"Crises fazem com que jovens voltem demasiadas vezes à casa de partida"
Tiago Manuel Rego, presidente da Federação Nacional das Associações Juvenis (FNAJ), é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
© Federação Nacional das Associações Juvenis (FNAJ)
País Tiago Manuel Rego
Como um dos líderes de uma geração que já conta três crises, Tiago Manuel Rego, presidente da Federação Nacional das Associações Juvenis (FNAJ), reconhece que o "sonho da emancipação" é cada vez mais difícil de alcançar, com os jovens a darem "constantemente" um passo atrás "quando o ideal é que haja um caminho de evolução" nas suas vidas.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, faz sobressair que esta pandemia alertou para a questão da saúde mental dos jovens, também pelo facto de as rotinas se terem alterado de forma abrupta. Contudo, no início, "muitos deles pegaram no pouco tempo que tinham e colocaram-se ao serviço das comunidades", destaca.
Sem a "menor dúvida" de que a juventude se está a comportar bem neste momento mais difícil que todos atravessamos, o presidente da FNAJ traça ainda um perfil dos jovens de hoje e fala dos caminhos do futuro: "Esta geração já deixou bem claro que é de causas e pouco de ideologias".
Como é que a pandemia tem afetado os jovens numa dimensão profissional?
Diria que a pandemia tem tido, realmente, um impacto transversal a toda a sociedade, mas tem tido uma expressão significativa naquilo que é a população jovem. Na população que – e aqui fragmentava em três partes esta faixa – está em idade escolar, aquela que está à procura do primeiro emprego e aquela que está empregada. A que está na comunidade escolar teve aqui um desafio enorme: a adaptação àquilo que é um ensino à distância, aquilo que numa fase inicial foi o acesso à tecnologia e, agora, o rendimento que este ensino tem naquilo que é o seu aproveitamento escolar. De facto, tem-se visto - e já foi assumido também até pelos titulares da pasta - que é necessário aqui um esforço para recuperar aquilo que possa ter sido conhecimento que não ficou bem apreendido nos jovens. Desde logo, a pandemia teve um impacto naquilo que é a capacitação e a formação dos nossos jovens.
Depois, para aqueles que estão numa fase de procura de primeiro emprego, foi catastrófica. Não foi de todo a melhor altura – as crises não são a melhor altura para procurar emprego -, e esta, infelizmente, é mais uma das que a minha geração atravessa. Aqueles que estavam à procura do primeiro emprego viram aqui praticamente impossibilitado esse sonho da emancipação, porque as ofertas de emprego não eram muitas, a taxa de desemprego jovem aumentou – temos uma taxa de desemprego jovem três vezes superior à media nacional, o que nos deve preocupar a todos. E a população empregada viu alguns postos de trabalho ameaçados e, infelizmente, as crises já nos têm demonstrado que são sempre mais penosas para os jovens, que estes estão sempre mais vulneráveis.
Digo frequentemente que fazem com que a minha geração e com que os jovens da minha geração voltem demasiadas vezes à casa de partida. Isto é, nós estamos constantemente a dar um passo atrás quando o ideal é que haja sempre um caminho de evolução, de emancipação, de autodeterminação daquilo que é uma geração que se está a formar e que depois também contribuirá ativamente para a construção do futuro do país.
E numa dimensão mais pessoal?
Também tivemos aqui a questão da saúde mental. A FNAJ fez uma parceria com a Ordem dos Psicólogos e foram-nos relatados vários casos de bastante frustração, medo, angústia face àquilo que era o futuro. E tudo isso provocou nos jovens uma ansiedade generalizada, face a uma imprevisibilidade, mas também a uma perda de liberdade que nesta fase da vida é tão valorizada. Os jovens gostam de estar entre jovens, gostam de socializar entre pares. E viram essa socialização, pelo menos fisicamente, completamente erradicada. Claro que a população jovem compreendeu, mas isso teve consequências e terá consequências futuras.
