"Há um lado negro e oculto do Instagram do qual não se fala"
Paula Cordeiro quis ir aos bastidores do Instagram e perceber o que era preciso para ser bem sucedido na rede social. O que descobriu deixou-a presa a esta rede e a uma personagem que não a sua. Em entrevista ao Notícias ao Minuto, conta o porquê desta aventura, o que correu mal e quais as lições a tirar da experiência.
© D.R.
País Paula Cordeiro
Paula Cordeiro tem 45 anos e é um nome bem conhecido na área da comunicação e dos media digitais. É radialista, professora universitária, doutorada em ciências da comunicação e foi provedora do ouvinte da RTP. Em 2017, quis ser influencer. Esta terá sido a única tarefa onde, de certa forma, não conseguiu ser bem sucedida.
Com uma carreira invejável na bagagem e perto de atingir os 40, Paula Cordeiro não estava satisfeita com a sua vida. Precisava de uma mudança. E se para muitos isso seria sinónimo de uma viagem pelo mundo ou de uma mudança radical de visual, Paula Cordeiro optou por algo diferente.
Mergulhou nas redes sociais e quis ser influencer. Muitos torceram o nariz, como que duvidando de que seria capaz de ter êxito numa rede social onde ser-se jovem é meio caminho andado para o sucesso.
Farta de estereótipos, teimou em provar a todos que seria capaz. E conseguiu... mas, ao mesmo tempo, falhou. Paula tornou-se na Urbanista, chegou aos 10 mil seguidores e desistiu. Esta vida não era para ela.
'Vida Instagramável' é o relato desta experiência. A saga em busca da foto perfeita, dos likes e dos seguidores. Uma jornada que terminou quando "lhe tiraram o tapete dos pés". Paula Cordeiro conseguiu atingir a meta a que se comprometeu, mas rejeita o título de influencer. O seu fascínio pelas redes sociais, e o seu lado mais "cientista" levaram-na a querer mergulhar nos meandros desta rede social e tentar perceber como é que funciona. Em pouco tempo, viu-se enrolada nesta teia e o Instagram acabou por levar a melhor.
Em conversa com o Notícias ao Minuto, partilha os pormenores desta viagem. Assumindo que nenhuma rede social é saudável para ninguém, garante que ficou a ganhar com a experiência. No final, e quando menos esperava, a sua vida sofreu a reviravolta de que precisava. Conheça melhor esta história na entrevista que se segue.
'Vida Instagramável' nasce depois de uma tentativa falhada de ser influencer. Como é que começa esta história?
Isto começa pelo Urbanista, um projeto editorial. O Urbanista nasceu de uma vontade de fazer algo diferente do ponto de vista profissional, de uma vontade de perceber ou provar que hoje em dia é possível fazer um trabalho ao nível da criação de conteúdos e de media.
Estávamos em 2015 e este projeto acaba por nascer numa altura pessoal em que sentia uma grande necessidade de mudança a nível profissional. Essa necessidade dava-me aquela sensação horrível de que está tudo errado, a minha vida é uma porcaria, e não é nada disto que quero. Por outro lado, sentia-me muito ingrata, porque do ponto de vista pessoal a minha vida estava impecável, não tinha razões de queixa e sentia-me bem com a vida que tinha. Também a nível profissional sentia-me muito ingrata porque tinha uma carreira que estava a crescer de forma fulgurante, com cargos profissionais muito relevantes, mas que não me preenchiam porque eu sentia a necessidade de voltar às bases e de voltar produzir e não apenas a avaliar ou orientar a produção dos outros.
E é, então, que cria o Urbanista?
O Urbanista nasceu como um projeto editorial de áudio. A primeira ideia era fazer um podcast, mas por razões profissionais tive de adiar essa ideia por dois anos, da mesma forma que adiei o próprio Urbanista. Quando criei o Urbanista era provedora do ouvinte na RTP e o facto autolimitou-me na criação do podcast, porque quando achei que o mandato estava a acabar, convidaram-me para ser reconduzida no cargo e achei que era uma oportunidade que não deveria perder.
