"Não somos nem ativistas nem criminosos. Somos assertivos e íntegros"
O fundador do IRA - Intervenção e Resgate Animal é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
País IRA - Intervenção e Resgate Animal
O fundador do IRA aceitou o convite de entrevista do Notícias ao Minuto passado sensivelmente um ano desde que o grupo - que se dedica ao resgate de animais - esteve no centro do debate público. Como em todas as entrevistas que já deu até hoje, o líder ainda prefere manter a sua identidade anónima, garante, por questões de privacidade.
Contudo, a organização que lidera está longe de precisar de apresentações.
Criado há três anos e formalmente constituído há cerca de um, para quem ainda não conhecia o IRA, em 2018, a organização foi apresentada aos portugueses numa reportagem televisiva como um "grupo de encapuçados" que salvava animais que sofriam de maus-tratos, cometendo crimes e atuando à margem da lei, em nome da defesa dos animais. Na altura, a controversa reportagem deu a conhecer alegadas vítimas, levou à abertura de várias investigações por parte do Ministério Público e da Polícia Judiciária, incluíndo a uma dirigente partidária, e acabou nos tribunais.
Hoje, longe das polémicas, aplaudidos por uns e criticados por outros, o responsável conta nesta entrevista a história de como o resgate de uma cadela que era usada em lutas de animais levou à criação do que acredita ser uma instituição séria, que opera de acordo com a legislação, defendendo e protegendo a causa animal.
Numa troca de uma lista de perguntas por outra de respostas via e-mail, o fundador do grupo desmistifica o secretismo assente no anonimato dos membros do IRA, esclarece as acusações de que foram alvo, fala sobre o funcionamento interno da organização e dá a conhecer as ambições da associação.
Ao Notícias ao Minuto, o líder desenha um IRA muito diferente de há um ano, mais institucionalizado, constituído por 17 elementos, numa estrutura que se "assemelha a uma pequena empresa" (embora ninguém receba salário) e não esconde a convicção de que, no plano judicial, se fará justiça "por todos os danos causados ao bom nome" do grupo.
Como nasceu o IRA?
O IRA, inicialmente, surge no âmbito um apelo de adoção de uma cadela Staffordshire, que foi resgatada porque era utilizada em lutas ilegais de animais. Dado o método de resgate e a forma como se atuou, começámos a receber mais denúncias de maus-tratos a animais do que candidaturas para a adoção.
No IRA, é essencial entendermos quando podemos ou devemos intervir, ou quando devemos simplesmente acompanhar as autoridades competentesCom quantos membros é que o IRA começou e com quantos é que conta hoje?
O IRA começou com um elemento. No espaço de dois meses passou a ser constituído por dois elementos e, em menos de um ano, já contava com sete. Atualmente, o IRA é composto por três delegados, cinco subdelegados e nove voluntários de proximidade [17 elementos].
Como caracterizaria o perfil de um membro do IRA?
Não existe um perfil definido. Apenas normas internas que devem ser cumpridas à risca e que asseguram a integridade das ações desempenhadas.
Segundo informação já divulgada na comunicação-social, o IRA não aceita voluntários. Esta política mantém-se? Porquê?
O IRA aceita voluntários, mediante as necessidades da instituição. Recentemente, recrutou três elementos, que são bombeiros, para realizarem especificamente resgates em grande ângulo, e dois elementos das forças de segurança.
A estrutura do IRA assemelha-se a uma pequena empresa. A diferença está na ausência de qualquer remuneração aos elementos
São muitas vezes descritos como um grupo dotado de valências militares. Têm membros ou ex-membros de forças militares ou forças armadas afiliados no IRA?
Sim, temos membros que são ativos nas forças de segurança e militares. Naturalmente, em termos de planificação ou atuação o comportamento é perceptível e equiparado.
Como é que alguém se torna membro do IRA? É necessário ter algum tipo de competências ou capacidades? É facultada algum tipo de formação aos novos elementos?
Todos os novos ingressos recebem formação e passam por um período de acompanhamento junto dos delegados. É necessário entender o que configura um crime de maus-tratos ou uma mera contraordenação. No IRA, é essencial entendermos quando podemos ou devemos intervir, ou quando devemos simplesmente acompanhar as autoridades competentes. Acima de tudo, é necessário compreender o comportamento de cada espécie animal para que todas as acções sejam bem sucedidas.
