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Greve de docentes? "Um grito de descontentamento e de cansaço", diz SIPE

Luís Santos, coordenador da Zona Centro do SIPE (Sindicato Independente de Professores e Educadores), é o convidado desta quinta-feira do Vozes ao Minuto.

Greve de docentes? "Um grito de descontentamento e de cansaço", diz SIPE
Notícias ao Minuto

19/01/23 por Ema Gil Pires

País Educação

A vida das escolas portuguesas tem sido marcada, nas últimas semanas, por uma série de greves convocadas por várias organizações sindicais, que pedem melhores condições de trabalho e, também, que o Governo reconsidere as propostas que tinha anteriormente em cima da mesa para a revisão do regime de recrutamento e colocação dos docentes.

Das várias estruturas destaca-se, nomeadamente, o SIPE (Sindicato Independente de Professores e Educadores), que convocou para este mês uma greve parcial ao primeiro tempo letivo, a qual foi já estendida até fevereiro. Segundo explicou, em entrevista ao Notícias ao Minuto, Luís Santos, coordenador da Zona Centro do sindicato, em causa está aquilo que se apresenta, “também”, como “um grito de descontentamento e de cansaço” por parte dos docentes.

Destacando que este “ambiente de reivindicações é justo”, o representante do SIPE destacou que os professores têm vindo a sofrer um “descontentamento generalizado, um desencanto e, até, desmotivação“, na sequência da “desvalorização da carreira” perpetrada já ao longo de vários anos.

Numa semana em que o Executivo socialista se encontra a reunir com os sindicatos representativos do setor, Luís Santos considerou que “existe vontade de ambas as partes” para dialogar - ainda que reconheça que enquanto certas “matérias” poderão ser resolvidas a “curto prazo”, outras poderão necessitar de um pouco mais de tempo.

Desde a crise de 2005, com a entrada da Troika em Portugal, até agora, a carreira tem sido muito desvalorizada.

Os professores têm estado, desde o mês de dezembro, em consecutivas greves convocadas para várias estruturas sindicais. Quais são, de um modo concreto, as principais reivindicações dos profissionais do setor?

Este ambiente de reivindicações é justo, por parte dos educadores e dos professores. derivado da desvalorização da nossa carreira ao longo do tempo, bem como do Estatuto da Carreira Docente. Desde a crise de 2005, com a entrada da Troika em Portugal, até agora, a carreira tem sido muito desvalorizada, passou a ser uma carreira sem incentivos, e há um descontentamento generalizado, um desencanto e, até, desmotivação dos professores. 

A verdade é que nas escolas existe muita pressão, burocracia excessiva, não há uma regulamentação ou limite dos horários de trabalho, e às vezes há sobretrabalho. Quer dizer, estamos numa sociedade digital, o que é importante, mas temos de normalizar isto, também. Porque o importante da escola pública é promover a condição humana e a valorização da mesma. E, de facto, a escola pública foi pensada para promover a igualdade de oportunidades, e temos de capacitá-la para isso. Existem investigadores que dizem que a escola pública ainda não respondeu àquilo a que se propôs, mesmo sendo uma utopia. Vai ser sempre uma utopia, mas a verdade é que ainda existem desigualdades sociais e que ainda há uma reprodução das mesmas. E é importante que a escola pública se foque e que se valorize a mesma para evitar, de facto, essa reprodução e para diminuir essas desigualdades sociais e, porventura, tentar alcançar a utopia que foi, talvez, a sua primeira proposta, de promover a igualdade de oportunidades e de promover estes valores dos alunos. A escola tem de ser inclusiva, mas também tem de valorizar quem já está lá há muito tempo e que dá tudo por tudo pela escola pública, que são os professores e educadores. 

Quando se pôs ali uma hipótese de os professores serem colocados ou alocados por perfis de competências, entendemos que foi a gota de água

O que seria, então, preciso mudar na carreira, na vossa ótica? Que medidas urgentes deveriam ser tomadas para fazer face a esse panorama?

