"É uma vergonha para a Justiça o tempo dos tribunais administrativos"
A entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto é a juíza Paula Cardoso, vice-presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
© Juíza Paula Cardoso
País Paula Cardoso
Num ano especialmente importante para a Justiça, marcado por grandes processos, como é o caso da Operação Marquês e em que se discute a reforma da Justiça, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e a fusão do Tribunal Central de Instrução Criminal com o Tribunal de Instrução de Lisboa, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com a vice-presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Paula Cardoso.
Em representação da ASJP, a juíza da Relação de Lisboa, natural do Porto e que sonhava ser advogada para ajudar "os mais fracos", defendeu o reforço dos meios dos órgãos de investigação e mais juízes no 'Ticão', para que os nomes de Ivo Rosa e Carlos Alexandre deixem de ser tão mediáticos.
Paula Cardoso admite que há outros "problemas sérios" na Justiça, para os quais o "Estado Democrático deve procurar soluções". Contudo, para a magistrada, "não está tudo mal", nem é preciso "alterar tudo", como já garantiu, várias vezes, o líder do PSD, Rui Rio.
Durante a mesma conversa houve ainda tempo para falar do seu percurso profissional, da discriminação das mulheres no setor judiciário e das consequências que a pandemia trouxe para a Justiça.
Quando decidiu que queria ser juíza? Foi o concretizar de um sonho de menina?
Não era de todo um sonho de miúda. Sempre quis tirar o curso de Direito, isso sim era uma opção. Estudei na Universidade Católica, no Porto, de onde sou natural. Entrei em 1988 e, na altura, o que tinha pensado mesmo era seguir advocacia. Era a minha preferência. Daqueles sonhos de juventude, de querer defender os mais fracos, lutar por uma causa. Aos poucos as coisas foram mudando e a opção da magistratura começou a chegar. No final do curso, já em 1993, decidi candidatar-me ao centro de estudos judiciários. Fui fazer os exames a Lisboa e entrei, em 1994, para a magistratura. Fiz um primeiro ano em Lisboa, de formação teórica, e depois fui colocada no Tribunal de Viseu onde fiz a minha formação como auditora de Justiça.
Mais tarde, em 1996, fui colocada no Tribunal da Guarda, já como juíza estagiária a fazer julgamentos, ainda que sempre com a ajuda de um formador. Posteriormente, fui concorrendo para diversos tribunais no país até conseguir chegar ao local onde vivia. Andei um bocadinho por todo o território nacional. Hoje olho para trás e acho que foi a opção certa. Gosto muito de ser juíza e acho que este percurso de vida, ao longo dos vários tribunais do país, foi também uma lição de vida e é algo muito importante para a formação de um magistrado.
Foi fácil tornar-se juíza sendo mulher? Ou o setor judicial ainda é marcadamente machista?
As mulheres, na sociedade em geral, tiveram pela frente um caminho duro na luta pela igualdade. Foi um caminho que todas nós tivemos de fazer um pouco e que ainda se faz um bocadinho todos os dias. Foram séculos de discriminação e isso não é fácil de apagar. Agora, acho que, no seio da magistratura, as coisas estão amenizadas. É evidente que houve uma discriminação direta em função do género até 1974. Até essa altura, as mulheres não tinham, pura e simplesmente, acesso à magistratura. Só a partir de 1974 é que isso começou a ser possível. Quando cheguei, em 1994, já tinham passado 20 anos, já muito caminho tinha sido desbravado. Já muito tinha sido feito para tornar mais fácil a vida de uma mulher na magistratura. Mas nessa altura ainda era muito difícil. Vi colegas com filhos e era muito difícil conjugar a profissão, por exemplo, se faltavam para dar assistência aos filhos, em casos de licenças de maternidade não havia bolsas de juízes, ou seja, quando saiam os processos ficavam no gabinete e quando chegavam eles lá estavam. Não havia ninguém para substituir licenças de maternidade. Portanto, quando chegavam, além de se ter um recém-nascido em casa para cuidar, tinha-se, não raras vezes estando longe de casa, muitos processos para fechar.
Agora, as coisas estão claramente diferentes. Hoje já temos bolsas de juízes, há um tratamento idêntico entre homens e mulheres, a progressão da carreira é feita com critérios objetivos. Hoje olhamos para o panorama da Justiça e vemos até mulheres em lugares cimeiros. Temos uma senhora conselheira presidente do Supremo Tribunal Administrativo, duas senhoras desembargadoras presidentes dos Tribunais de Relação de Lisboa e de Guimarães, já tivemos duas magistradas presidentes da Associação Sindical dos Juízes Portugueses. As mulheres estão hoje, claramente, em maioria. O percurso está a ser feito.