Existe algum elemento que se dedique a 100% ao IRA ou que seja assalariado?
Nenhum dos elementos do IRA aufere de salários pela sua dedicação ou disponibilidade.
No setor da Intervenção e Resgate lida-se com a desgraça e é isso que os elementos devem cessar com as suas actuaçõesComo se estrutura o IRA a nível interno, como é que se organizam?
A estrutura do IRA assemelha-se a uma pequena empresa. Está dividido em sectores ou departamentos e por cada um existe um responsável e subordinados. A diferença está na ausência de qualquer remuneração aos elementos, sendo estes meramente premiados com merchandising do IRA e outros benefícios no estabelecimento comercial desta instituição.
Como descreveria um dia comum de ação de um elemento do IRA?
No setor da Intervenção e Resgate lida-se com a desgraça e é isso que os elementos devem cessar com as suas actuações. Nos restantes setores, os sentimentos são mais positivos uma vez que apenas devem dar continuidade ao sucesso da intervenção. O acompanhamento das adoções e a verificação da evolução do estado de saúde dos animais são fatores que motivam a primeira linha de atuação.
Quantas denúncias recebem diariamente e como decidem a quais devem responder?
As denúncias diárias rondam as dezenas num período normal. Em épocas específicas do ano - como por exemplo o verão, em que se regista um maior número de animais abandonados, ou em alturas festivas que potenciam o desaparecimento de animais devido aos espectáculos de fogo de artifício - há um aumento de denúncias em relação ao número habitual para o crime de maus-tratos a animais.
O anonimato apenas se cinge às redes sociais e à comunicação social para efeitos de preservação da privacidade de cada um dos membros do IRAEm certas operações, estão ao lado da PSP e/ou da GNR. Como é a relação entre o IRA e as autoridades?
É uma relação institucional serena e cooperante. Felizmente, partilhamos objetivos comuns face aos crimes de maus-tratos e, tanto a GNR como a PSP, já tiveram a oportunidade de presenciar o rigor e competência do IRA, no que diz respeito ao cumprimento da legislação em vigor, para garantir o desfecho pretendido.
Alguma vez ocorreu um incidente numa operação em que alguém tenha ficado ferido?
Apenas as tradicionais 'dentadinhas de amor' dos melhores amigos do homem.
Que tipo de equipamento utilizam nas vossas ações? Quanto é que já investiram nesse equipamento?
O equipamento é adequado a determinada atuação. Já estão investidos alguns milhares de euros e serão precisos muitos mais para a necessária expansão do IRA a nível nacional.
Consideram necessário a expansão do IRA noutras localidades?
Absolutamente.
Noutras entrevistas, membros do IRA afirmaram que mantinham o anonimato para não terem de responder à lei em nome da defesa dos animais. Num país que desde a fundação do IRA, em 2016, muito mudou no que diz respeito aos direitos dos animais, como justificam a continuação desse anonimato?
Em qualquer atuação que o IRA implemente, os seus elementos são identificados pelas autoridades policiais, uma vez que os animais resgatados ficam ao nosso cuidado enquanto fiéis depositários. Para além de que, conforme processo-crime que decorre posteriormente, os nossos elementos são chamados na qualidade de testemunhas em sede de investigação. O anonimato apenas se cinge às redes sociais e à comunicação social para efeitos de preservação da privacidade de cada um dos membros.
E dentro da organização?
Mais do que colegas, criámos boas amizades.
Por vezes, escapa-nos a dimensão e projeção social que temos a nível nacional e internacional. Quando uma simples publicação de indignação sobre determinado caso é amplamente divulgado nos meios de comunicação social é que realmente nos apercebemos do 'peso' que o IRA passou a terAtualmente, contam com mais de 260 mil seguidores no Facebook, estavam à espera de ter tanta visibilidade e apoio?
Por vezes, escapa-nos a dimensão e projeção social que temos a nível nacional e internacional. Quando, numa questão de horas, ficamos dotados de resgatar mais de 100 cavalos [referindo o caso de Ferreira do Alentejo - no qual o IRA recolheu, em novembro deste ano, com a ajuda da GNR, 104 cavalos que se encontravam a morrer à fome em duas explorações pecuárias] é que percebemos o apoio gigantesco que temos dos portugueses e não só. Quando uma simples publicação de indignação sobre determinado caso é amplamente divulgado nos meios de comunicação social é que realmente nos apercebemos do 'peso' que o IRA passou a ter. E, claro, a responsabilidade que temos para com todos os que nos seguem e apoiam!
