"Ser ator é uma profissão que não tem 'reforma'"
A atriz Carmen Santos é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.
© Joanna Correia / HIT Management
Fama Carmen Santos
O teatro chegou à sua vida já na faculdade, mas antes teve uma grande ligação com a rádio, como ‘locutora’. Um gosto que ainda mantém. No entanto, foi na arte de representar que fez o seu caminho.
Carmen Santos não é só reconhecida pelas personagens que interpreta no pequeno ecrã. Também a sua voz é icónica, afinal emprestou-a à famosa ‘Abelha Maia’ nos anos 70. As dobragens, aliás, continuam a fazer parte da sua vida.
Aos 73 anos, com quase 40 de carreira, a atriz esteve à conversa com o Notícias ao Minuto, numa entrevista em que recorda a infância e percurso, abordando particularmente um dos seus mais recentes projetos: a série ‘Golpe de Sorte’.
Nasceu em 1946. uma época muito diferente dos dias que vivemos hoje…
Uma das coisas que faz muita diferença são as ocupações, os tempos livres, por exemplo. Brincávamos uns com os outros na rua, ficava-se com os pais a conversar à mesa. Só havia rádio… Lembro-me que tinha um tio que um dia fez um rádio de galena e eu achava muita graça. Ele era uma pessoa excecional, inteligente… Lembro-me de ouvir músicas e as transmissões de rádio com ele.
Mas havia, por exemplo, algumas dificuldades económicas?
Sim, os meus pais viviam perto de Lisboa, mas não mesmo em Lisboa... E mudaram-se para Alvalade quando eu estava na escola primária. A minha mãe trabalhava em casa, [era doméstica] e o meu pai era eletricista de automóveis...
E quais as melhores memórias?
Havia uma coisa que gostava muito de fazer com a minha avó paterna que era sair com ela e, sobretudo, ir para o campo. Íamos pelo monte apanhar as espigas, papoilas, os malmequeres, um raminho de oliveira… Nunca mais me esqueci disso e eu, que sou completamente ateia, todos os anos na Quinta-feira da Espiga trago um ramo de espigas para casa. Há memórias assim, lindas…
No outro dia vi a entrevista que o Ângelo Rodrigues deu à Cristina Ferreira e ele falou da relação dele com os pais, da infância dele. Eu também não tinha um “meu amor”, um “amo-te”… Os seus pais eram, como se costuma dizer, de outros tempos: mais rigorosos, com outra disciplina… Como foi a sua infância? Até onde ia a sua liberdade?
Não tenho más memórias da infância, mas tinha pouca liberdade. Ia para a escola e vinha, não podia demorar, a minha mãe sempre cronometrou… O meu pai era mais divertido, mas em questões de comportamento a minha mãe era quem mandava, porque era quem estava em casa.
No outro dia vi a entrevista que o Ângelo Rodrigues deu à Cristina Ferreira e ele falou da relação dele com os pais, da infância dele. Eu também não tinha um “meu amor”, um “amo-te”… Os afetos não existiam. Quando muito dizia-se “gosto muito de ti”. Os beijinhos eram de manhã quando se acordava para se ser bem educado e quando íamos para cama… Quando se encontrava uma pessoa também havia um beijinho… Era um cumprimento e não uma expressão afetuosa.
E na adolescência?
Também foi bastante pesado…
Mas houve alguma 'loucura' que tenha cometido e que hoje recorda com alguma graça?
Não. Quer dizer, uma coisa é ser certinho porque se acredita muito naquilo, e no meu caso não era bem isso. Tinha de ser. Sempre gostei de ir para a escola, ficava farta das férias, mas não era marrona.
Acabou o curso superior em 68, antes da Revolução do 25 de Abril… Do que se lembra desse momento? Tinha algum sonho, algum projeto de vida que gostasse de ver cumprido?
Quando acabei o curso já tinha provado e gostado muito do teatro, da rádio… Isso eu já tinha percebido. Nessa altura em que andava na faculdade não havia associação de estudantes. Algumas universidades tinham, mas em Letras não havia. Como estava ali perto, fui parar ao grupo cénico de Direito. Estavam sempre lá profissionais muito bons, e de Esquerda, embora com muito cuidado. A nível artístico, por exemplo, em Direito estava Fernando Gusmão, um grande ator português que morreu cedo. Era completamente diferente dos outros.
Antes do teatro já tinha feito teatro radiofónico, um gosto que permanece até aos dias de hoje. Do que mais gostava na rádio?
Gosto de microfones, dos sons…
E nunca pensou seguir uma carreira na rádio?
