"Portugal não vai lutar para conquistar o Europeu, vai para defendê-lo"
Antigo internacional português coloca a seleção nacional no topo dos favoritos à conquista do Europeu. Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, Abel Xavier considera que o título de campeão europeu acrescenta uma maior responsabilidade aos jogadores comandados por Fernando Santos.
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Desporto Exclusivo
O Campeonato Europeu 2020 tem início esta sexta-feira. Um ano depois do previsto, e tudo por culpa da pandemia, Portugal vai poder defender o título de campeão europeu conquistado em França há cinco anos.
Uma prova que decorre em moldes totalmente inovadores, com os jogos a desenrolarem-se em 11 cidades de 11 países diferentes, até ao próximo dia 11 de julho.
Portugal integra o grupo F do Euro'2020, juntamente com Hungria, Alemanha e França. A estreia da equipa das quinas está agendada para a próxima terça-feira, dia 15 de junho, diante dos húngaros, em Budapeste. Segue-se uma viagem até Munique, na Alemanha, para defrontar os germânicos, a 19 de junho, com a fase de grupos a terminar com novo confronto na capital magiar, desta feita contra a campeã do mundo França, no próximo dia 23 de junho.
Uma prova em que Portugal, ao contrário de outros anos, entra com o estatuto de campeão europeu, algo que já fez Fernando Santos admitir mesmo que a seleção nacional é candidata à revalidação do título, algo que seria inédito na história do futebol português.
E é mesmo este estatuto que Abel Xavier aponta à equipa das quinas. Em entrevista exclusiva concedida ao Desporto ao Minuto, o antigo internacional luso considera que Portugal está, como não poderia deixar de ser, na linha da frente no que aos favoritos à conquista do Euro'2020 diz respeito.
Longe do território nacional, o também antigo selecionador garante que o título de campeão europeu traz uma maior responsabilidade aos eleitos de Fernando Santos, destacando mesmo que Portugal "não vai lutar para conquistar o Europeu, vai para defendê-lo".
Hoje em dia, podemos assumir que a relação entre qualidade e quantidade é enorme
Portugal está na linha da frente entre os favoritos à conquista do Europeu?
Sem dúvida. Primeiro, porque, quando temos um título que temos de preservar, devemos objetivamente assumir-nos como candidatos. É lógico que existe uma grande expectativa no comportamento das equipas depois deste ano atípico, que nos afetou a todos. Estou muito agradado com o posicionamento dos objetivos que o selecionador nacional desde já mencionou, e que é a plena afirmação de que Portugal é um dos candidatos ao título. Quando se fala numa competição tão exigente, e no meu ponto de vista mais difícil de ser jogada, e com um grupo extremamente competitivo, onde estão duas grandes seleções a nível mundial, significa que, neste momento, Portugal é respeitado, e creio que esse respeito foi atingido em virtude de tudo aquilo que a seleção conquistou. Não podemos deixar se enaltecer a estrutura. Fiz parte de várias gerações nacionais que ambicionavam estar num lugar mais alto acima de tudo de respeito dos outros. Não tenho dúvidas de que hoje, quando se fala a nível do futebol da seleção portuguesa, não só falamos na grandeza e na qualidade dos seus próprios jogadores e desta geração, mas também dos feitos. Quando falamos desses feitos, eles têm de ser repartidos por muita gente, a começar pela estrutura federativa, a parte técnica, que envolve muitas pessoas, os jogadores, que são os grandes protagonistas, e o povo português, que continua a apoiar e a acreditar. O caminho que a seleção tem trilhado recentemente é para continuar em busca de vitórias e de alegrias para o povo, que tanto merece porque sofreu muito neste ano atípico.
Muito se tem escrito e dito que este grupo, formado por Hungria, Portugal, Alemanha e França, é o denominado ‘grupo da morte’. Concorda com esta afirmação?
Não concordo porque não podemos colocar o futebol nesse patamar de vida e de morte. Acho que existem coisas muito mais importantes do que um jogo de futebol. Falemos de objetivos e competitividade, que é uma melhor linguagem porque, no momento em que, infelizmente, desapareceram muitas pessoas, de sofrimento a vários níveis, só podemos desejar que o futebol, que tem sido um escape da nossa sociedade nas alegrias que tem dado, continue a ser um prazer. Só consigo avaliar um jogo de futebol pelo seu lado competitivo. Mesmo dizendo que França e Alemanha são duas grandes seleções, como já o disse, não podemos deixar de falar da Hungria. Se estão no Campeonato da Europa, e todas as seleções tiveram de fazer um percurso difícil face a um apuramento difícil e atípico para poder chegar aqui, é porque temos de os ter em conta. Antevejo um Europeu de máxima exigência, desejo que essa mesma exigência continue presente em todos os elementos da estrutura federativa, e que Fernando Santos e os jogadores possam estar ao mais alto nível de rendimento e que possam competir, jogando o jogo pelo jogo, e pensado jogo a jogo porque de facto a fase de grupos é a mais difícil.