A gota de água, depois de tudo o que já referi, surgiu mais recentemente, depois das primeiras reuniões com o Ministério da Educação, em que apresentou alguns pressupostos e intenções, no que dizia respeito à alteração do regime de concursos e de colocação de docentes. Quando se pôs ali uma hipótese de os professores serem colocados ou alocados por perfis de competências, entendemos que foi a gota de água, perante este descontentamento generalizado que já se registava. Isto porque o nosso recrutamento está regulado, há décadas, por uma lista nacional graduada, em que a antiguidade é um critério para colocar e promover professores, quer nos quadros dos argumentos de escolas, quer em quadros de zona pedagógica. Com os perfis de competências, isso deixaria de ser o único critério. E o que nós defendemos, de facto, é o respeito pela antiguidade e pela experiência profissional, e que ele seja o único critério. Porque, não sendo um critério perfeito, é o mais aceite por todos nós e que evita, digamos, clientelismo, ao mesmo tempo que é transparente e não é penalizador.

Além do mais, a carreira está estrangulada, devido também a uma avaliação de desempenho que é feita por quotas, e que está estreitamente correlacionada com a nossa progressão na carreira, também ela feita por quotas. Os professores têm dois travões no acesso, do quarto para o quinto escalão, e do sexto para o sétimo, e isso também se deve às quotas que existem para aceder a esses escalões, mas também às quotas de acesso aos ‘Muito Bom’ e ‘Excelente’, às classificações de mérito que temos no nosso modelo de avaliação de docentes. Isto quer dizer que só 25% dos professores podem ter avaliação de mérito, de ‘Muito Bom’ ou de ‘Excelente’ - 5% de ‘Excelente’ e 20% de ‘Muito Bom’. Mesmo que um professor tenha um ‘Muito Bom’ ou ‘Excelente’, e a maioria dos professores são mesmo muito bons ou excelentes, que vivem com paixão a sua profissão e com profissionalismo, depois de terem essa classificação, passam para ‘Bom’. É uma penalização muito grande, e isso reflete-se no ambiente em sala de aula e na sala de professores. 

Neste momento, as escolas estão com um ambiente desconfortável, e cada vez que se exige mais, no trabalho na educação em rede, no trabalho em comunidade de aprendizagens, no trabalho colaborativo entre todos nós, este modelo não vai responder a isso. É meramente classificativo e penalizador, quando devia ser um modelo reflexivo, em que nós pudéssemos, em conjunto, entre pares, refletir sobre o trabalho que desenvolvemos e otimizar os nossos processos de ensino e aprendizagem, em prol dos nossos alunos. 

A nossa proposta foi sempre, tal como acontece no privado, que três anos de contrato sucessivo possibilitassem que os professores ficassem, automaticamente, no quadro.

A RTP noticiou, no domingo, citando fonte governamental, que o Ministério da Educação está disponível para vincular professores ao fim de três contratos. É um passo no sentido certo?

Atualmente, devido a uma diretiva da Comissão Europeia, já existe uma norma-travão - inicialmente eram cinco anos, cinco contratos sucessivos, com horários anuais e completos; depois passou para quatro, e agora são três. Já existe a possibilidade dos docentes com três contratos, anuais e sucessivos, abrirem automaticamente um quadro de zona pedagógica e ficarem vinculados.

Mas a nossa proposta foi sempre, tal como acontece no privado, que três anos de contrato sucessivo possibilitassem que os professores ficassem, automaticamente, no quadro. E o Estado, obviamente, deveria dar o exemplo. Agora, não sabemos os contornos, como é que isso vai ser feito - porque já está a ser feito. Nós sempre defendemos a contratação e a vinculação docente em respeito à lista graduada nacional porque, muitas vezes, há colegas nossos que estão a terminar o terceiro contrato, mas se esse contrato não for anual, ele acaba por deixar de reunir os três anos consecutivos e, assim, deixa de abrir vaga para vincular, e tem de reiniciar o ciclo. Muitas vezes, temos colegas com 16, até 20 anos de tempo de serviço efetivo, que ainda estão contratados e em precariedade. A questão aqui em causa é que a renovação de contratos tem, por um lado, aspetos positivos, por outro algumas desigualdades. O mesmo acontece com a norma-travão, que tem alguns aspetos positivos e algumas desigualdades. O importante aqui seria, efetivamente, respeitar a lista graduada pelo tempo de serviço - e, de facto, ao fim de três anos, poder-se ia abrir as vagas para vincular.

Qual é, então, na perspetiva do SIPE, a forma correta de dar resposta a esta questão?

