têm manifestado dificuldades na gestão dos recursos humanos, sobretudo médicos. O IPO Porto não é imune à falta de recursos humanos?
Não, não somos imunes. Embora deva dizer que, com a lei da execução orçamental deste ano, recebemos 'um balão de oxigénio' para resolver algumas situações que estavam pendentes, sobretudo em termos de substituição, temporária ou definitiva, em todos os grupos de profissionais, à exceção do grupo médico. E isto é algo que devemos à tutela e que aliviou a pressão que sentíamos.
A parte mais crítica é a dos recursos humanos médicos. Essa é uma dificuldade básica que julgo que carecia de uma análise mais global. E o facto de as instituições não conseguirem ter domínio na gestão está a retirar-lhes muito daquilo que é a sua operacionalidade. Não é só uma questão de visão estratégica, essa é muito importante. Sem menosprezo de nada, a forma como os concursos de colocação são feitos faz com que o sistema que foi implementado, de forma temporária, apenas tome em consideração a classificação final do internato.
Qual é a consequência?
Não é tomado mais rigorosamente nada em consideração, nem a diferenciação, nem a adaptação do médico. E os serviços, por exemplo, quando têm um interno durante cinco anos, muitas vezes já têm uma visão estratégica dentro da instituição e desenvolvem competências específicas nas pessoas para irem ao encontro das necessidades institucionais do próprio serviço. Quando um hospital é confrontado com a situação de receber, porventura, profissionais que não têm essa diferenciação, isto não nos permite ter a maleabilidade que gostaríamos para implementar essa visão estratégica.
Imagine o que seria uma empresa, em vez de transformar um quadro para desenvolver determinado projeto, recebe algum que lhe é imposto externamente sem que escolha as competências que tem. Julgo que esta falta de capacidade, que tinha uma intenção inicial que eu diria que era boa - reduzir o tempo de colocação -, é algo que pode ser feito de outra maneira, tentando junto das instituições que o lançamento dos concursos previstos por lei possam ser mais rápidos.
Tem de se perceber que as coisas têm de ser resolvidas no imediato, mas se não pensarmos também a médio e a longo prazo, nunca vamos conseguir melhorias significativas da nossa prestação porque passamos o dia a resolver problemas diários. Se não pensarmos a longo prazo, nunca vamos conseguir ter a visão estratégica que deveríamos.
Portanto, o futuro vai ser este: vai haver mais cancro e esperamos ter a capacidade de tratá-lo melhor
Com a investigação a 'todo o vapor', como é expectável que evolua o cancro e sua incidência?
O cancro, a nível mundial, é crescente em termos de incidência. Portanto, isso é um dos fenómenos que está perfeitamente caracterizado. Os fatores fundamentais são dois, um deles é o envelhecimento da população. Podemos ter em Portugal uma expectativa de incremento da incidência de cancro em termos globais pelo simples facto de a nossa população viver mais tempo.
O principal fator de risco para ter cancro, tirando situações muito peculiares, é a idade. Quanto mais envelhecermos, mais risco de termos cancro. Isso é um dado assumido e podemos tomá-lo como uma realidade. O segundo é uma exposição cada vez maior.
Outras realidades, como a poluição ambiental, não foram até agora tão dramaticamente estudadas como causas de cancro e são muito importantes. Neste momento, a poluição ambiental com partículas muito finas, por exemplo as que existem em suspensão no ar e que são inaladas, é provavelmente a responsável por um incremento de cancro ao nível das vias respiratórias, particularmente nas pessoas que não fumam.
Para nós, se isto é uma realidade urgente, nos países em desenvolvimento, como os de África e da Ásia, é quase epidémico porque eles juntam um conjunto de condições. A população começa a ter uma longevidade maior já se trata melhor aquilo as circunstâncias que levavam à morte, como a infeção, a fome e a violência. Mas com o desenvolvimento que vai ocorrendo a nível industrial, e que muitas vezes é desenfreado, sem qualquer tipo de regulamentação sob o ponto de vista ambiental, há mais fatores ambientais que são carcinogénicos. Exemplo disso é a China, sendo que em Pequim o ar é quase irrespirável, tal é a quantidade de poluentes ambientais que persistem e que seguramente está a ter um impacto no cancro nessas populações.
Portanto, o futuro vai ser este: vai haver mais cancro e esperamos ter a capacidade de tratá-lo melhor, identificá-lo mais cedo, e permitir que, mesmo nas pessoas que não consigamos curar, o consigamos controlar de forma satisfatória, proporcionando aos doentes não só mais tempo de vida, como mais qualidade.
O IPO está preparado para esse futuro? Terá capacidade para absorver um aumento potencial de pacientes?
O IPO do Porto tem como estratégia e plano de ação munir-se das condições em termos de recursos humanos e materiais para fazer face a esse desafio, ao desafio da quantidade e da complexidade. É algo que está profundamente impregnado na instituição e nas pessoas que aqui trabalham, que temos a certeza que vai acontecer e que nos motiva para continuar a trabalhar.
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