Diria que a relação entre pares ficou diminuída e que as relações familiares ficaram também com algumas dificuldades. As nossas associações juvenis tentaram, de certa forma, prestar auxílio a famílias, por exemplo, com pais em casa, dotando-os de ferramentas para que a criatividade nunca lhes faltasse e a jovens famílias com filhos pequeninos, uma vez que era necessário ter aqui bastante atividade e dinâmica para que não houvesse um mal-estar geral. Foi dado esse acompanhamento às famílias, mas sublinharia o desafio para os jovens que estavam a estudar em casa. Mais uma vez, estas organizações procuraram dar algum apoio, mas acreditamos que temos uma situação precária neste aspeto. A frustração atinge já níveis bastante elevados precisamente pela impossibilidade de concretizarem aquilo que são as vivências que são naturais a uma população mais jovem. Socializar, ir a festivais de verão, ir à praia com os amigos, ir ao cinema, ir à discoteca...
Muitos dos jovens, apesar de terem visto as suas rotinas completamente alteradas, pegaram no pouco tempo que tinham e colocaram-se ao serviço das comunidades
Não houve concertos ou festivais, os cafés estiveram fechados, os ajuntamentos foram proibidos, os encontros diminuídos ao mínimo, as escolas fechadas. Como viveram os mais jovens estas realidades ‘adquiridas’ que desapareceram quase de um dia para o outro?
De um dia para o outro tudo mudou e, de facto, todos nós fomos sujeitos a essa mudança. É claro que a população jovem tem aqui uma característica que é fundamental: é que a socialização dos jovens, como estava a dizer, ocorre essencialmente na rua, em espaços públicos. E quando esses espaços públicos foram diminuídos - ou quando a circulação nesses espaços públicos foi diminuída - isso implicou imediatamente que a tal socialização ficasse ameaçada.
Durante a pandemia nós vimos também, por vezes, alguma tentativa de nos irmos culpando uns aos outros enquanto sociedade. Ora eram os mais idosos que eram uns rebeldes porque não iam para casa quando lhes diziam… Mais tarde passa a ser a população jovem que fazia pequenos grupos… E da parte rotulávamos o todo. Temos mais de um milhão e meio de jovens em Portugal e, realmente, existiam situações menos corretas... mas não podemos rotular a população jovem. E andámos assim, de faixa etária em faixa etária, a ir percebendo quem eram os mais culpados. O único vilão desta história é o vírus e todos nós somos heróis: desde os profissionais de Saúde, os elementos de segurança que estão na linha da frente, até àqueles que ficam em casa ou que saem mas com todas as normas de segurança. E tentamos passar essa mensagem.
Muitos dos jovens, apesar de terem visto as suas rotinas completamente alteradas, pegaram no pouco tempo que tinham - ou até na hipótese inicial de serem os menos afetados pela pandemia -, e colocaram-se ao serviço das comunidades. Diria que não foi toda a população jovem, mas foi uma grande parte. Houve uma retirada abrupta das suas rotinas, mas depois também houve uma reação imediata. É uma geração marcadamente solidária, que procura abraçar causas coletivas. E esta era mais uma.
Mas há um prolongar...
Durante o primeiro confinamento tivemos esta reação enérgica de toda a sociedade e, no segundo confinamento, já não se verificou com tanta expressão. Acho que no primeiro a novidade ajudou, no segundo já todos sabíamos para o que íamos. E já deixámos de ver as videochamadas, já deixámos de ver os TikTok’s a aparecer.
Começou a haver um cansaço.
Era aí que ia chegar. O cansaço é físico mas, sobretudo, mental. E aqui vemos uma população bastante cansada e até com alguma frustração e alguns comportamentos mais intempestivos. É próprio de uma população a quem lhe pedem tudo e mais alguma coisa. Os jovens são, sem dúvida, parte da solução, mas não são imunes ao que é o extremo cansaço.
E se antes falávamos em bullying, agora falamos em cyberbulling. Este fenómeno começou também um bocadinho a aumentar, devido aos jovens estarem no espaço digital… e isso são consequências. Ou seja, há o cansaço, mas depois ainda vemos aqui alguns comportamentos um bocadinho extremistas derivados do cansaço e que, apesar de serem naturais, de todo são saudáveis.