A nossa proposta do SIPE é que, de facto, todos os contratados, por terem três anos completos de tempo de serviço, fiquem automaticamente vinculados. Se essa for a intenção do Ministério, e vamos esperar para a reunião de sexta-feira [20 de janeiro], teremos de analisar os contornos. Porque não é só isso que está em causa. Temos muitos docentes com horários incompletos, com poucas horas, e que cujo ordenado não é suficiente para colmatar as próprias despesas, de deslocação, de alojamento, de formação e de qualificação - porque é também essencial na nossa vida profissional investimos, também, na nossa formação, e ela não é toda gratuita. 

Vincular automaticamente os professores após três anos é importante, mas é importante acrescer e associar a essa medida, também, ajudas de deslocação aos professores, de alojamento - ou, por exemplo, os horários terem todos um mínimo de 16 horas. Mesmo assim, é pouco dinheiro, porque se o salário de um contrato a tempo completo são 1.100 euros, para horários de oito ou 13 horas, acabam por ser valores abaixo do salário mínimo nacional. E é importante, também, tornar a profissão atrativa, porque até um estudo feito pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, em parceria com a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, dá conta de que, até 2030, será preciso contratar 34.500 docentes, e vão-se aposentar 52 mil docentes. Até 2030 temos tempo de resolver estas situações, mas tem de se apostar já, tem de se tornar a profissão atrativa. 

Nós sabemos que somos considerados fantásticos, que somos reconhecidos por via das palavras, mas é preciso passar para os atos. 

Tem-se discutido, também, a crescente burocratização da profissão ao longo dos últimos anos. Na perspetiva do SIPE, é uma realidade que devia ser combatida? Por que via?

Existem, de facto, tarefas, na nossa profissão, que são desnecessárias - preenchimento de muitas grelhas, repetição das mesmas, de várias aplicações, etc. Os professores têm de ficar focados naquilo que gostam de fazer, que passa pelo ensino, por formar os alunos, por aumentar a qualidade do ensino e por formar os cidadãos. Porque é na família, na sociedade, mas também na escola que se complementa a formação cidadã, dos cidadãos do futuro, dos nossos alunos, do espírito crítico, a educação para a cidadania e para os valores. E é muito importante que a escola seja valorizada, que os professores sejam valorizados e reconhecidos no seu mérito, mas também no seu profissionalismo, por toda a sociedade - e aqui o Ministério tem dado, de facto, os primeiros passos. Nós sabemos que somos considerados fantásticos, que somos reconhecidos por via das palavras, mas é preciso passar para os atos. E isso é que, ao longo dos anos, tem vindo a não acontecer.

Foi anunciada, precisamente para esta semana (dias 18 e 20), uma nova ronda negocial entre as organizações sindicais de professores e o Governo. Que perspetivas tem o SIPE para esses encontros? Vê do Executivo flexibilidade para dar resposta a algumas das vossas reivindicações?

Eu penso que existe vontade de ambas as partes, e os problemas são conhecidos de ambas as partes. Eu penso que existem matérias que podem ser resolvidas a curto prazo, outras, eventualmente, poderão ter de ser resolvidas a médio prazo, pois uma são mais formais e as outras mais estruturais, respetivamente. Agora é preciso, efetivamente, que consigamos um processo e um calendário negocial no tempo, e que possamos perceber o que está em causa e aquilo que se quer negociar e que se quer resolver. 

Porque, por exemplo, ao nível do nosso modelo de avaliação de desempenho, o decreto regulamentar n.º 26/2012, publicado a 21 de fevereiro desse ano, refere no artigo 30.º que, após quatro anos da sua vigência, tinha de ser avaliado. Isso seria, portanto, em 2016, e agora já estamos em 2023. Sete anos depois, ainda não foi reavaliado. Porque, de facto, este modelo não serve, porque é um modelo que estrangula a progressão na carreira. E estrangulando a progressão na carreira, a mesma não tem incentivos e não responde à perda do poder de compra. A desvalorização salarial tem sido sentida em toda a sociedade portuguesa, mas ao nível dos docentes tem tido um grande impacto. Houve perda do poder de compra e um não acompanhamento da taxa de inflação em termos salariais - e este ano ainda pior, porque não acompanhamos a carreira técnica superior, que foi aumentada em 104 euros, e nós apenas em 52 euros. Desde 1986 que não acontecia isso. E, para além disso, temos a questão da perda do tempo de serviço, pois temos por recuperar seis anos, seis meses e 23 dias. Temos tido congelamentos, e perdemos tempo na transição da antiga carreira para a nova carreira. Isto tudo é um conjunto de fatores que faz com que haja, neste momento, nas escolas, uma desmotivação, um cansaço e, até, colegas com alguma exaustão.