Na magistratura este tipo de discriminação não se nota tanto como, certamente, se notará noutras profissões e noutros setores. Agora, claro que haverá sempre problemas. As mulheres, por norma, assumem sempre o papel de cuidadoras, não só de mães, como de cuidadoras e isso faz com que tenham sempre menos tempo para dedicar à profissão. Esta é uma profissão muito exigente, que exige uma formação contínua. É sempre mais complicado mas, ainda assim, em termos de afirmação, de uma mulher na magistratura, sem dúvida que as coisas estão muito diferentes.
A posição que defendemos, desde há algum tempo, é que o ‘Ticão’ não deveria acabar. Por tudo, pelo simbolismo que ele representa, pelas estrutura especializada, experiente, a ligação que tem com as entidades de investigação, com a polícia, com o DCIAP. Seria, no fundo, um desperdiçar de todo um ‘know how'
Como decidiu integrar a associação sindical dos juízes portugueses (ASJP)?
Descontando os primeiros anos, em que dificilmente tirava a cabeça dos processos, porque eram muitos [risos], fui comparecendo aos congressos organizados pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses e acabei por sempre acompanhar os assuntos associativos. Entre 2009 e 2012 fui vogal na Direção Regional Norte, sob a presidência do juiz António Martins e na altura conheci o Manuel Soares. A partir daí, senti-me sempre ligada à associação e à causa associativa.
Estes últimos anos, já sob a presidência do Manuel Soares, integrei os corpos associativos, estive no Conselho Geral e agora acabei por aceitar este desafio, o convite do Manuel Soares para integrar este projeto como vice-presidente da associação. Este é um trabalho muito envolvente, de muita dedicação. Procuramos sempre fazer o melhor, o melhor por todos os juízes associados, apesar de nem sempre ser possível. A pressão interna, às vezes, é grande, mas o objetivo é tentar fazer sempre o melhor pelos juízes e pela Justiça.
Tem estado em cima da mesa alterações no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), que tem como juízes Carlos Alexandre e Ivo Rosa. Fala-se de uma possível extinção, fusão ou aumento do quadro de juízes. Qual é a posição da ASJP quanto ao chamado ‘Ticão’?
A posição que defendemos, desde há algum tempo, é que o ‘Ticão’ não deveria acabar. Por tudo, pelo simbolismo que ele representa, pelas estrutura especializada, experiente, a ligação que tem com as entidades de investigação, com a polícia, com o DCIAP. Seria, no fundo, um desperdiçar de todo um ‘know how’ que este tribunal foi adquirindo ao longo dos anos.
Se existirem processos suficientes, entendemos que se deve manter o ‘Ticão’, aumentando o número de quadros juízes para que não haja esta questão da personalização de se estar sempre a falar, na comunicação social, dos mesmos magistrados. Se houvesse um aumento de quadro, os processos passariam por mais juízes e isto acabava por se diluir.
Se isto não for possível, por falta de processos suficientes, equacionamos então a hipótese da fusão do ‘Ticão’ com o Tribunal de Instrução de Lisboa, ou seja, os dois juízes que estão no ‘Ticão’ mais os quadros do Tribunal de Instrução de Lisboa, ou seja, cerca de nove juízes. Segundo li, a proposta do Governo será o contrário. Será a integração do Tribunal de Instrução no ‘Ticão’. A nós parece-nos que também será uma boa opção.
Acho é que, independentemente de tudo, a posição tomada deve sempre ser pensada tendo em conta não as pessoas que, neste momento, ocupam os cargos, mas no que é bom para a Justiça.
Repare no processo Marquês que tanto se fala. São milhares e milhares e milhares e milhares de documentos que têm de ser analisados por um só juiz. Não há milagres
E já que falamos em reformas, que aspetos, segundo a ASJP, deviam ser tidos em conta numa reforma da Justiça?
É uma eterna questão. Está-se sempre a falar da reforma da Justiça, que é necessário reformar a Justiça. Constantemente, ouvimos o Dr. Rui Rio a dizer que está tudo mal, que é preciso alterar tudo, que é preciso uma mudança radical na Justiça, não sabemos é que propostas é que ele tem para a reforma. Eu considero que há de facto problemas sérios na Justiça em Portugal e que um Estado Democrático deve procurar soluções para que estes problemas possam ser ultrapassados, mas isto não está tão mal como muitas vezes se quer fazer querer.