Esta geração já deixou bem claro que é de causas e pouco de ideologias. Há muito tempo que trocou as ideologias pelas causasConsidera que a juventude portuguesa foi e está a ser ‘bem comportada’ nesta pandemia?
Não tenho a menor dúvida disso. Nós vimos muitos casos isolados, vimos grupos de jovens a terem comportamentos menos seguros, mas dou um exemplo claro: a Federação Nacional de Associações Juvenis, em agosto do ano passado, lançou uma campanha que era ‘Desconfinar Jovem – A Tua Causa’, no fundo procurando consciencializar os jovens. Tivemos brigadas em todo o país de jovens a consciencializar outros jovens. As brigadas não poderiam ser muito grandes senão estaríamos nós a dar um mau exemplo. Mas este foi um exemplo claro de que, não só durante o confinamento, a juventude procurou ser parte da solução ajudando a população mais vulnerável.
Para além disso, diria que esta geração tem procurado envolver-se naquilo que é a construção do país. Por vezes, há quem diga: ‘Bom, mas às vezes votam menos’ ou ‘Envolvem-se menos nos partidos políticos’. Acho que esta geração já deixou bem claro que é de causas e pouco de ideologias. Há muito tempo que trocou as ideologias pelas causas. Abraçou a causa ambiental e forçou os partidos políticos a ter agendas para o ambiente…
Para a Cultura…
Exatamente. Ou seja, a aposta naquilo que é uma formação cultural dos jovens e o acesso à Cultura forçou também os próprios partidos políticos a terem agendas culturais mais fortes. E vamos desde os municípios até ao próprio Estado central. Temos visto imensos progressos na causa animal, na igualdade, nos Direitos Humanos. Neste processo, quando procuramos ver se os jovens se comportaram bem na pandemia… não tenho dúvidas disso. E, ainda que à distância, mesmo por meio digital, têm tentado ser uma voz ativa e reativa quando as coisas correm bem, mas também quando correm mal.
Há um certo desleixo, não digo que não. E esse desleixo tem um bocadinho que ver com a ânsia de estarmos com os nossos amigos
As faixas etárias mais novas são as menos pacientes quanto às regras impostas ou as que mais bem compreendem a sua necessidade face ao resto da população?
A minha geração partiu para esta pandemia com uma vantagem óbvia que foi a de ser uma geração nativa digital. Aí, nós conseguimos, de certa forma, moldar-nos mais facilmente a esta privação da liberdade, porque os jovens já estavam nesse espaço. E isso é notório, pois a nossa população comunica, faz as suas intervenções, faz redes de amigos através das redes sociais. Claro que, ainda assim, há toda uma rebeldia, uma irreverência associada aos jovens que querem viver a vida intensamente. E se, numa primeira fase, nós tínhamos um prazo curto para esta pandemia, com o alargar do tempo é natural que algumas situações de maior prevaricação possam acontecer. Mas as novas gerações também têm a capacidade de se moldarem mais facilmente às realidades.
Enquanto as gerações mais antigas estão adaptadas a uma certa rotina, nós estamos aqui para nos moldar, para nos adaptar ao mundo, para nos incluirmos naquilo que é a sociedade que está constituída. Assim, de certa forma, conseguimos absorver este impacto com maior facilidade numa fase inicial do que outras gerações mas, depois, a duração da pandemia e das privações colocaram aqui uma barreira. Queremos que tudo aconteça para ontem e há muitos sonhos adiados.
Temos de estar todos no mesmo barco e aquilo que se impõe para os jovens impõe-se também para outras faixas da população. Serei tão exigente com os jovens como serei com as outras camadas
Mal abriram as esplanadas estas ‘encheram-se’ de jovens, muitos deles que, depois de tomarem um café, se mantinham sem máscara. Não é falta de informação. É falta de responsabilidade?