Assim, o Urbanista ficou em stand by durante dois anos e meio e durante esse tempo fui-me deparando com muito preconceito e desconhecimento em relação aos blogues e aos podcasts. Lá está, estávamos em 2015, altura em que havia um grande preconceito em relação a coisas feitas só com smartphone. Um dos meus objetivos era mostrar que com um telemóvel é possível fazer conteúdos de qualidade profissional. Outro, era provar que individualmente podemos ser não só uma empresa mas um meio, quase um órgão de comunicação social. Ou seja, um indivíduo pode assumir esse papel e criar conteúdo que vai além da ideia do blogue. Fazer um conteúdo que concorre pela atenção da audiência e que concorre – ao seu nível, claro – mas que pode competir com grandes meios. E em terceiro, provar que é possível rentabilizar um projeto desta natureza.
E o que começa a correr mal?
Foi, então, que comecei a confrontar-me com alguns preconceitos. Com algumas ideias um bocadinho retrógradas em relação a este contexto. A primeira tinha que ver com o facto de ser professora universitária, outra com a idade, porque é mais fácil promover estas coisas com miúdas novas. Portanto, já tinha uma estrela amarela ao peito, tipo os judeus, por ser professora, e agora um número na testa que dizia a minha idade. A terceira era porque eu não tinha uma audiência. Achei tudo isto muito pequenino e preconceituoso e pensei “deixa-me ver onde é que isto vai dar”. E fui andando, percebendo que havia espaço para um projeto como o Urbanista.
Entretanto, fui contactada por outras agências para que eu partilhasse conteúdos, para que me envolvesse com marcas, para que aparecesse em eventos para promover coisas que iam acontecer. Comecei a ver que havia dois pesos e duas medidas. Uns veem o mundo como ele é, com este processo de mudança e estas alterações ao nível do que a própria audiência considera um órgão de comunicação social. E temos outros que estão estagnados no tempo.
Então, comecei a tentar ver o que podia fazer com isto e percebi que há muita coisa a saber no que diz respeito a métricas. Há muito a saber em relação a estratégias. Fui lentamente descobrindo estas coisas e quando deixei de ser provedora pensei: “’Bora lá fazer algumas pessoas engolir as suas palavras, porque agora eu posso, porque não tenho esta pseudolimitação de expor-me demasiado".
Por outro lado, sou professora universitária e também estabeleci os meus limites. Não queria expor-me à frente dos meus alunos, fazer figuras à frente deles. Achei que podia haver uma ligação à própria universidade e comecei a receber estagiários da universidade no Urbanista para a produção multimédia e edição de audio. Eles ajudaram-me a perceber o potencial do projeto que tinha nas mãos, mas também a manter a noção do ridículo, ou seja, a não ultrapassar aquele limite entre o que é sofisticado e interessante e o que é brega e desesperadamente à procura de likes e seguidores. Estou grata a todos os meus alunos.
Há muito no Instagram para se saber, há muito em cada perfil para se descobrir, e há um lado negro nisto tudo e há um lado muito oculto também, do qual não se fala
Depois pensei, vou agarrar no Instagram e fazer isto a sério, até ao limite. Dizem que eu não tenho uma audiência, 'bora lá arranjar uma; dizem que eu tenho mais de 40 anos, 'bora lá provar que é possível ter sucesso nesta idade; dizem que não é possível rentabilizar porque não tenho audiência, vamos provar que é possível. E foi isso que fiz. Em 2017, agarrei-me ao Instagram e trabalhei-o não como uma forma de distribuição do conteúdo que eu produzia no Urbanista mas como a plataforma de atração para novos seguidores, leitores, ouvintes. E isto aconteceu naturalmente. As marcas e as agências começaram a falar comigo como a Urbanista e pensei: 'Isto pegou'!.