Penso que existem condições para podermos negociar e que, neste momento, todos têm boa-vontade.

Se o Governo não mostrar essa disponibilidade para aceder a essas mesmas exigências dos professores, será de esperar uma continuidade das paralisações nas escolas? Ou qual serão, então, os próximos passos do protesto?

O que os sindicatos pretendem é, provavelmente, aquilo que a sociedade pretende. Dos sindicatos fazem parte os professores e os educadores, que agora estão na rua e estão descontentes. Mas os professores também são pais e mães e temos, por isso, um sentimento de responsabilidade e de compromisso. O nosso interesse é o interesse comum, é a serenidade e que haja condições para tudo funcionar com normalidade. Mas penso que, neste momento, existe um espaço para diálogo, e é o que nós queremos. Penso que o Ministério quererá isso, também, e o próprio Presidente da República assim o solicitou e o tem apregoado. Penso que existem condições para podermos negociar e que, neste momento, todos têm boa-vontade.

As greves são um último recurso e as formas de luta que estão a acontecer, de facto, não são só de agora. Isto tem sido um aglomerar de situações, de 2005 para cá, e agora, de facto, foi a gota de água. Mas, obviamente, agora temos de ter a serenidade suficiente para, sexta-feira, ouvir a equipa ministerial - porque, efetivamente, é a terceira reunião sobre a alteração do regime de concursos e esperamos, claro, que apresentem um conjunto de matérias para serem negociadas e, de uma forma séria, expusessem um calendário negocial, para podermos discutir essas matérias, com responsabilidade, para responder aos interesses, principalmente, dos alunos, das famílias, da sociedade, mas também, em particular, dos professores e dos educadores. Porque, de facto, professores motivados e reconhecidos, são uma inspiração, também, para os alunos. Sentindo os professores que estão motivados, melhor desempenho profissional terão também, porque melhor estabilidade pessoal, familiar, emocional também, que também é necessário para ser professor.

Muito se tem debatido, na opinião pública, sobre o impacto que esta greve tem tido nas famílias e, também, na educação dos estudantes, principalmente após dois anos de muitas pausas letivas derivadas da pandemia. O que tem a dizer a estes pais que estão, neste momento, a viver mais um momento disruptivo nas suas vidas familiares?

Eu tenho conversado com muitos pais, que não são professores, que estão do nosso lado e compreendem as nossas preocupações. Porque, de facto, a escola pública é um reflexo da sociedade e influencia a forma como a sociedade se transforma. E o objetivo é que se criem ambiências positivas para a aprendizagem. E nós também sabemos que existem alguns currículos que ainda estão um bocadinho gordos, que é preciso reformular; que é preciso melhorar algumas condições na escola pública e que são preciso mais alguns técnicos. Mas, essencialmente, são precisos mais professores. Não temos nada contra os professores que estão a entrar agora com habilitação própria para resolver as situações de falta de docentes, mas a verdade é que é preciso manter a qualidade, tem de se repensar a formação inicial de professores, nomeadamente os estágios pedagógicos remunerados e com alguma exigência, e não facilitar na mesma. Porque isso também seria, depois, digamos, uma desvalorização da própria qualidade do ensino e da escola pública.

Greves? São um grito de descontentamento e de cansaço.

Então é essa, precisamente, a mensagem que os docentes estão também a tentar passar aos encarregados de educação durante o curso destas greves, correto?