Não nos consideramos ativistas nem criminosos. Somos assertivos e íntegros nas nossas acções e se calhar era isso que faltava na causa animalContudo, a opinião pública oscila entre vos considerar ativistas e justiceiros ou criminosos. Identificam-se com algumas destas perspectivas? Como veem e lidam com as mais opiniões mais negativas?
Não nos consideramos ativistas nem criminosos. Somos assertivos e íntegros nas nossas acções e se calhar era isso que faltava na causa animal. Eventualmente, poderá ter trazido alguma desconfiança de pequenos focos comunitários aliada ao desconhecimento ou desinformação. Inicialmente, estávamos disponíveis e empenhados para publicamente justificar, explicar e repetir incessantemente que não actuamos encapuzados, que não roubamos animais, entre outras acusações e afirmações de que já fomos alvo. Hoje em dia, definimos que o nosso foco é apenas direccionado para o resgate animal acreditando que as nossas ações representarão o bom nome desta instituição.
Há cerca de um ano, foram acusados numa reportagem de serem um grupo terrorista e de cometerem crimes de roubo, ameaça à integridade física, sequestro, entre outros. Após terem negado publicamente estas alegações declararam que iriam avançar com um processo em tribunal contra o meio de comunicação em causa e o jornalista que realizou a reportagem. Em que ponto se encontra o processo?
O processo encontra-se em investigação. Temos conhecimento que muito recentemente foram ouvidas as últimas testemunhas do IRA, contra as alegações das ditas 'vítimas do IRA' e crimes alegadamente praticados por nós. Infelizmente, a Justiça em Portugal peca pela demora, mas certamente que não falhará.
Nunca fomos constituídos arguidos de absolutamente nada inerente ao IRA ou suas atuaçõesO Ministério Público confirmou que estava em curso uma investigação ao IRA, em novembro do ano passado, devido à referida reportagem. Têm alguma informação sobre esta investigação?
Se iniciou ou se já terminou, desconhecemos, tal com as suas conclusões. Nunca fomos constituídos arguidos de absolutamente nada inerente ao IRA ou suas atuações.
Negamos quaisquer ligações com partidos políticos, religiões ou clubes futebolísticos
Na referida reportagem foi também apontado que uma dirigente do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Cristina Rodrigues - hoje deputada parlamentar do partido -, tinha eventuais ligações ao IRA acabando por ser investigada pelas autoridades. Negam estas alegadas ligações à estrutura partidária?
Negamos quaisquer ligações com partidos políticos, religiões ou clubes futebolísticos. Nenhum elemento do IRA está autorizado a mencionar, a título pessoal ou representativo, qualquer um destes temas internamente ou no desempenho das suas funções.
Tendo em conta que o PAN é o partido que mais lutou pela defesa e direitos dos animais em Portugal, tendo ou não ligações ao mesmo, como veem o seu desempenho? Sentem-se próximos do trabalho que têm desenvolvido?
Não temos pleno conhecimento dos objetivos atingidos ou propostos pelo PAN, pelo que não podemos formar uma opinião adequada.
De acordo com informação divulgada na comunicação social, no início da fundação do IRA não aceitavam doações monetárias, apenas alimentos e produtos para animais. Hoje já é possível contribuir monetariamente através de transferência bancária. O que mudou e onde é que aplicam esse dinheiro?
No início da fundação do IRA resgatava-se um animal de companhia em cada 15 ou 30 dias. Atualmente, temos capacidade para resgatar 100 cavalos ou dezenas de animais de companhia por dois a seis meses em alojamento. É fácil perceber que foi a angariação monetária que conseguiu elevar o IRA à mesma 'liga profissional' em que os criminosos e agressores 'jogam' no que respeita aos maus-tratos a animais. Nunca ninguém imaginou ser possível uma instituição de proteção animal estar capacitada para resgatar, prestar cuidados médico-veterinários, alimentar e alojar tantos animais. Mas nós sabíamos que isso jamais seria alcançado apenas com a venda do nosso merchandising.
O IRA abriu uma loja/centro veterinário em Lisboa. Por que é que decidiram expandir para este tipo de atividade? Como está a correr?