Quando entrei na magistratura, em 94, havia tribunais que não tinham computadores. Ainda se utilizava máquina de escrever. Os processos eram despachados à mão. Os depoimentos dos julgamentos não eram gravados, não havia sistema de gravação da prova, nós ditávamos os depoimentos e os funcionários escreviam. Portanto, tudo demorava uma eternidade. Naturalmente as coisas melhoraram, não podemos dizer que está tudo mal na Justiça e tanto assim é que, se olharmos num ponto de vista global, esquecendo a questão dos megaprocessos, nos últimos 15 anos houve uma diminuição acentuada dos processos, uma efetiva recuperação de pendências. Hoje, tanto na área criminal, como na cível, a média de duração de um processo desde que entra no tribunal até à sua decisão definitiva já é um tempo razoável.
Agora, claro que há problemas sérios e eles estão perfeitamente diagnosticados. Os órgãos de investigação, das polícias, do Ministério Público (MP) não têm meios suficientes para investigar. Não podemos ter uma investigação criminal rápida quando a polícia precisa de um sistema informático para desencriptar um telemóvel e não têm. Não podemos exigir que a instrução e o julgamento de um processo que tem milhares de documentos aconteça rapidamente, se o juiz não tem qualquer espécie de apoio. É necessário dotar a Justiça de meios. Os juízes têm de ter peritos, assessores, durante a fase de julgamento. Hoje em dia investigam-se circuitos financeiros, a alta criminalidade financeira e isso ainda se faz como o tempo do antigamente, só com um juiz.
Repare no processo Marquês que tanto se fala. São milhares e milhares e milhares e milhares de documentos que têm de ser analisados por um só juiz. Não há milagres e isto passa por uma grande decisão do poder político, num forte investimento da Justiça, na criação de gabinetes de apoio aos juízes, assessorias técnicas porque os juízes sozinhos pouco podem fazer.
E há uma outra área, absolutamente fulcral, que está diagnosticada há imenso tempo e que ninguém faz nada que é a área dos administrativos e fiscais. Há anos que há pendências atrasadas nos TAF (Tribunais Administrativos e Fiscais). As pessoas sentem uma impotência enorme à espera de uma decisão. Foram criadas equipas que recuperaram pendências antigas, mas a verdade é que vão-se resolvendo os problemas antigos, mas os processos continuam a chegar ao tribunal. É uma vergonha para a Justiça, é uma vergonha para o Estado de Direito Democrático que as pessoas e as empresas tenham de esperar mais de 10 anos para a decisão definitiva dos tribunais administrativos e fiscais.
O Estado tem de saber fazer uma reforma e tem de saber se quer mesmo fazer essa reforma pois não nos podemos esquecer que o Estado, além do organizador, é também o réu na sua larga maioria das ações dos tribunais administrativos, por isso, não sei se o Estado terá interesse nessa reforma.
Resumidamente, em termos globais, parece-me que o sistema de Justiça funciona, mas é necessário mais investimento e depois temos claro a questão dos megaprocessos que vai ser sempre uma questão muito, muito complicada.
É natural que quando foi conhecida a decisão da fase de Instrução as pessoas não se identificassem com ela. Não a compreenderam e ficaram um pouco revoltadas e também temos de fazer uma reflexão sobre isso, sobre a estratégia de comunicação
Como é o caso da Operação Marquês. Sente que este tipo de processos, que levam anos a ir a julgamento, aumentam desconfiança da opinião pública na Justiça?
É evidente. Claro que os megaprocessos vão sempre existir. O tipo de criminalidade que está aqui em causa tem de levar uma investigação de grandes dimensões e, portanto, não há forma de contornar isso. É certo também que nunca tivemos em Portugal um processo com as dimensões da Operação Marquês, por exemplo, mas também temos de ver que é humanamente impossível que um juiz que pegue num processo destes e trabalhe 24 horas por dia, 365 dias por ano. Nem se o fizesse conseguia uma decisão rápida num processo que tem milhares e milhares e milhares de documentos para examinar sozinho. A dimensão e a complexidade de um megaprocesso implica um longo caminho, mas dificilmente é compreensível para as pessoas que entre a investigação e um julgamento decorra cerca 10/15 anos, que é o que este vai demorar com toda a certeza. E a morosidade deste processo vai ter de ser analisada de forma global. Não é boa para ninguém. Não é boa para os arguidos, não é boa para as testemunhas.