Não tive abertura, não aconteceu. Houve pessoas que chegaram lá, eu não. Quando acabei o curso, primeiro organizei-me socialmente, casei-me, e em 74 fui diretamente para a parte do espetáculo.
E aí já tinha a certeza que queria seguir a área da representação?
Sim, embora andasse a fazer muitas coisas, mas também não valia muito a pena porque havia muita censura na altura… Fazia coisas em grupos amadores, mas havia sempre profissionais a colaborar nestes grupos. No fundo havia uma possibilidade grande de aprender porque havia exemplos seguros à mão… Antes da revolução.
Qual a principal diferença na sua vida no pós-revolução?
Foi decidir tornar-me profissional [na área da representação]. Fazer só aquilo, porque eu fazia outras coisas, cheguei a dar aulas [não de teatro], trabalhei numa agência de publicidade como copywriter. Havia a Rádio Universidade, ainda no tempo de estudante, como locutora, metia as músicas, lia as notícias… Foi de onde saíram pessoas extraordinárias como o grandes jornalistas. E eu saí para o teatro.
Por norma, interpreta papéis mais dramáticos, mas já confessou que gostava de fazer mais comédia. Porquê?
Não é cómico, é menos sério, menos trágico. Gosto de fazer graça, mas são mais as ironias, e tenho feito algumas coisas. Por que razão gosto, não sei.
Identifica-se mais com essa vertente ou é mais pelo desafio?
Gosto de ironizar, de fazer brincadeiras, dos trocadilhos… e quando estão a falar comigo, muitas vezes interrompo para fazer uma graça. Não é o meu conceito constante, mas gosto de fazer isso, o jogo de ironia. O que me diverte mesmo é a comédia porque é um bocado a condição da vida. Podemos estar muito tristes e, de repente, sai uma coisa qualquer, partiu-se um copo, aquela coisa do leite derramado... Há uma parte trágica que é um acontecimento negativo, mas depois há, de repente, uma palavra ou um pensamento que sai e dá cabo daquilo tudo. O Woody Allen conta histórias verdadeiras e profundas, mas tem sempre aquele momento mais [‘cómico/irónico’]. As pessoas acham que os cómicos são uns 'malucos' e eu na vida real não sou assim. Se estou com os meus amigos, de vez em quando tenho aquela saída mais [‘cómica/irónica’].
Mas em Portugal pensa-se sempre que o cómico é uma coisa muito humorística. Temos agora, felizmente, pessoas como o Ricardo Araújo Pereira que tem imensa graça. Sabe-me bem a graça. E não é preciso fazer macacadas. Também podem ser engraçadas e interessantes, mas não se podem reduzir a isso. Acho, de um modo geral, que o público português está pronto para, quando é para rir, rir à gargalhada.
“Eu não quero encenar, não quero dirigir. Eu quero tanto representar que sempre que estou no local de representação a fazer outra coisa, fico frustrada. Gosto mesmo de representar”. Disse isto numa entrevista à RTP em 2017… Porquê?
Sei que isso acontece e não vale a pena passar por aí.
Mas desde sempre foi assim?
Não. Por exemplo: eu fiz muitas dobragens e, de vez em quando, até dirijo porque tem [e tinha] de ser na altura. Se não fosse dirigir, se calhar, depois não havia trabalho. Também não queria, mas é o único sítio em que o faço porque aí eu só tenho de dominar o texto e dar uma ajuda, não ao nível da interpretação, mas no uso da linguagem e da expressão da língua. E é só isso, não mando, apenas dou sugestões…
Ser verdade é mesmo muito importante. Estás a fazer de conta por um lado, mas não estás a fingir. Estás a representar, que é apresentar outra vezEntão é por que motivo não se sente à-vontade no papel de comandar o barco?
É sobretudo isso, não gosto de mandar. E, de um modo geral, encontramos muita gente que manda mal ou que manda sem razão. Há uma coisa que, felizmente, eu não perco que é a consciência disso, embora possa estar nessa situação, sob esse comando, posso não estar de acordo, mas é para se cumprir... Estou a falar do meu ramo, às vezes posso não concordar com o encenador, por exemplo, mas sei que é ele que está a ver como quer. Não luto contra isso.
Pode não concordar mas faz...
Exatamente… Mas não gosto de mandar, odeio. Gosto mais de entrar em consonância, em estar de acordo, do trabalho de equipa verdadeiro no sentido de cada um pensar uma coisa e depois poder discutir, debater, sem grande luta.