O IRA gasta cerca de mil a dois euros mensalmente em despesas veterinárias nos diversos hospitais e clínicas protocoladas. Com este estabelecimento, podemos reduzir significativamente esses gastos e, cereja no topo do bolo, obter retorno prestando esse tipo de serviço aos milhares de seguidores e demais detentores de animais.
Têm como objetivo abrir mais pontos destes noutras localidades? Como mantêm a questão do anonimato com um estabelecimento aberto ao público?
Relativamente à abertura de mais pontos destes noutras localidades, os mesmos acompanharão a expansão em território nacional para fazer face às despesas associadas e prestar apoio aos núcleos que pretendemos criar nos diversos distritos. Quanto ao anonimato, é inexistente.
Para além da detecção, planeamento e resgate de animais e o espaço comercial, o IRA tem mais alguma atividade?
Não consideramos uma atividade, mas sim uma valência. Atualmente fazemos campanhas de sensibilização para a defesa dos animais em escolas.
Nos últimos tempos, não têm ajudado só animais. Recentemente, o IRA deu apoio a um sem-abrigo e trocou um carro de resgate animal por seis mil euros para doar à bebé Matilde. Há aqui uma expansão do IRA caminhar também para abraçar outras causas?
Não será necessário o IRA abraçar outras causas para praticar boas ações que se encontrem ao seu alcance. Contudo, o foco é e será sempre os animais. Talvez a proteção ambiental, tão necessária.
A aquisição de uma infraestrutura onde possamos reunir todos os nossos meios e acolher animais temporariamente, tipo um género de quartel-general do IRA, é outra das nossas ambiçõesJá há algum tempo, o IRA alegou que a fórmula para acabar com os maus-tratos animais poderia passar pela esterilização da população animal a fim de valorizar os mesmo tornando-os numa companhia de luxo. Ainda concordam com esta teoria? Não consideram que esta medida poderia aumentar o tráfico de animais?
Tal como já acontece noutros países da União Europeia, ter um animal não é um dado adquirido mas sim um privilégio. Nestes países, as exigências legais e o baixo número de população de animais de companhia fazem com que o abandono e/ou crimes de maus-tratos a animais sejam uma coisa do passado. Portanto, mantemos a mesma opinião. Para adotar um animal não deveria ser suficiente aceder a qualquer plataforma digital e combinar com alguém a sua entrega. Quanto ao possível tráfico de animais, existem brigadas nas forças de segurança que fiscalizam e combatem esse tipo de crimes.
O que ainda falta alcançar na defesa dos animais em Portugal?
Discernimento e consciência.
Qual é o maior desafio que enfrentam hoje?
Os gregos ou os troianos. Dependendo de quais estão contra nós!
Quais são os próximos passos do IRA e que objetivos querem alcançar no futuro?
Reconhecimento enquanto entidade competente para a avaliação de denúncias e organização voluntária com a Protecção Civil. Também queremos transformar o nosso autocarro para iniciar as suas tão esperadas funções. A aquisição de uma infraestrutura onde possamos reunir todos os nossos meios e acolher animais temporariamente, tipo um género de quartel-general do IRA, é outra das nossas ambições.
Quando é que deixaria de fazer sentido o IRA existir?
Ainda que houvesse uma total ausência de crimes, a existência das forças de segurança seria sempre necessária para garantir o cumprimento da legislação em vigor. O IRA teria o mesmo papel, afecto às boas práticas para com os animais e eventualmente na formação de detentores e respetivos animais.
*[Nota de Edição: O Notícias ao Minuto retirou a pergunta relativa a uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre uma reportagem, que deixou de constar no site oficial da ERC após a realização desta entrevista. Contactada a entidade em causa para averiguar por que razão a deliberação tinha deixado de estar disponível, o Notícias ao Minuto recebeu a seguinte resposta: "A citada deliberação foi retirada do nosso sítio eletrónico, em virtude de não corresponder a uma deliberação final. Em termos estritamente formais, correspondia a um projeto de deliberação que determinava a realização de uma audiência prévia, escrita, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 121.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo. Ou seja, os interessados iriam ainda ser ouvidos pela ERC, antes de ser tomada a decisão final, e a sua pronúncia ia ser ainda considerada. Por lapso, a referida deliberação esteve ainda algum tempo pública. Mas na realidade não seria para estar."]
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