Diria que há um certo desleixo, não digo que não. E esse desleixo tem um bocadinho que ver com a ânsia de estarmos com os nossos amigos. Nós temos de fazer esta autocrítica enquanto sociedade: passamos imenso tempo a criticar os jovens porque só comunicavam com o meio digital. Era uma vasta população e estava, de certa forma, muito nas redes digitais... diríamos nós que até poderia haver uma ameaça com a socialização dos jovens. Ora, nós viemos demonstrar que sim, estamos no meio digital, mas que a socialização cara a cara, presencial, é fundamental no nosso desenvolvimento e crescimento. E é claro que, quando quando vemos os nossos amigos… Temos de ver que as escolas estiveram fechadas muito tempo. Enquanto alguns adultos podiam ir trabalhar, face a um emprego que assim o exigisse, e tinham aí uma rotina, nós temos jovens há muitos meses em casa. Há demasiados meses em casa. Adolescentes cuja relação que existe para desabafar, para os seus anseios, para os seus medos ou até para a felicidade que sentem é partilhada pelos pares. Isso levou quase a que o confinamento dos jovens, em algumas situações, fosse no quarto. Já nem era na casa, sequer. E chegada esta altura de liberdade, de maior espaço de podermos exercê-la, trouxe um ou outro excesso. Mas, mais uma vez, também o digo: claro que não é falta de informação, é o cansaço, algum desleixo... mas, acima de tudo, os jovens têm mostrado uma forte consciência perante esta pandemia e casos são casos.
Apontaria também muito facilmente em adultos, pessoas mais velhas, casos semelhantes. Não embarco na onda de que são só os jovens. Acho é que a população toda tem de ter consciência de que isto só se ultrapassa em conjunto e não de forma fragmentada. Não é: 'ora agora os jovens portam-se bem, amanhã são os adultos a portarem-se mal e depois são os idosos a portarem-se assim-assim'. Temos de estar todos no mesmo barco e aquilo que se impõe para os jovens impõe-se também para outras faixas da população. Serei tão exigente com os jovens como serei com as outras camadas.
Nesta fase, o que mais precisamos? Que os jovens sejam, digamos assim, agentes de consciencialização de outros jovens. A comunicação jovem passa muito por palavra entre os pares
Que papel têm as associações juvenis num apoio aos jovens nestas fases primeiro de pandemia e agora de desconfinamento?
Numa primeira fase, foi logo auxiliar naquilo que foi o estudo em casa e prestar algum apoio para o estudo por videochamada, mas diria até um exemplo tão simples quanto este: nós, no início, vimos situações um bocadinho complicadas no acesso à tecnologia e, por vezes, a impressão de uma fotocópia, de uma ficha de trabalho, por exemplo para alunos do primeiro ciclo tornava-se num pesadelo. Estas associações tinham circuitos onde, através das suas sedes sociais, tinham impressoras, tinham capacidade de conseguir fazer isso e tinham um circuito – cumprindo as normas de segurança – que permitia a esses jovens receberem as fichas impressas em casa. Mas também na questão do ser ativo em casa. Tínhamos associações de carácter desportivo todos os dias com aulas online e outras de carácter recreativo e de apoio que estavam constantemente a dar jogos, para que não só a parte física fosse ativada perante o confinamento, mas também que a parte cognitiva nunca se perdesse. Por último, aquilo que nós vimos muitas vezes com jovens a levar mercearias, material de farmácia ao mais idosos… eram muitas associações juvenis. Nós não as identificávamos à priori, mas aqueles jovens estavam inseridos em associações. E isto para dizer que foi fundamental muitas associações, em conjunto com as respostas que estavam a ser dadas pelas forças de segurança e de forma articulada e segura, prestassem uma ação voluntária e abnegada, mais uma vez sendo parte da solução.