Sim. E eles têm, também, dito que querem ver a situação resolvida. E o objetivo tem de ser, efetivamente, investir em resolver os problemas enumerados, até 2030, e existem até algumas propostas nesse sentido, para repensar a formação inicial de professores, para a estimular, para se reunir com as instituições de ensino superior, universidades, politécnicos, e estruturar novos mestrados em Ensino. É preciso repensar isto tudo. Porque a escola, para além de ensinar e transmitir conhecimento, além de formar e de qualificar, também capacita o cidadão para a sua participação na sociedade, para a sua educação cívica, para o seu espírito crítico e para usufruir, da melhor forma, dos seus direitos e das suas liberdades. É isso que a escola, também, ensina. E é preciso não formatar os alunos e, ao que parece, o objetivo passa também por alterar um pouco esse facto - mas, para isso, é preciso dar condições aos profissionais e à própria escola. E penso que é esse o sentido, que a nossa luta, ao fim e ao cabo, espelha um pouco o desafio de, se calhar, toda a sociedade, dos próprios pais e dos próprios alunos. E é, também, um grito de descontentamento e de cansaço.

Os vários meios de comunicação social têm ilustrado, efetivamente, que, para além dos professores, também assistentes operacionais, encarregados de educação e alunos se têm aglomerado às portas das escolas, pedindo melhores condições para os docentes. É sinal de que a sociedade, no seu todo, está solidária com a mobilização?

Quer os professores, quer os alunos, quer os pais, têm de ter espaço para viver em sociedade, em família e com amigos. E eles entendem isso. E quando estamos aqui, essencialmente, em luta, é porque, de facto, nós precisamos de dinheiro. Um professor com 20 anos de carreira, que está a meio da mesma, ganhar atualmente 1.200 euros líquidos, para uma profissão que lhe exige médias e longas deslocações, situações de alojamento em partes do país altamente turísticas, em que os preços sobem de forma exorbitante, é difícil. Até porque ainda temos hoje muitos professores dos quadros que estão longe das suas residências, e 75% dos professores já tem mais de 50 anos de idade. O que se passa é que esses professores não podem, agora, ser colocados em qualquer parte do país. Têm as suas residências, as quais estão a pagar, os seus carros, as creches e as propinas dos filhos, a ajudar a pagar os lares dos sogros e dos pais, ou os filhos com as creches dos netos. Temos direito ao trabalho, mas também temos direito à nossa estabilidade pessoal, familiar e social. 

E sim, vão haver sempre professores que vão continuar a ficar longe das suas residências, porque mesmo que as medidas que defendemos se venham a concretizar, porque haverão, por exemplo, professores do Porto que poderão, eventualmente, estar em Lisboa, Santarém ou Castelo Branco, porque nem todas as partes do país têm professores do mesmo grupo disciplinar em número suficiente para responder às necessidades. Claro que vão haver sempre deslocações, isso é incontornável. E no nosso país, que as deslocações são médias ou até longas, tem de se pensar efetivamente num processo de apoio às deslocações e ao alojamento, e nós até sugerimos que pudesse haver um teto no IRS, para poder reduzir, em sede de IRS, as despesas que nós temos com as nossas deslocações. O preço dos combustíveis estão altíssimos, nós precisamos dos nossos carros para nos deslocarmos para as escolas, que não ficam próximas umas das outras, até por causa dos mega-agrupamentos.

Dos muitos colegas, formados, que concorriam e não tinham colocação, 12 mil saíram do ensino.

Muito se tem discutido, também, sobre a necessidade de tornar a carreira atrativa para os mais jovens. O que deve ser feito nesse sentido?

Há que ter aqui em conta a questão do aumento da carreira, que é demasiado longa. Em 2005 aposentávamo-nos todos aos 36 anos [de carreira], com 60 anos de idade, e neste momento, sendo uma carreira especial, considerada pela Organização Internacional do Trabalho, em 1981, uma profissão de desgaste rápido, a nível emocional e intelectual, estamos no regime geral de trabalho como as outras carreiras, sem uma pré-reforma justa, pois somos muito penalizados se pedirmos uma reforma por antecipação - e nesses casos podemos ficar com reformas de 700 ou 800 euros, com uma carreira contributiva de 40 anos, face à taxa de sustentabilidade que existe e às penalizações de 6% em cada ano. É por isso que nós defendemos que esta carreira longa criou, também, a falta de professores de que falamos. Dos muitos colegas, formados, que concorriam e não tinham colocação, 12 mil saíram do ensino, e foram procurar outras profissões, porque também têm direito a ter estabilidade familiar, pessoal e profissional. É preciso mais gente para a carreira e recuperar estes colegas que a abandonaram e, para isso, é preciso investir no reconhecimento dos professores e no seu profissionalismo. E devia repensar-se, também, esta questão da aposentação para atrair os jovens, que em 2023 ficou fixada nos 66 anos e quatro meses. Podem dizer que é o regime geral da Função Pública, mas nós somos uma carreira especial. 