Fui experimentando várias personas , varias estratégias, andei a fazer muitas experiências com o objetivo de chegar aos 10 mil seguidores para ter o famoso swipe up e foi isso que me fez perceber que há muito no Instagram para se saber, há muito em cada perfil para se descobrir, e há um lado negro nisto tudo e um lado muito oculto também, do qual não se fala, que tem que ver com as estratégias de crescimento que se usam e que muitas vezes ultrapassam aquilo que consideramos uma relação orgânica com os nossos seguidores.
Paula Cordeiro decidiu que queria mudar de vida e ser influencer. Acabou por descobrir o lado negro desta rede social, que a tornou numa caricatura de si própria. 'Vida Instagramável' conta-lhe a história completa© D.R.
Apesar de ter tido a ajuda de uma equipa de alunos para não andar a correr atrás dos likes, acaba por assumir que ficou enredada nesta teia. Como é que isso acaba por acontecer?
Acaba por acontecer porque tenho um lado muito de cientista. Sou aquela pessoa que gosta de desmontar um objeto para perceber como é que ele funciona. E os media sociais tem uma fórmula viciante, e essa fórmula apela ao lado obsessivo do nosso cérebro, que é o lado que procura padrões em tudo. Esses padrões dão-nos estabilidade, dão-nos segurança ou apresentam-se como um desafio para nós. Quando vejo um desafio destes gosto de desmontar aquilo e perceber o que está por trás e que nos está a tornar viciados. Como é que nos deixamos manipular por esta plataforma e, sobretudo, como é que o algoritmo funciona para favorecer uns em detrimento de outros?
Embarquei nesta aventura, até que me tiraram o boneco à força e eu cai em mim e percebi que há mais na vida para além disto
Dei-me ao trabalho de fazer a análise semiótica de fotografias, para perceber o que justificava que uma foto, equivalente a outra, tivesse um maior alcance de um perfil em relação a outro. E isto tornou-se uma obsessão. A obsessão não foi tanto de “eu preciso ter likes e seguidores” mas sim no porque é que não estou a conseguir crescer mais depressa? O que há nas outras fotografias que não há nas minhas? Isto começou a consumir-me e levou àquela espiral um pouco obsessiva em que a pessoa deita-se e acorda a pensar nisto e passa a vida a pensar e a olhar para o mundo com um filtro instagramável, a pensar 'olha aquela porta ali pode dar uma boa foto', e isto é doentio.
Embarquei nesta aventura, até que me tiraram o boneco à força e eu cai em mim e percebi que há mais na vida para além disto. Percebi que não ia conseguir desconstruir este algoritmo. Ele pensa mil vezes, ou mais, depressa do que eu, e tem uma capacidade de processamento que jamais terei. Pensei para mim: 'Limita-te a corresponder às expetativas do algoritmo e usa isso para crescer. Em vez de te focares tanto no número, foca-te naquilo que é de facto a essência dos media sociais e que, neste caso, é: seres social. E quando cheguei aos 10 mil seguidores pensei: Ganhei o jogo, já está. Adeus, vou sair daqui, porque isto é doentio e não serve para mim.
Portanto, esta luta de que fala, esta obsessão, não foi tanto a nível pessoal mas mais técnico…
Sim, mais cientista do que pessoal. Houve ali alguns momentos em que eu provavelmente me esqueci que tinha objetivos em mente e que estava a fazer isto com um objetivo maior. No geral, tentava sempre recordar-me que tinha um objetivo e que queria cumpri-lo. Mas depois isto é uma roda viva. Deixamo-nos ir, temos os likes a agarrarem-nos o ego, temos as pessoas a dizerem coisas que gostamos de ouvir e, portanto, torna-se muito difícil.
Às vezes sinto que fui uma espécie de agente infiltrada, daqueles que depois já não conseguem sair daquilo, e quando terminam a sua missão ficam uns tempos sem saber quem são
Essa saga pela busca da fotografia perfeita de que estava a falar fê-la, em algum momento, sentir que não estava a aproveitar o momento e as pessoas que tinha ao seu lado? Que estava a deixar a vida passar?