E nesta fase, o que mais precisamos? Que os jovens sejam, digamos assim, agentes de consciencialização de outros jovens. A comunicação jovem passa muito por palavra entre os pares e é fundamental que tenhamos sempre aqui jovens consciencializados – e é isso que as associações fazem. Têm, nomeadamente, os dirigentes associativos, os seus líderes que, à partida, assumem mais responsabilidade e que, depois, têm também um papel de promover boas práticas de desconfinamento em segurança, boas práticas de segurança em conjunto com outros jovens da sua associação e da comunidade onde estão inseridos. Claro que agora o desafio maior coloca-se na retoma associativa, porque há aqui um anseio muito grande. As associações culturais querem voltar aos palcos, querem ter dança, querem ter música; as desportivas estão ansiosas para terem campeonatos, para terem jovens a treinar. E as associações de causa ambiental há muito tempo que não fazem até plantações, não fazem limpezas de praia, não fazem consciencializações. Há aqui uma vontade enorme de ver o movimento novamente a dar resposta àquilo que são os interesses, as necessidades que os jovens têm, ou seja, a dar-lhes espaço para eles construírem as suas causas, desenvolverem os seus projetos. E isso será o desafio seguinte. Estas associações vão ter também um papel fundamental naquilo que será o voltar destes jovens a uma atividade, a mobilizar os jovens que estão dispersos porque perderam o vínculo a muitas associações. As equipas de voluntários estão, agora, um pouco quebradas. É preciso voltar a mobilizar esta rede de mais de mil associações juvenis e que envolvem mais de 500 mil jovens outra vez. Esta retoma da juventude à sua atividade social, à sua atividade comunitária, será também um papel destas associações nesta fase que ainda está a acontecer de uma forma lenta e gradual face àquilo que os jovens queriam. E a sociedade toda também.
Acho que o maior desafio que temos neste momento é uma geração que não se consegue autodeterminar, não se consegue emancipar
Esta não é a primeira crise pela qual os jovens passam mas tem contornos diferentes das anteriores. Que dificuldades diferentes para o futuro trouxe ou poderá trazer esta que agora atravessamos?
Diria logo que esta crise veio colocar na ordem do dia uma questão fundamental que é a saúde mental e a saúde pública. De facto, esta é uma preocupação que não veio só de uma forma momentânea… vai-nos acompanhar. A saúde mental porque tem impactos a longo prazo e a saúde pública porque diria que nós cada vez mais temos de perceber que o espaço público também tem de ser preservado com regras em que todos nós somos agentes. Dizem os especialistas que estas pandemias poderão vir com maior frequência mas, paralelamente a esta dimensão da saúde, há aqui uma dimensão para jovens que já vêm de outras crises – já vivi três. Desde a crise das dívidas soberanas, mais tarde a chegada da troika e, a seguir, tivemos vários episódios como recessões que nos foram colocando em situações de maior vulnerabilidade.
Acho que o maior desafio que temos neste momento é uma geração que não se consegue autodeterminar, não se consegue emancipar. Falamos constantemente que a idade de os jovens saírem da casa dos pais aumenta. E falamos disso com alguma naturalidade… mas penso que isso não tem nada de natural. Pelo contrário, isso é um problema que esconde problemas maiores que são o acesso ao emprego, à habitação, a dificuldade em constituir família. E, portanto, é aqui que diria que esta geração bate com maior fervor face àquilo que é um direito que a Constituição portuguesa garante, que é o direito à emancipação condigna. E isso, neste momento, não está a acontecer. Nós temos medidas para toda a população e os jovens aqui não querem ser beneficiados, mas entendem que devem ter medidas próprias e objetivas que os ajudem neste processo. De outra forma não conseguiremos assegurar um futuro digno a esta geração. Para além disso, o desafio que teremos pela frente será aquilo que é o impacto da tecnologia no mercado de trabalho. Naquilo que é a socialização.
Teletrabalho? O direito a desligar é o maior desafio e tem de ser regulamentado para o bem daquilo que é a conjugação da vida familiar de um jovem pós-trabalho
A minha próxima pergunta ia exatamente nesse sentido. Como irão os jovens adaptar-se às mudanças que a pandemia poderá trazer – o teletrabalho, por exemplo?
A questão do teletrabalho trouxe o desafio do ficar desligado. Acho que este é o maior desafio que hoje temos. Não podemos exigir a uma geração que, porventura, é a mais bem preparada para o mercado digital que, depois, esteja permanentemente a fazer coisas e a responder a tarefas cujos horários já terminaram há muito mas que, neste anseio da produtividade e de sermos melhores profissionais, às vezes caímos na tentação de não desligar. E isso tem consequências. À priori podemos dizer que aumenta a produtividade, mas o que será desta geração se estiver constantemente ligada? Onde é que fica o lazer? Onde é que fica a família? Onde é que ficam muitas das experiências que temos de viver enquanto cidadãos para nos irmos desenvolvendo de forma cognitiva e estrutural?