Qual é a sua opinião dos 26 jogadores convocados por Fernando Santos, que misturam experiência com juventude, alguns deles até estreantes em fases finais de Europeus?
Existe um grupo de jogadores que tem tido continuidade ao longo do tempo, conhece bem as metodologias de Fernando Santos, o seu lado humano e a sua grandeza. Durante este ano. houve oportunidade de muitos jovens se afirmarem nas suas respetivas equipas, e conseguiram chegar à seleção nacional. Isto torna a seleção mais competitiva em algumas posições. Estamos perante um grupo de elevada qualidade. Hoje em dia, podemos assumir que a relação entre qualidade e quantidade é enorme. Temos sustentabilidade cíclica do ponto de vista desportivo da qualidade do jogador. Penso que existe capacidade, qualidade, temos um treinador reconhecido pela sua competência, e, portanto, só temos de transformar isso numa nova realidade em campo. Quando estamos numa grande campanha como um Campeonato da Europa, por muito que possamos desejar e termos a justa capacidade mental, o facto mais importante é transformar esta realidade no jogo jogado.
Portugal entra em prova com o estatuto de campeão europeu© Reuters
E entre o grupo de convocados em 2016, ano em que fomos campeões da Europa, e o deste ano, qual é que é o mais coeso e dá mais garantias a Fernando Santos?
Temos de respeitar o momento das coisas. Nunca fiz essas notas comparativas. Cada momento tem a sua importância, e cada momento de convocatória tem contornos muito específicos que estão relacionados com o momento e com a continuidade. Há um reconhecido grupo que está nos quadros de selecionáveis há muitos anos e que continuam a ter um rendimento elevado, e depois há outros jogadores do momento que conseguem chegar a um rendimento elevado, de uma faixa etária menor, e que dão garantias ao selecionador nacional. É preciso respeitar também aqueles que já não fazem parte. Se já não são convocados é porque existem outros que estão melhor. Não tenho dúvidas que a relação numérica no que toca a selecionáveis é muito maior do que aqueles que foram convocados. Alguém teria de ficar e fora, e outros que já não fazem parte. Aqueles que não fazem parte, e que estiveram envolvidos no título de 2016, temos de dar a nossa gratidão. Os jogadores não saem só por sair. Deixam a seleção porque acabam o ciclo, e outros porque não têm a competitividade que tiveram no passado. É um processo normal. O selecionador nacional tem de convocar os jogadores que entende que estão melhor para uma campanha desta dimensão. É um erro tremendo comparar gerações, comparar jogadores, e discutir a convocatória de um selecionador nacional quando os pressupostos dessa convocatória só o próprio os sabe concretamente e na íntegra.
Muito se tem falado sobre o facto de Fernando Santos ter convocado apenas três defesas-centrais, sendo Danilo ou Palhinha são jogadores que podem fazer essa posição. Concorda com esta escolha de Fernando Santos?
Sou treinador, já fui selecionador nacional com um valor muito importante no exercício das minhas funções porque era o país de nascença, mas não sou capaz de poder entrar numa discussão do ponto de vista técnico daquilo que foram as opções do mister Fernando Santos. Acho que, como mais mais novo e sendo colega da classe, jamais irei discutir qualquer tipo de decisão, não só em termos de convocatória, mas também relacionada com a abordagem do próprio jogo. Acho que muitas vezes existe, como já disse, um jogo falado, em que é permitido que muita gente que não entenda o processo possa falar de opções, das equipas, e dos jogadores. Mas sendo treinador, e sabendo da complexidade do que é tomar decisões, acho que se Fernando Santos tomou a decisão que tomou em convocar os jogadores que convocou, é porque não tenho dúvidas nenhumas que são os jogadores que estão no melhor momento a vários níveis: a coesão do grupo, a nível do rendimento, e a meritocracia. O mais importante é que o mister Fernando Santos tem um leque de jogadores que o vai fazer pensar na constituição da melhor equipa para defender o título de campeão europeu.
E quais os jogador da Seleção Nacional que podem fazer a diferença neste Campeonato da Europa?
Não gosto de individualizar jogadores, embora reconheça os melhores. Dentro dos grandes jogadores, e existem muitos não só no panorama nacional, como também no internacional, ser considerado o melhor é um caso diferente. Acredito que um jogador que esteja inserido num coletivo só poderá ser tão forte e melhor se estiver secundado dessa mesma qualidade coletiva. Estarmos a retirar um jogador, por muito importante que seja, fora do contexto coletivo não me parece o mais correto, embora enquadre o Cristiano Ronaldo como um embaixador, e um dos grandes jogadores do futebol mundial.