Não, porque eu definia momentos para fazer as fotografias. Normalmente, quando estávamos em locais instagramáveis, estava com pessoas que tinham o mesmo objetivo do que eu. Acabávamos por ocupar uns minutos a fazer as fotografias e depois pousávamos o telefone e voltávamos à vida normal. Nunca entrei naquela espiral de estou a fotografar e nem estou a ouvir, nem tenho noção de que há outras pessoas aqui porque como estava a fazer isto numa lógica muito profissional, queria que os meus conteúdos tivessem muita qualidade e fossem produzidos com muito cuidado. Nesse sentido, exceto em eventos, só publicava coisas depois de abandonar o local. Tinha o tempo de Instagram.
A experiência tornou-a uma caricatura de si própria. É desta forma que olha para os influencers agora? Acredita que todos são uma caricatura de si próprios, ou é possível sermos nós próprios nas redes sociais e igualmente bem sucedidos?
Há de tudo. Lembro-me perfeitamente de dizer uma coisa nas aulas e terminar as frases a pensar “Estás a adotar a postura do faças o que eu digo, não faças o que eu faço”. E cada vez que isto acontecia pensava que estava tudo errado, porque isto não se faz. Sabia que isto era uma coisa temporária mas o raio da personagem colou-se a mim de tal forma que por vezes eu tinha dificuldade em [libertar-me].
Às vezes sinto que fui uma espécie de agente infiltrada, daqueles que depois já não conseguem sair daquilo, e quando terminam a sua missão ficam uns tempos sem saber quem são, ou como um ator que encarna uma personagem de tal forma que depois se questiona quem é quem. Tive momentos em que pensava ‘O que quero da minha vida? Quero mesmo ser influencer?’. Eu não queria. Para contarmos uma mentira, temos de acreditar nela, e eu tive momentos de muita confusão. Momentos em que pensava que se fizesse isto bem feito podia ganhar muito dinheiro. Tinha momentos em que já não sabia o que queria e sim, era uma caricatura de mim própria.
Mas sobre os outros não me vou pronunciar porque há de tudo. Há de tudo para todos os gostos e acho que há espaço para todos. E há público para todos e a prova é que há muitas pessoas com abordagens muito diferentes e que têm sucesso. Agora vamos definir que é sucesso: é ter muitos seguidores ou é ter uma comunidade que nos apoia e nos suporta. É ter mil seguidores e vender 100 produtos ou é ter 100 mil seguidores e vender na mesma esses 100 produtos? Qual é a nossa medida de sucesso? É as pessoas escreverem-nos a dizer “não, por favor, não saias do Instagram que eu gosto muito de ler o que escreves”, ou ter pessoa a bater palmas que não acrescentam uma linha àquilo que nós escrevemos porque também não escrevemos nada e só metemos um emoji nas fotos? O que é sucesso para nós? É um sucesso medido de uma forma qualitativa ou quantitativa? E por isso as caricaturas existem e andam por aí. Agora, cada um faz o que tem na sua consciência. Cada um tem os seus objetivos e cada um terá de definir a sua medida de sucesso e quem sou eu para criticar.
O Instagram pode ter um papel muito importante ao nível do desenvolvimento pessoal. Eu sou uma pessoa bastante tímida, uma pessoa que gosta de estar atrás do microfone, nunca à frente das câmaras, mas o Instagram baseia-se na imagem e a única forma que eu tinha de cativar as pessoas e chamar a sua atenção era através dela. Não me podia esconderEsta busca pelo amor próprio, em que diz que se sentiu confusa, significa que o falhanço que sofreu com o Urbanista, fez com que gostasse mais de si, da Paula Cordeiro?