Mais tarde ainda teremos o episódio mais duro pela frente que será a robotização, mas ficando-nos ainda pela realidade do presente que é o teletrabalho, aí, o direito a desligar é o maior desafio e tem de ser regulamentado para o bem daquilo que é a conjugação da vida familiar de um jovem pós-trabalho. Caso contrário, teremos um caso muito idêntico ao que aconteceu há uns anos com os estágios profissionais, em que quase jovens se sujeitavam a fazê-los em situações totalmente precárias e andavam de estágio em estágio porque não era regulado aquilo que era um trabalho digno. Mais uma vez, no teletrabalho, são positivos os sistemas mistos e em muitas profissões talvez o teletrabalho seja uma via muito certeira e vantajosa, mas é preciso ter aqui cautela e regular aquilo que são os direitos também de quem o faz, sob pena de termos situações de abuso e até de alguma desvantagem nomeadamente para os jovens que querem demonstrar as suas capacidades.
Fazer sempre mais.
Exatamente. E depois acabam por não ter essa perceção de desligar.
O que pode a juventude fazer para lutar por si e pelos seus direitos atualmente?
Acima de tudo, a participação é a chave. Precisamos, cada vez mais, de participar ativamente na sociedade. É certo que os jovens fazem-no nestas associações juvenis, fazem-no quando se entregam e enveredam por movimentos cívicos, quando estão em manifestações que entendem que devem ser defendidas e usam o espaço digital para essa mobilização de pessoas que pensam da mesma forma que eles. Mas tudo isso tem de se traduzir numa coisa que é mais importante que é em jovens com espaço ou com influência nos agentes políticos. Das duas uma: ou nós estamos lá, com lugares e garantimos que a nossa voz está dentro dos sistemas de decisão – falo do Parlamento, das Câmaras Municipais, das Juntas de Freguesia –, ou vamos nós ocupar também parte desses cargos, ou temos de ter uma garantia de que a nossa voz é ouvida. De que tem influência na construção deste país. E que um país que é construído dia a dia seja, de uma vez por todas, construído com uma visão de futuro. Não podemos constantemente estar a gerir um país dia a dia.
Precisamos de construir uma agenda para o futuro e nós, jovens, só esperamos que este Plano de Resiliência resulte numa alavanca daquilo que é a nossa geração. Que nos garanta esse dito futuro e que isto não seja uma oportunidade perdida de, mais uma vez, vermos aqui os problemas de sempre a permanecerem, os novos a chegarem, que nada seja feito e que a nossa geração fique embrulhada numa crise. E que sejamos mais uma vez os sacrificados. Somos rotulados como a melhor geração e a mais capacitada, a mais voluntária, a mais altruísta… são rótulos muito bem vindos, mas que isso se traduza num futuro para nós. Somos uma geração inclusiva? Somos. Somos uma geração plural? Somos. Menos conservadora? Não tenho dúvidas disso. Mas a sociedade tem de olhar para nós como parte dela. E como parte dela exigimos também ter acesso a determinadas ferramentas fundamentais. Para conseguirmos um futuro, a nossa participação é fundamental: passa pelo voto, pela nossa participação em movimentos cívicos ou políticos e não podemos pensar que a política é só para alguns ou que, às vezes, está demasiado contaminada com maus exemplos. Se nós queremos ver a mudança, então temos de a provocar e não esperar que ela aconteça por milagre ou um ato espontâneo. É nesta medida que digo: sim, os jovens participam e agora têm também de reivindicar lugares e ferramentas claras. Não queremos ser a geração com mais sonhos para o mundo mas sem oportunidade para os concretizar. Isso é a maior machadada que se pode dar a uma geração: chegarmos aos 50 anos e percebermos que tínhamos tantos sonhos e nem um terço foi concretizado porque o mundo não o permitiu que assim o fosse.