Cristiano Ronaldo e Pepe com a Taça de Campeão Europeu© Reuters
Ultrapassando esta fase de grupos, onde teremos Alemanha, França e Hungria, Portugal tem possibilidades de chegar a Londres e levantar de novo o troféu?
Só tenho de seguir a convicção, e também o meu desejo, que Portugal acima de tudo chegue à final. Quando um selecionador nacional assume que está entre os candidatos ao título de campeão europeu, tem de chegar à fase de eliminatórias. Sabemos que Portugal tem qualidade para ultrapassar o grupo, e que o mesmo vai ser competitivo. Acredito que Portugal poderá continuar a ser aquela equipa que vai para defender o título, e não para conquistá-lo. E isso é relevante porque já conhece o sabor da vitória. Do ponto de vista mental isso acrescenta uma maior responsabilidade aos jogadores. Portugal não vai lutar para conquistar o Europeu, vai lutar para defender o título.
O Europeu deste ano vai ser organizado em moldes pouco diferentes dos atuais, com viagens de avião para poder disputar o jogo. Acredita que isso um dificuldade acrescida para a seleção?
É um modelo diferente, mas que se aplica a todas as seleções. Todas as equipas vão partir do mesmo pé de igualdade. O que desejo é que todas as questões, nomeadamente as relacionadas com a saúde, estejam acauteladas. Sabemos que um dos problemas que estamos a viver é a imprevisibilidade destas questões entrarem dentro do grupo de trabalho. Isto pode ser um problema e que desejo que não aconteça. Mas também não tenho dúvidas nenhumas de que a seleção irá estar numa caixa forte e em condições para se concentrar no objetivo. Acredito que vão criar todas as condições para que, mesmo sendo um Europeu em moldes diferentes, Portugal possa dar uma grande alegria a todos nós.
Este Europeu vai contar com adeptos nas bancadas, uma realidade um pouco distante daquela com que muitos jogadores foram confrontados no último ano e meio. Pode fazer a diferença a existência de apoio dos adeptos?
De uma forma progressiva os adeptos vão voltar ao estádio. O lado mais importante para o jogador de futebol, e todos os agentes que nele estão envolvidos, é que os adeptos estejam presentes. Os treinadores trabalham e os jogadores jogam acima de tudo para os adeptos. Os adeptos devem ser reconhecidos nesse direito de poderem estar nos estádios, mas de uma forma cuidada, rigorosa e respeitosa em relação àquilo que são as novas normas. Existem mais do que condições de garantia e de segurança para que isso aconteça, nomeadamente que são estádios nacionais de grande dimensão e de grande qualidade. E, se tiverem asseguradas todas as questões de mobilidade, fiscalização e segurança, não vejo porque isso não possa acontecer. Depois, há outra questão. De facto, já vai muito tempo desde que as equipas têm jogado sem adeptos. Existe a vertente económica, que é importante, mas do ponto de vista emocional é muito importante que os adeptos voltem ao estádio acima de tudo pelos jogadores. Esta capacidade dos adeptos de galvanizar as suas próprias equipas entre as alegrias e as tristezas é algo necessário no futebol. É uma componente que falta, mas acredito que irá voltar em breve com as suas devidas cautelas.
Os recentes resultados das seleções mais jovens, aliados à crescente qualidade da formação portuguesa, faz com que já não exista uma preocupação com o futuro da seleção nacional quando, por exemplo, o Cristiano Ronaldo se retirar do futebol de seleções?
Sobre esse aspeto, acho que, independentemente da ausência de um ou outro jogador, e de nos termos de nos adaptar a algumas limitações posicionais, Portugal sempre encontrou soluções. Neste momento, creio que não é correto estar a fazer essa conjuntura de suposições, porque prefiro ver o presente. E o presente é que temos um grande Cristiano Ronaldo com a ambição de fazer mais e melhor e marcar a diferença, secundado por uma grande equipa que lhe reconhece uma certa longevidade e consistência que não é fácil de atingir. Não podemos deixar de dizer, e eu sendo um antigo jogador que estive ao mais alto nível durante muitos anos, que uma coisa é estar ao mais alto nível durante muitos anos, e outra coisa é ser um dos melhores jogadores do mundo durante muitos anos. Dentro da minha classe, enquanto jogador de futebol, existem muitos grandes jogadores em todo o lado. Mas ser grande é uma coisa, e ser um dos melhores é outra coisa. Devemos reconhecer que o Cristiano Ronaldo é um grande embaixador de Portugal, e que, dentro do grupo de trabalho, todo o grupo e todos os jogadores reconhecem esse mérito. Continuemos a viver o presente. Não sei, seguramente, o que será o futuro, mas não tenho dúvidas em dizer que Portugal, considerando a geração que tem, nomeadamente sub-21, irá seguramente encontrar soluções do ponto de vista coletivo para continuar a ter uma seleção extremamente competitiva.
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