Acho que Portugal tem de analisar os processos que já tivemos antes e fazer uma reflexão disto: O que é que falhou, onde é que podemos melhorar, aprender com os erros. Até agora, não há resposta para isso. O sistema como está organizado, a forma como lei será organizada torna difícil contornar uma situação destas e isso tem, obrigatoriamente, de passar por uma decisão política de dotar os tribunais de meios técnicos, assessorias, tudo para que haja uma maior rapidez na realização da justiça.
É essa falta de meios que está a atrasar a conclusão da Operação Marquês?
Não é só a questão de ser megaprocesso, também é a natureza do processo, as pessoas envolvidas, a dimensão. Tudo isto teve um grande impacto social. Não nos podemos esquecer que, à medida que se iam sendo realizadas diligências dentro da sala do tribunal, na comunicação social, a Justiça estava a ser absolutamente mediatizada. Também cá fora começaram a fazer julgamentos de opinião pública. Por isso, é natural que, quando foi conhecida a decisão da fase de Instrução as pessoas não se identificassem com ela. Não a compreenderam e ficaram um pouco revoltadas e também temos de fazer uma reflexão sobre isso, sobre a estratégia de comunicação.
Nós andamos há anos para trás e para a frente com a questão do enriquecimento ilícito. Penso que agora conseguimos desbloquear a situação pondo o ponto tónico no enriquecimento injustificado e não no enriquecimento ilícito. Agora já não é connosco
Uma revolta que levou cerca de 193 mil pessoas a assinarem um pedido de demissão do juiz Ivo Rosa. Qual é a posição da ASJP perante a decisão da fase de Instrução da Operação Marquês?
Tal como afirmamos na altura, através de um comunicado, temos de aceitar as criticas, pois elas são perfeitamente legítimas e saudáveis. A Justiça cada vez mais tem de prestar contas e, portanto, está sujeita ao escrutínio público, mas não podemos esquecer que, nos termos da lei, a fase de instrução dos processos criminais visa a comprovação judicial da decisão deduzida da acusação do Ministério Público, ou seja, o que ali se passou foi apenas determinar se as pessoas envolvidas, se os arguidos, iam ou não a julgamento.
Temos de ter serenidade de aguardar e saber aguardar que o sistema judicial funcione. Percebo que é natural, pela demora e por toda a mediatização que foi feita, que se acentue a desconfiança no sistema de Justiça. Agora, é preciso salientar que ainda não foi feito o julgamento do processo. Ainda temos de aguardar a decisão definitiva, ainda muito vai acontecer, ainda vai haver recursos. Aceito que se critique a demora. Ponto. O resto é a Justiça no seu funcionamento. O senhor juiz fez a análise da factualidade, do que estava em causa e deu o seu enquadramento jurídico. Nós temos agora de esperar. Houve recurso por parte do MP, os arguidos têm prazo para se pronunciar, vai haver um outro tribunal a apreciar a questão. Não sabemos como é que as coisas poderão funcionar daqui para a frente. O que interessa agora é esperar, saber esperar e eu sei que é difícil porque há tantos anos que andamos com isto.
Mas isto é o funcionamento da Justiça, é a lei que nós temos. Há uma fase de instrução, nessa fase de instrução o senhor juiz apreciou o inquérito no sentido de ver se devia ou não levar os arguidos a julgamento. Entendeu daquela forma. O MP não concorda, recorre e nós temos de, pacientemente, esperar o resultado e a decisão final do processo.
A ASJP apresentou uma proposta para criminalizar o enriquecimento ilícito dos políticos, no âmbito da estratégia de combate à corrupção. Em que consiste esta proposta?
Nós andamos há anos para trás e para a frente com a questão do enriquecimento ilícito. O enriquecimento ilícito já foi, por duas vezes, chumbado pelo Tribunal Constitucional, por violação do princípio da proporcionalidade e da presunção de inocência. Penso que agora conseguimos desbloquear a situação pondo o ponto tónico no enriquecimento injustificado e não no enriquecimento ilícito. Apresentamos a proposta e está agora no Parlamento. Agora já não é connosco e vamos ver qual é o andamento que vai ser dado a isso.