Temos de dar munições aos jovens. O sistema partidário que temos é um sistema que garante a Democracia mas, muitas das vezes, a complexidade que muitos fazem crer que ele tem faz com que seja um obstáculo à participação dos jovens
Terem então mais intervenção política.
Há pouco falei da retoma do associativismo e aqui numa nota mais reivindicativa... Nós vemos tantas vezes – e bem – apoios para muitas áreas… Claro que a participação jovem também tem de ter apoio para o que possa ser a sua retoma. Vimos acontecer para o desporto e a participação destas organizações, esta retoma da atividade, também deve ter aqui um estímulo que pode passar por um plano de motivação aos dirigentes, voluntários e jovens, mas também traduzir-se em alguns apoios. Sabemos que isso está a ser tratado com a tutela e é importante que aconteça pois, de facto, podemos ter a dita participação jovem comprometida e, isso sim, pode ser penoso. Pois algo que se construiu até então, que eram jovens com o exercício de uma cidadania ativa, pode desmoronar exatamente por causa disso.
Falamos sempre desta questão de a nossa geração ser muito marcada pela questão das causas e não das ideologias… nós temos feito vários apelos, também junto da Presidência da República, de que tem de haver uma aposta na literacia política. Temos de dar munições aos jovens. O sistema partidário que temos é um sistema que garante a Democracia mas, muitas das vezes, a complexidade que muitos fazem crer que ele tem faz com que seja um obstáculo à participação dos jovens. Esta aposta na literacia política nas escolas seria fundamental. Mas os partidos também têm de chegar aos jovens. Tem de ser uma comunicação de ambas as partes. E isso já está a acontecer – estamos todos a reparar que as causas dão votos e há partidos a crescer em cima de causas. Há partidos notoriamente só de uma causa: a ambiental, a animal, a liberal. E ou os partidos tradicionais começam também a responder a estas causas que os jovens têm reivindicado – e que se têm alargado no resto da sociedade –, ou teremos aqui uma fragmentação do sistema político.
Fui dos primeiros casos com Covid-19 na minha região e foi um pesadelo. Em março de 2020 a informação era extremamente escassa, as notícias que vinham eram tenebrosas. Ter o meu agregado familiar contaminado e não saber qual era a fonte foi assustador numa fase inicial
Como é que o Tiago, enquanto líder de uma Federação Nacional de Jovens, viveu a pandemia? Qual a primeira coisa que gostaria de fazer quando tudo estiver (mais) normalizado?
Não tenho só uma coisa. Acho que todos nós passámos a valorizar muito mais os pequenos gestos que tínhamos no nosso dia a dia. E desde estar numa festa com amigos e depois poder sair para uma discoteca e no dia a seguir ver o nascer do sol… é certo que alguns dirão que isso é demasiado ousado. Mas sou jovem, quero viver as coisas de uma forma intensa e este é o momento para o fazer. E era isso que gostava de fazer: uma festa, juntar os meus amigos todos. Nós já há um ano e alguns meses que não temos estes convívios.
E espero francamente que venham aí os loucos anos 20 deste novo século
Fui dos primeiros casos com Covid-19 na minha região e foi um pesadelo. Em março de 2020 a informação era extremamente escassa, as notícias que vinham eram tenebrosas. Ter o meu agregado familiar contaminado e não saber qual era a fonte foi assustador numa fase inicial. Sem dúvida nenhuma que vivi com bastante angústia no início, pois se achamos que a doença pode ser demasiado benévola… nem sempre é assim. Temos casos em que é bastante madrasta e havia sempre o anseio sobre como iríamos estar no dia seguinte. Comecei a pandemia de uma forma muito penosa mas, agora, tenho uma motivação enorme porque, superado este grande obstáculo, penso que estarei – assim como muitos jovens – mais bem preparado e a ver o mundo de uma forma diferente.
E espero francamente que venham aí os loucos anos 20 deste novo século e que, de certa forma, aquilo que se verificou há cem anos, uma expressão artística, empreendedora e de liberdade muito grande que também aconteça agora. A sociedade precisa seriamente disso: de uma motivação, de voltar a viver de forma intensa ou acabaríamos por ficar todos resignados a uma existência quase anti-humana.
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