Sim. Há uns tempos expliquei que um blog ou o próprio Instagram podem ser ferramentas de crescimento pessoal ou de desenvolvimento pessoal. E podem! Se bem utilizadas, podem contribuir muito para o nosso desenvolvimento pessoal e isto porque eu durante toda a vida fui uma pessoa, a chamada people pleaser, vivia da validação dos outros, vivia de jogar aquilo que era a minha vontade e a minha perspetiva com a dos outros, e através do Urbanista fui escrevendo tanto para os outros, e explicando tanto aos outros o que podemos fazer, que a dada altura dei por mim num processo de mudança muito grande, porque aquilo que eu andava a dizer aos outros, foi aquilo que passei a fazer para mim. E o Instagram teve aqui um papel muito importante ao nível do desenvolvimento pessoal, porque sou uma pessoa bastante tímida. Sou uma pessoa que gosta de estar atrás do microfone, nunca à frente das câmaras, mas o Instagram baseia-se na imagem e a única forma que eu tinha de cativar as pessoas e chamar a sua atenção era através dela.Não me podia esconder. Não tinha hipótese. Por mais que eu tentasse inventar fotografias nas quais não aparecesse, o que efetivamente me dava likes e seguidores era eu aparecer. E não era eu de fato de banho ou a fazer o pino, é o rosto humano que cativa muito mais a atenção das pessoas e isso fez com que eu também fizesse um trabalho interior muito grande de ser capaz de me expor com naturalidade e de ser fotografada por pessoas que não conheço e assumir isso tudo com naturalidade. Tudo isso se aprende.
Seis anos depois, quando vejo uma máquina já sei o que tenho de fazer. E eu não vejo isto como um lado mau do Instagram, porque não me tornei uma diva mas passei a saber comportar-me quando a câmara esta apontada para mim. E é engraçado, porque eu sempre tive namorados que gostavam de fotografia, e sempre fui tímida mas deixava-os fotografarem-me. E o Instagram acabou também por ser uma espécie de namorado.
Depois disto, pode dizer-se que está chateada com o Instagram ou já fizeram as pazes?
Temos dias. O Instagram é um jogo e é um jogo de azares. É um bocadinho como uma slot machine. Tem dias que tens um alcance que não entendemos para depois nos deixar durante muitos dias completamente afastados da ribalta e isso é muito difícil de entender. Por vezes, até é difícil de aceitar, e isso mexe com as nossas emoções, mexe coma nossa autoestima. Ficamos a olhar e a pensar: Sou eu? É a minha foto, foi a hora errada? O que falhou com esta foto? Tenho dias em que me apetece dar um pontapé a isto e nunca mais aparecer, tenho outros em que sou levada ao colo e aquilo resulta muito bem. Mas agora tenho uma relação bastante mais saudável, não só porque percebo como funciona, como já não tenho o objetivo quantitativo. É muito importante criar uma relação saudável no sentido em que não deixamos que o Instagram mexa com as nossas emoções.
A Paula, que é uma pessoa que se dedica a estudar e a ensinar os media digitais, e é até especialista na área, acaba por assumir que se emaranhou nesta teia. Não teme que assumir isso lhe possa tirar credibilidade?
Não, acho que não. Pelo contrário. Assumir isso publicamente permite até ter o efeito contrário. Sei do que estou a falar porque eu tive essa experiência. Quando falo em dependência sei do que estou a falar, não estou a falar em teoria porque infelizmente há muita teoria, há muitas experiências, mas há poucas pessoas que tenham vivido essa mesma experiência e sejam capazes de a analisar, que é o meu caso.
O Urbanista acabou. Do ponto de vista da sanidade mental, era importante marcar o fim. Curiosamente, neste último ano e meio, que foi o ano em que anunciei que isto ia acabar, criei de facto a maior comunidade de sempre. Passei a ser 100% eu O que definiria, então, como uma ‘Vida Instagramável’ saudável?
Não sei se há muita saúde nas redes sociais, em todas elas. O Instagram é reconhecidamente a rede social que mais facilmente prejudica o nosso bem estar psicológico e emocional Mas ainda assim, se tivermos consciência das características desta rede social, se percebermos minimamente que tudo o que aqui acontece não depende necessariamente de nós mas de um algoritmo que coloca o nosso conteúdo à frente do de outras pessoas ou não, se tivermos essa noção é mais fácil perceber que o problema não está na nossa foto e que há uma aleatoriedade muito grande em relação àquilo que é publicado.