Contudo, não podemos deixar de dizer que vemos com satisfação o interesse que os vários partidos e o Governo deram à proposta. A solução encontrada não é nenhum milagre, mas é um contributo para o combate à corrupção. O que nós achamos é que se impõe o dever aos titulares das altas funções do Estado, que podem ser políticos e magistrados, não só de declarar a riqueza, mas também de justificar a sua proveniência, ou seja, independentemente de ser lícita ou ilícita, isso é indiferente à criminalização da conduta. São as razões de transparência que ditam a punição. Vamos imaginar que, durante o exercício de um cargo público, entra no património de um alto cargo do Estado, milhares de euros, ele arranja maneira de não ter esse dinheiro no seu nome, atualmente poderá nada lhe acontecer, mas com o regime que estamos a propor é que, se a investigação apurar que o dinheiro é daquela pessoa, independentemente da sua origem ser lícita ou ilícita, a pessoa pode ser punida pois não só não declarou aquele dinheiro como não justificou a sua proveniência.
A criminalização é com vista à transparência, deve-se declarar e justificar de onde é que veio a proveniência daquele detrimento patrimonial.
Foi dito na comunicação social que estavam todos vacinados, o que não é verdade, bem antes pelo contrário. Ainda hoje, grande parte dos magistrados, não estão vacinados
E o que pensa a Associação Sindical de Juízes Portugueses sobre a reavaliação da legalização do partido Chega, pedido, por exemplo, pela antiga eurodeputada Ana Gomes?
Nós na direção ainda não discutimos essa questão. Portanto, não vou tomar uma posição sobre isto.
Que efeitos teve a pandemia da Covid-19 na Justiça?
A pandemia afetou, naturalmente, o sistema judicial, apesar de ainda não termos dados concretos para avaliar os danos que, efetivamente, provocou. Atrevo-me a dizer que a Covid-19 vai deixar uma marca profunda na Justiça e vai obrigar-nos a rever procedimentos. Num primeiro momento, faltava tudo. Os tribunais não estavam preparados. Na verdade, ninguém estava. Nenhum serviço de Estado estava preparado para enfrentar uma pandemia e isso causou, a quem trabalha na Justiça, um enorme e profundo mau estar. O medo vivido por todos aqueles que diariamente trabalhavam e também o medo do desconhecido, que todos nós enfrentamos no início. Foi preciso dotar as salas de audiências, as secretarias, os acrílicos, reforçar a distância física entre as pessoas, adquirir gel desinfetante, máscaras. Foi preciso todo um esforço. Muitas das salas de audiências do país nem sequer são ventiladas, o que não permitia a realização de julgamentos. Depois foi o teletrabalho. Ainda vamos ter de analisar as consequências do teletrabalho. Muitos oficiais de Justiça queixaram-se que não conseguiam aceder aos processos através das redes privadas de internet, o que provocou algum bloqueio no andamento dos processos.
A questão da falta de vacinação, nomeadamente, de funcionários que estavam na primeira linha, sendo que foi dito na comunicação social que estavam todos vacinados, o que não é verdade, bem antes pelo contrário. Ainda hoje, grande parte dos magistrados, não estão vacinados. A nível das pendências dos processos, ainda que os tribunais tenham quase sempre trabalhado, é evidente a suspensão dos prazos, a avalanche legislativa que acarretou todas as funestações possíveis e mais algumas, tudo isto vai ter reflexo nas pendências processuais. No imediato, no protelado das situações de litígio já existentes nos tribunais, em que a tramitação dos processos ficou suspensa, por causa da legislação Covid e agora pelos milhares de processos que vão certamente chegar aos tribunais por causa da crise: empresas em insolvência, pessoas que perderam os empregos, a questão das moratórias, problemas conjugais, problemas parentais, enfim... uma panóplia de situações que vão acabar por chegar aos tribunais e que nós vamos ter de dar resposta.
Outra coisa que nos preocupa é a situação dos funcionários judiciais que são uma peça fundamental para isto, são uma peça estruturante no sistema de Justiça. Têm-se feito enormes alterações na Justiça, todas as funções da Justiça viram os seus estatutos atualizados, mas os funcionários judiciais não e, portanto, estão agora em greve. Eles estão verdadeiramente agastados com tudo isto e nós vamos precisar deles para ultrapassar a acumulação dos processos que a pandemia acarretou. O poder político também tem de saber dar uma resposta aos funcionários judiciais para que, o mais rapidamente possível, com o contributo de todos, com o esforço de todos, se faça uma ponderação, uma reflexão sobre o antes da pandemia e o depois da pandemia e tirar consequências disso.
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