E, a este nível, há uma outra coisa que sempre foi importante no sistema de ensino, que é o transfer pedagógico entre gerações mais jovens e gerações mais antigas na profissão, porque junta a experiência inovadora que vem dos cursos de formação inicial, com a experiência no terreno de muitos anos de carreira. Essas sinergias pedagógicas e metodológicas, são elas que fazem uma escola pública de qualidade. E isso não está a acontecer neste momento.

Como tem sido a adesão dos profissionais do setor às greves convocadas pelas estruturas sindicais, como é o caso do SIPE? Tem correspondido às expectativas?

A greve do SIPE iniciou-se em janeiro e visava o primeiro tempo da componente letiva ou não letiva dos docentes. Sabemos que muita gente tem aderido, e isso é notório nas televisões. Temos notado ao longo destas semanas e desta luta continua que, ao início da manhã, muita gente está concentrada, a utilizar o seu direito individual à greve. Ela surge em paralelo com uma outra greve, convocada por outra organização sindical por tempo indeterminado, e depois sabemos que existe também uma outra greve convocada ao sobretrabalho. Sabemos que a adesão tem sido grande, mas é difícil contabilizar a percentagem, porque a nossa greve é só ao primeiro tempo. Fui também informado que, mesmo ao nível das escolas, tem havido alguma dificuldade em identificar a greve ao primeiro tempo, porque depois há também professores que o fazem noutros tempos. É mais fácil fazê-lo quando as greves são feitas por dias. Mas tem sido, efetivamente, muito significativa.

Dar esperança na educação é a base de todo o desenvolvimento económico, cultural e social de um país

O ministro João Costa admitiu, inclusive, poder vir a pedir que sejam decretados serviços mínimos para fazer face à greve dos professores. Como vê essa possibilidade?

Em defesa do bom ambiente da escola pública, e de entrarmos num processo negocial responsável e sério, e eu penso que há boa-vontade, de ambas as partes, nessa matéria, eu espero que isso não venha a ser necessário. É um direito que assiste ao Ministério da Educação, em termos legais, mas espero que não seja esse o caminho. Sou otimista e penso que o que está aqui em causa é a educação dos nossos alunos. E depois de uma pandemia, em que realmente há um programa de recuperação de aprendizagens e em que devemos ter essa atitude responsável, penso que quer o Ministério, quer os sindicatos, quer os professores, não querem isso. E nós estamos, claro, com o Ministério, para dialogar. Mas, lá está, também depende agora da abertura da equipa ministerial para essa situação. Julgamos que haverá boa-vontade e que, talvez, possamos encontrar aqui um desejo de negociar, e efetivamente há esse espaço para diálogo. Agora, vamos ver. Começaram na quarta-feira as reuniões com as mesas sindicais, as quais continuam na sexta-feira. Depois disso, logo se vê. Mas espero que o Ministério não venha recorrer a isso, em prol da escola pública e, essencialmente, dos nossos alunos. Porque dar esperança na educação é a base de todo o desenvolvimento económico, cultural e social de um país. 

O Ministério da Educação revelou, na semana passada, ter pedido um parecer jurídico à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a legalidade da forma de execução destas greves. De que forma a SIPE interpreta esta ação do Governo? Existem, efetivamente, mecanismos ilegais que estão a ser usados em algumas das paralisações em curso no país?

A greve é um direito fruto da democracia, do 25 de Abril e da nossa liberdade de participação e de expressão, e assiste a qualquer cidadão utilizá-lo. É muito importante para a vida da nossa democracia. No que diz respeito à greve do SIPE, sobre a qual posso pronunciar-me, nós estamos completamente convictos de que ela é legal. Obviamente respeitamos o Ministério por ter solicitado o parecer à Procuradoria-Geral da República, mas estamos serenos, por termos a certeza de que a nossa greve é legal, porque os nossos juristas também assim o analisaram. E porque, também, já em tempos anteriores houve greves convocadas, por outras organizações, ao primeiro tempo da componente letiva. Não há dúvidas para nós em relação à legalidade da greve, mas vamos esperar pelo parecer.

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