Obviamente que se cumprirmos as regras todas, se usarmos as ferramentas todas, se estivermos cerca de quatro horas por dia na aplicação a partilhar conteúdo, a probabilidade de termos sucesso é maior do que se chegarmos lá, publicarmos, dermos uma volta pelas principais amigas e sairmos. Não é esse o objetivo do Instagram. O objetivo do Instagram é fazer com que o utilizador passe o máximo de tempo e de horas a interagir nas plataformas com outros utilizadores e com os conteúdos que lá estão porque o que acontece é que enquanto utilizadores somos categorizados e colocados em diferentes categorias. Não somos propriamente pessoas, somos uma categoria e essa categoria vai ser usada para rentabilizar a plataforma. Neste sentido, a partir do momento em que percebemos isto, olhamos para o Instagram de forma diferente e creio que de uma forma mais saudável.
Depois desta experiência, acaba por se afastar das redes sociais e há uma mudança em relação à identidade que agora assume?
Sim, o Urbanista terminou e portanto não fazia sentido que esse perfil de Instagram se chamasse Urbanista porque eu não estava a produzir conteúdo e queria de facto pôr um fim no Urbanista. Para mim, até do ponto de vista da sanidade mental, era importante marcar o fim. Este projeto acabou! Fiquei porque escrevi um livro sobre isto, o livro é sobre o Instagram e creio que não fazia sentido falar sobre isto sem ter Instagram. Ter um perfil no Instagram permite-nos manter sempre atualizados em relação ao modo de funcionamento da plataforma. Além disso, este último ano e meio, que foi o ano em que anunciei que isto ia acabar, criei de facto a maior comunidade de sempre. Passei a ser 100% eu, autêntica, espontânea, e a usar o Instagram porque me apetece e me aproxima de pessoas com quem de outra forma não teria criado uma relação.
O meu maior falhanço acabou por se transformar no meu maior sucesso
O lançamento deste livro coincide, precisamente, com uma altura em que está mais ativa nas redes sociais. Acredita que agora, e de forma totalmente desinteressada, vai atingir o tal objetivo que tinha programado para o Urbanista e que não conseguiu?
Não sei, porque não tenho esse objetivo.
Mas em termos pessoais, sente que tem sido uma experiência melhor?
Sim, sim. Não tenho propriamente uma estratégia, nem uma definição de conteúdos além da promoção do livro. Aliás, seria hipócrita não aproveitar a plataforma para falar do livro. Já me perguntaram, “e depois da promoção do livro, o que vais fazer?” Não sei. Sinto que neste momento há um conjunto de pessoas com quem interajo no Instagram que tornou isto divertido, sem ser problemático, mensurável e no fundo, sendo assim, posso ir ficando sem um objetivo concreto. As formas de utilização, as ferramentas, as formas de produção estão interiorizadas e aquilo que eu sinto é que se eu quiser fazer uma coisa amadora já não sei porque fui sempre trabalhando o Instagram numa abordagem muito profissional e aquilo que faço, mesmo que seja num registo pessoal, acaba por ter sempre um toque profissional. Porque neste processo todo eu falhei profundamente como influenciadora porque não fui capaz de ser eu, não consegui estabelecer uma relação com as marcas como tinha imaginado porque essa não é a vida que eu quero.
Mas acabou por me abrir uma porta para o trabalho com marcas numa outra perspetiva que é a da relação ao contrário: de ser eu a produzir o conteúdo das marcas. O meu maior falhanço acabou por se transformar no meu maior sucesso e neste momento faço podcasts para marcas, websites para marcas, newsletter e copywritting para marcas, e criei uma pequena empresa para gerir tudo isto. Portanto, o meu maior falhanço foi transformar-me numa empresária.
O tal começar de novo que procurava há uns anos acabou por acontecer.
Acabou por acontecer porque como eu costumo dizer: quanto mais procuras, menos encontras. Quando não procuras, aquilo que tanto queres acaba por vir ter contigo e foi o que aconteceu. As marcas vieram ter comigo. E, de repente, tinha uma empresa.
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