"Quando pensávamos que a normalidade seria retomada surgiu a guerra"
Miguel Pina Martins, presidente da Associação de Marcas de Retalho e Restauração, é o convidado desta segunda-feira do Vozes ao Minuto. Faz um aviso sobre a inflação, o aumento das taxas de juro e o impacto que já estão a ter sobre as empresas.
© GlobalImagens/Leonardo Negrão
Economia Miguel Pina Martins
A Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) anseia pelo regresso à normalidade, para "trabalhar e contribuir para o desenvolvimento económico do país", mas, numa altura em que já se antevia algum alívio da pandemia de Covid-19, "surgiu a guerra e também, diga-se, algum retrocesso pandémico", o que veio prolongar as dificuldades do setor.
Miguel Pina Martins, presidente da AMRR, reflete, em entrevista ao Notícias ao Minuto, sobre o Orçamento do Estado (OE) e faz um aviso sobre a inflação, o aumento das taxas de juro e o impacto que já estão a ter sobre as empresas.
"Ainda não chegámos aos valores de 2019, embora em algumas áreas e em algumas semanas estejamos próximos. Agora, como também já disse, a rentabilidade é bastante inferior", indica.
O aumento de casos decorrente da sexta vaga de Covid-19 em Portugal também traz alguns desafios, não só ao nível do consumo - "são dezenas de milhares de pessoas que se encontram em isolamento" -, mas também a nível logístico - "tem sido muito difícil a gestão de equipas com o número tão significativo de pessoas que têm de ficar em casa".
O grande desafio é continuar a viver nesta enorme imprevisibilidade
Quando as restrições associadas à pandemia estavam a terminar, começou uma guerra com impacto em todo o mundo. Como é que o setor está a viver este momento?
Fez em março dois anos que o mundo mudou e desde aí não temos tido um dia de normalidade. A pandemia teve um impacto como não há memória nos nossos setores e quando pensávamos que a normalidade seria retomada surgiu a guerra e também, diga-se, algum retrocesso pandémico, desde logo com algum voltar atrás das medidas.
Quais são os desafios pela frente?
Os nossos setores querem viver em normalidade, trabalhar e contribuir para o desenvolvimento económico do país. O grande desafio é continuar a viver nesta enorme imprevisibilidade que ainda subsiste, agravada, diria, com a inflação que tem um impacto muito negativo nos custos de produção.
A Associação de Marcas de Retalho e Restauração (AMRR) considera que o OE2022 responde às necessidades do setor para os próximos meses?
Este OE é muito particular, uma vez que será publicado já a meio do ano. Repare, estivemos no final de maio a discutir um Orçamento e dentro quatro meses já será proposto outro. O que gostaria de dizer é o seguinte: as insuficiências relativamente a medidas de apoio e simplificação para as empresas que identificámos em outubro na proposta de OE revelam-se mais complexas face à evolução que assistimos nos últimos meses.
A inflação pode ser vista como um desafio para o consumo? Como é que o setor está a ver a aceleração desta taxa?
É uma realidade nova, no sentido de não se assistir, pelo menos, nas últimas duas décadas a algo semelhante. É mais uma dificuldade para o nosso setor, que sente de forma plena a inflação nos custos de produção e não consegue repercutir esse aumento nos consumidores - nem está a fazê-lo. Internalizamos muito este aumento de custos. Ou seja, a somar a dois anos de baixas faturações temos agora uma faturação que é melhor, mas com margens muito deterioradas. Não está a ser fácil!
Considera que os portugueses vão pagar mais nos próximos meses pelos mesmos produtos face ao que pagariam neste momento?
É inevitável que algum aumento exista, mas, como tive oportunidade de dizer, as empresas tem internalizado grande parte do aumento de custos.
É previsível que o aumento das taxas de juro venha a ter impacto nas empresas? Em que medida?
Essa é outra situação muito difícil. A taxa Euribor a 12 meses já se encontra positiva há algumas semanas [em terreno positivo desde 21 de abril] e caso a tendência contínua e acentuada de aumento das taxas se mantenha, também a taxa a seis meses passará para positivo. As empresas no seu geral tiveram de aumentar os seus níveis de endividamento para fazer face às dificuldades geradas pela Covid-19. Para termos uma imagem da dimensão do problema: um aumento de 1% da taxa Euribor representa mais 10 mil euros em cada milhão de euros de empréstimo. É mais um custo inesperado, brutal e que vai dificultar em muito a vida das empresas.
A escassez de materiais, que começou durante a pandemia, continuará a ser um problema nos próximos meses?
Não houve nenhuma rutura nos bens que as nossas empresas vendem. Mas não ignoramos que tem havido maior dificuldade, e custo, para a sua aquisição e transporte, o que também explica o seu aumento.
Ainda não chegámos aos valores de 2019, embora em algumas áreas e em algumas semanas estejamos próximos
Como estão, atualmente, os volumes de negócios dos associados da AMRR face ao ano passado e face a antes da pandemia?
Face ao ano passado está melhor. Mal seria, também, se assim não fosse. Nos primeiros meses de 2021, a generalidade das empresas viram as suas portas encerradas e a totalidade teve graves restrições. Quanto ao pré-pandemia, ainda não chegámos aos valores de 2019, embora em algumas áreas e em algumas semanas estejamos próximos. Agora, como também já disse, a rentabilidade é bastante inferior.
Na sua opinião, que medidas deveria o Governo criar que fossem ‘mais amigas’ das empresas?
A nível fiscal, é incomportável continuarmos com o peso dos impostos e as taxas pagam. Ao nível da simplificação é também importante, desde logo, temos vários associados que relatam casos de morosidade na relação com os serviços do Estado: ou seja, é um problema das leis e dos procedimentos. E também ao nível dos apoios para investimento: creio que já ninguém estranha que se diga que o PRR é pouco amigo das empresas.
Há outras medidas importantes: de forma imediatas, a necessidade de apoiar as empresas que sofrem com o impacto desmesurado dos custos de produção (desde logo, na restauração) e, a médio prazo, a introdução da regulação dos contratos em centros comerciais, com vista a ser mais justa e equilibrada para as partes.
Tem sido muito difícil a gestão de equipas com o número tão significativo de pessoas que têm de ficar em casa
O aumento do número de novos casos da Covid-19 nos últimos anos assusta os empresários? Ou essa questão já não se coloca?
O aumento dos casos tem dois problemas: o primeiro, naturalmente, é o impacto no consumo - são dezenas de milhares de pessoas que se encontram em isolamento. O segundo, e aquele que mais dificuldades tem gerado nas empresas, é o do próprio pessoal. Tem sido muito difícil a gestão de equipas com o número tão significativo de pessoas que têm de ficar em casa. A este respeito, e mantendo a nossa afirmação de que - não sendo especialistas em saúde pública - é importante confiar nas autoridade de saúde, não podemos deixar de questionar a razão de ainda não ter passado de sete para cinco o número de dias de isolamento, à semelhança do que já acontece há algum tempo em vários países e mesmo no território nacional, na Região Autónoma da Madeira. Já seria uma ajuda!
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