“Nestas coisas da representação, a verdade é fundamental”, esta foi outra fase sua… Este é o principal ingrediente para se ser um bom ator?
Eu não sei o que é o principal ingrediente para se ser um bom ator. Posso dizer o que são as coisas mais importantes para mim… E acho que ser verdade é mesmo muito importante. Estás a fazer de conta por um lado, mas não estás a fingir. Estás a representar, que é apresentar outra vez. É imaginar uma realidade que já foi ou que podia ter sido. Mas tem de ser verdade no sentido de ser uma construção para ser real, para fazer sentido. Tem de transparecer que está ali uma figura que não sou eu.
A dada altura da sua vida, ainda muito jovem, nos anos 60, foi apresentadora da RTP, num programa juvenil. Lembra-se da sensação que teve durante esse trabalho?
Chamava-se mesmo ‘O Programa Juvenil da RTP’… Éramos todos miúdos, por isso ninguém chateava ninguém. Era engraçado, íamos a muitos sítios. Lembro-me perfeitamente de uma vez ter ido fazer uma visita a um grande paquete, andámos por lá, escrevíamos, mostravam-nos as coisas… Outra que me lembro muito bem foi de ter ido num verão mostrar a feira de Paço de Arcos. Isso foi muito engraçado. Eles queriam que eu estivesse mais à vontade e deram-me algodão doce, que eu odeio. Andava com aquilo na mão e, de vez em quando, vinham ao pé de mim tirar um bocado para parecer que eu comia, mas nunca me mostraram suja de algodão nem a mastigar porque eu detestava aquilo.
Nos anos 70 foi a voz da ‘Abelha Maia’… Já reconheceram a sua voz na rua?
Sim, a malta com 40 anos que via muito a série. Na altura havia pouca dobragem em português. Fizeram-se duas séries da ‘Abelha Maia’… Às vezes estou a pagar uma coisa no supermercado, ouvem-me falar e reconhecem.
Agora também já começam a reconhecer a minha imagem… As pessoas durante muitos anos ouviam, mas não viam. Ouviam as história na rádio, as peças de teatro, as novelas, antes disso os folhetins radiofónicos… Em casa com a minha mãe, quando era a hora do folhetim, ligávamos o rádio e sentávamo-nos a ouvir.
Em 'Golpe de Sorte' havia um rio principal interessante a correr. O que significa que o caminho que as outras novelas estavam a tomar já há bastante tempo estava errado porque as pessoas não se reviam naquilo
De todos os trabalhos que fez, qual o que guarda de uma forma especial no coração?
É muito difícil… Gostei muito de fazer este último, por exemplo, que foi uma peça de teatro, ‘As Cadeiras’, de Eugène Ionesco. Tenho-a no coração. Era só eu e o Luís Lima Barreto, dois velhotes a fazerem de mais velhotes ainda.
E de todas as personagens, qual foi a que mais a desafiou e por que razões?
Gostei muito de fazer uma telenovela que se chamava ‘As Mulheres’, em que eu fazia uma mulher horrível, uma mãe e sogra completamente horrível. O meu nome já tinha sido dado e algumas pessoas disseram que o papel não deveria ficar para mim porque era uma pessoa muito doce. Mas, às vezes, a representar é mais fácil fazer exatamente aquilo que não tem nada a ver contigo porque ficas mais solto. Foi das únicas coisas que fiz em que olhava para a televisão e via a personagem, não me via a mim.
Faz questão de ver os seus trabalhos?
Sim. Gosto de ver até para corrigir e para a próxima fazer melhor.
Eu fiquei várias vezes parada. Parada significa entre três, quatro ou seis meses sem fazer nada. Quem come disto, é profissional e não tem mais ninguém que ajude. Não é fácil por duas razões: porque faz falta o dinheiro e porque a pessoa sente que afinal não é boaJá interpretou muitos papéis ao longo da sua carreira, especialmente em televisão, sendo que o mais recente foi em ‘Golpe de Sorte’. Um trabalho de sucesso que conquistou os portugueses. O que lhe trouxe de novo esta série? O que mais gostou?
Para já o trabalho coletivo porque, de facto, foi um grupo inacreditável. Parecia que já eram todos amigos de longa data, davam-se todos muito bem e ajudavam-se no sentido em que todos estavam para ali virados… Isso foi extraordinário. E depois foi o encontro com um público que agarrou aquilo logo à partida. Era um guião muito bem escrito, com muitas peripécias importantes, em quase todos os episódios acontecia qualquer coisa nova ou mudava o sentido, ou piorava, ou melhorava, revolvia ou estabelecia um problema… E a faísca daquilo tudo foi uma mulher normal que, de repente, por um grande acaso, compra um bilhete e saem-lhe milhões. Ver como aquilo se foi resolvendo tem graça. É difícil manter só esta linha, nas novelas não se consegue manter só uma linha, tem de haver várias ramificações, mas havia ali um rio principal interessante a correr. O que significa que o caminho que as outras novelas estavam a tomar já há bastante tempo estava errado porque as pessoas não se reviam naquilo.
Sente que este trabalho foi uma lufada de ar fresco na ficção portuguesa?
Foi uma aceitação, uma abertura. As portas estavam fechadas e, de repente, abriram-se outra vez para coisas muito singelas. Não se descobriu nada, aquilo está feito na vida de todos os dias, de toda a gente, do português médio. Aquilo está lá, natural. Cada uma das personagens tinha o seu retrato próprio na época que nasceu, na época que viveu, nas condições sociais de uns e outros. Foi isso que ganhou. Não há ali, por exemplo, nenhuma figura primordial da alta burguesia…
Um dos atores com quem contracenava, e de que falou há pouco, o Ângelo Rodrigues, sofreu um grande susto de saúde. Já teve a oportunidade de falar com ele?
Sim, fizemos o episódio de Natal com ele, o telefilme. Fisicamente foi mais poupado, mas é a figura principal do episódio porque é uma carta dele para o sobrinho…
A Maria João Abreu até disse no ‘O Programa da Cristina’ que seria uma espécie de homenagem a ele...
É capaz de ser, sim. Acho que pode ter sido. Mas foi bem visto, há bons guionistas naquela casa…
Como acompanhou a situação do Ângelo?
Eu não li nada sobre a situação dele enquanto isto durou porque tivemos a felicidade de ter um homem, que nesse aspeto é de uma grande sensibilidade e talento, o Daniel Oliveira. Nós temos um grupo de WhatsApp do ‘Golpe de Sorte’ e que era para coisas engraçadas e para comentar as cenas da série entre todos. Assim que isso aconteceu ele partilhou connosco e sempre que havia informações diretas do hospital ou de familiares continuou a partilhá-las.
Como foi o primeiro dia de gravações com o Ângelo para o telefilme depois do susto que ele viveu? Foi um dia de muita emoção?
Sim, claro. De grande alegria. Toda a gente estava a abraçá-lo muito. Ficámos mesmo muito tristes quando aquilo aconteceu. Já nem estávamos a trabalhar, foi logo a seguir. Aquilo parecia uma traição…
Porque enquanto na série a personagem dele estava doente, na realidade o ator também estava internado….
Exatamente, foi horrível…
Aos 73 anos, continua a trabalhar área, mas nem todos os atores conseguem manter-se ativos. Sempre teve um ‘golpe de sorte’ durante a carreira?
Eu fiquei várias vezes parada. Parada significa entre três, quatro ou seis meses sem fazer nada. Quem come disto, é profissional e não tem mais ninguém que ajude, não é fácil por duas razões: porque faz falta o dinheiro e porque a pessoa sente que afinal não é boa. Isso é fatal como o destino. Penso que todas as pessoas pensam isto.
Eu sou profissional, tenho vivido disto, que é da televisão, cinema, teatro, dobragem… Houve uma altura na minha vida, anos seguidos, em que comi das dobragens, e comi muito bem. Agora já não comia tão bem. Fiz anos só de dobragens e corria muito bem porque fazia muitas.
Agora já não é tanto assim porque há mais pessoas a fazer esse tipo de trabalhos?
Há mais pessoas, mas também há outra vez muito trabalho.
Não sei se posso chamar ‘golpe de sorte’ porque não foi uma coisa única. Em 1974 decidi ser profissional disto e consegui manter-me no ponto de vista financeiro e de saúde mental. Quando se quer ter uma profissão destas, tem mesmo de se suportar. É como disse, há um problema prático na vida, mas há também um problema psicológico, o sentir-se rejeitado quando não se é escolhido.
Mas já não sente isso?
Este ano foi extraordinário, fiz duas peças, dois filmes e duas séries, neste momento estou bem, mas não sei o dia de amanhã.
Não há razão [para não se chamar os atores mais velhos]. Isto é uma profissão que não tem “reforma”. Quem é que vai fazer o papel de uma senhora de 80 ou 90 anos? Vão fingir? Não é normal E a vida de ator é mesmo assim, não se sabe como será o dia de amanhã…
Não se sabe… Há atores mais populares que não têm tempos mortos, mas nesta altura, quando fui fazer o ‘Golpe de Sorte’, muitos elementos do elenco já estavam a contar os meses, e grandes figuras desta novela, que são ótimos atores.
Sim, penso até que houve alguns atores que na altura da estreia até disseram que foi um ‘golpe de sorte’ na vida deles fazer esta série.
Pois, foi um ‘golpe de azar’ para aqueles que perderam essa teoria de que velhos não valem a pena. Mas não é um ‘golpe de sorte’ porque as pessoas já tinham mostrado aquilo que valiam.
Sente que a ideia de afastar as pessoas mais velhas da televisão está a começar a perder força?
Penso que com esta série do ‘Golpe de Sorte’, aí sim, as pessoas começaram a perceber. O êxito que aquilo teve tem de mostrar que tem que se recomeçar a fazer histórias normais.
Com pessoas de todas as idades…
Normais porque as histórias são histórias da vida.
Acha que agora vão continuar a chamar os atores mais velhos? Por exemplo, a novela ‘Nazaré’ também tem no elenco atores mais velho.
Não sei, depende da perspetiva e do gosto de quem está a fazer estas coisas. Se só gosta disso para meter lá os anúncios nos intervalos ou se tem um bocadinho mais de exigência, de sensibilidade e opta por outro caminho. Quantos atores espanhóis de idade é que vemos até no cinema? Não há razão [para não se chamar os atores mais velhos]. Isto é uma profissão que não tem “reforma”. Quem é que vai fazer o papel de uma senhora de 80 ou 90 anos? Vão fingir? Não é normal.
Como é que vê a ficção nacional, a televisão portuguesa, acha que evoluiu bem ou estancou?
Acho que não estancou.
Mas sente que com a chegada de plataformas como a Netflix, a televisão tem perdido força?
Não faço ideia nenhuma. Eu não tenho Netflix e também não vejo muita televisão.
E o teatro?
O teatro já não está vazio como já chegou a estar, mas a maior parte do teatro que se faz hoje em dia é teatro que está a ficar curto… Há muito mais divertimento e menos arte. Num outro dia ouvi uma personalidade que dizia: "entertainment is the byproduct of art (o entretenimento é o subproduto da arte)" - byproduct são os restos, um produto secundário. Achei que era uma definição extraordinária.
Adequa-se a Portugal?
Acho que se adequa ao mundo todo. Portugal não inventou as séries, nem as novelas… Se alguém inventou chama-se Estados Unidos. A velha Europa ainda lutou um bocado contra isso, mas agora está toda embarcada porque o problema é financeiro. São eles que mandam mesmo, no sentido de exigirem.
Já disse que teve um 2019 bom... Quais são os projetos para 2020?
Projetos a gente não tem porque não conseguimos ser produtores, a maior parte de nós tem esperança.
E o que espera de 2020?
Não espero… Há coisas que eu gostava muito, gostava de fazer mais uma peça, que houvesse um filme para colaborar…
Há algum papel que gostasse de fazer e que ainda não tenha tido a oportunidade?
Não, não há. Sobretudo quem não manda. Eu não escolho. Quando muito posso dizer que sim ou que não, se me convidarem. Mas de um modo geral, no estado em que as coisas estão, nem escolho, é olha que bom, há trabalho. E depois adoto com todo o fervor e seriamente. Às vezes sabe-me melhor, corre-me melhor. Há coisas que estou quase a rejeitar cá por dentro e depois vamos para palco e a exibição sabe bem.
Uma das grandes funções da arte é pôr as pessoas a pensar… Há sempre um pensamento racional que acompanha um pensamento emocional. Um deles vem em primeiro, mas geralmente vêm um bocado ligados… Um exemplo, o filme ‘Joker’, o último. Eu não sabia nada sobre a figura da banda desenhada do ‘Joker’, tinha ideia que era um gajo mau que fazia malandrices, mas nunca via nada. O meu filho foi ver e disse para eu ir ver também que ia gostar. Às tantas fui mesmo e vi uma coisa completamente diferente daquilo que as pessoas viram. Vi a história de um gajo que acaba por chegar àquilo que chega e que leva uma multidão enorme atrás dele, que podiam ser os coletes amarelos em França. A arte muitas vezes espoleta coisas assim e quando não espoleta fica com menos gosto.
É assim que se vê que está bem feito o trabalho, ou é um dos pontos?
A mim… Tenho pena que o público não funcione assim todo. Seria uma corrente de energia, de bem-estar porque ficamos naquilo umas horas, aliás, estou a falar disto com um grande entusiasmo. E o que é que foi? Um filme...
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