"Embaixadas russas na Europa têm a tarefa de ativar guerra híbrida"
Volodymyr Kozlov, Encarregado de Negócios da Ucrânia na República Portuguesa, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
© Embaixada da Ucrânia na República Portuguesa
Mundo Guerra na Ucrânia
Volodymyr Kozlov é, neste momento, o Encarregado de Negócios da Ucrânia na República Portuguesa. Ocupa o cargo após a saída de Inna Ohnivets, que cessou funções depois de sete anos como embaixadora, e aguarda a chegada do novo/a embaixador/a.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto a propósito do marco do primeiro ano de guerra na Ucrânia, Kozlov subscreve as palavras de Zelensky e pede armas para que a Ucrânia possa sair vitoriosa.
O Encarregado de Negócios da Ucrânia na República Portuguesa revela ainda que a guerra híbrida de que tanto se fala, já estará em curso.
"Temos informação de que embaixadas russas, nas capitais de países europeus, têm a tarefa de ativar a sua guerra híbrida", afirma, frisando que isto acontece porque Putin não tem vitórias no campo de batalha.
Numa altura em que a Ucrânia avança com as sanções contra a indústria nuclear russa e pede que estas se tornem parte das sanções globais, acredita que algum dia Putin será capaz de iniciar uma guerra nuclear?
Sobre a questão nuclear e do possível uso desse tipo de armas por parte do senhor Putin, eu acho que esse perigo existe. Mas acho também que esse perigo diminuiu ao passo que Putin entendeu o que isso significaria. Muitos líderes de países ocidentais falaram sobre o tema, como um alerta.
Já sobre as sanções... Uma das direções do apoio da União Europeia à Ucrânia foi a introdução de nove pacotes de sanções económicas e individuais setoriais contra a Federação Russa, que limitam significativamente as capacidades da sua 'máquina de guerra' e as receitas orçamentais.
Atualmente, os governos nacionais dos países da UE estão a considerar a preparação do 10.º pacote de sanções contra o país agressor, que limitará ainda mais o seu acesso às tecnologias modernas e incluirá medidas contra países e empresas que ajudam a Rússia a contornar as medidas restritivas aplicadas.
A Rússia deve perder o seu lugar como um dos maiores exportadores no mercado global de energia, o que a impediria de financiar guerras e chantagear outros países. O teto de preço do petróleo russo introduzido pelos países do G7 privou a Rússia de 8 mil milhões de dólares em receita apenas em janeiro de 2023. Esperamos que os nossos parceiros revejam o preço máximo do petróleo transportado por via marítima russa, diminuindo-o. Para ser mais eficaz, o nível atual de 60 dólares por barril deve ser duas vezes menor, cerca de 30-35 dólares.
No dia 5 de fevereiro, o Conselho da UE estabeleceu dois limites de preço para produtos petrolíferos originários ou exportados da Rússia em 100 dólares por barril para produtos petrolíferos negociados com prémio em relação ao petróleo bruto e 45 dólares para produtos petrolíferos negociados com desconto em relação ao petróleo bruto.
A indústria russa de produção de ouro deve ser coberta com sanções de bloqueio total. Restringir o acesso da Rússia ao transporte marítimo prejudicaria ainda mais a sua economia voltada para a exportação.
Precisamos de mais passos para desconectar mais bancos russos do sistema financeiro ocidental e excluir a Rússia de todas as organizações financeiras internacionais como o FMI, Banco Mundial, etc.
O fortalecimento das sanções é necessário para garantir que a Rússia não seja capaz de fabricar e manter armas de alta tecnologia, principalmente mísseis que atacam civis e infraestruturas críticas civis. Esperamos que acelere a confiscação legal das reservas cambiais congeladas da Rússia e dos ativos no exterior para indemnizações à Ucrânia e aos cidadãos ucranianos. A Bielorrússia e o Irão devem ser punidos pelo seu papel na guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Putin entende apenas força. A verdade é que gostaríamos de ter negociado, mas tal não foi possível, como todos pudemos ver
Mais de metade do território da Ucrânia ocupado pelo agressor após a invasão de 24 de fevereiro já foi libertada, mas não era aqui que achávamos que estaríamos passado um ano. O que falta para a Ucrânia poder sair vitoriosa?
Precisamos de mais armas, de mais ajuda financeira e também humanitária, da parte dos aliados - da União Europeia, Estados Unidos e todos os países democráticos. Putin entende apenas força. A verdade é que gostaríamos de ter negociado, mas tal não foi possível, como todos pudemos ver. Todas as tentativas foram goradas e esgotadas.
Mas foram dados passos, com Zelensky na União Europeia, no dia 9 de fevereiro, com a junção dos países democráticos para apoiar a Ucrânia nesta luta.
Gostava de aproveitar esta entrevista para agradecer ao Governo de Portugal, e pessoalmente ao primeiro-ministro António Costa pela decisão de enviar, já em março, os tanques Leopard2
Qual a verdadeira importância da entrada na UE para a Ucrânia e para o seu povo?
O Presidente Volodymyr Zelensky discursou na cimeira a 9 de fevereiro, na reunião de chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da União Europeia, onde voltou a divulgar a intenção da Ucrânia em fazer parte da União Europeia. A visão de ingressar na UE motiva o nosso povo a permanecer forte e a manter o rumo. A Ucrânia será membro de uma União Europeia que está a ganhar esta guerra. A Europa sempre será a Europa, enquanto estivermos juntos e cuidarmos do modo de vida europeu.
Já a 24.ª Cimeira entre a União Europeia e a Ucrânia, que teve lugar em Kyiv a 3 de fevereiro, trouxe bons resultados para a Ucrânia. Tratou-se da primeira cimeira UE-Ucrânia a realizar-se desde o início da agressão russa, bem como desde que o Conselho Europeu concedeu à Ucrânia o estatuto de país candidato.
A ajuda à Ucrânia ascende aos 67 mil milhões de euros, refere um documento de conclusões da cimeira. Esta 24.ª cimeira Ucrânia-EU proporcionou um forte apoio moral, político e prático para a Ucrânia (foi aprovado o 7.º pacote de ajuda militar de 500 milhões de euros e de 45 milhões de euros para a formação de militares ucranianos) na guerra contra os invasores russos.
Basta lembrarmo-nos de quando diziam que estes tanques eram uma arma de guerra, e agora enviam-nos. Portanto, quanto aos caças ou aviões, vamos ver
Vários líderes, como Sunak, Biden ou até António Costa já negaram envio de caças ou aviões. Como vê estas decisões?
Cada país atua e ajuda a Ucrânia consoante as suas possibilidades, sabemos disso. E gostava de aproveitar esta entrevista para agradecer ao Governo de Portugal, e pessoalmente ao primeiro-ministro António Costa pela decisão de enviar, já em março, os tanques Leopard2.
Temos conhecimento das últimas declarações do primeiro-ministro [em que confirma a impossibilidade de enviar aviões de combate para a Ucrânia], mas vejamos: enviar Leopard2, há uns meses, era impossível para muitos países. Basta lembrarmo-nos de quando diziam que estes tanques eram uma arma de guerra, e agora enviam-nos. Portanto, quanto aos caças ou aviões, vamos ver.
Putin gosta de datas importantes. Aproxima-se a data de um ano de guerra e ele pode atacar. Já temos, aliás, informação de que embaixadas russas, nas capitais de países europeus, têm a tarefa de ativar a sua guerra híbrida
Zelensky alertou, na passada quinta-feira, para “ofensivas híbridas” da Rússia em países europeus, com técnicas como “desinformação, sabotagem, influência de políticos, corrupção e ciberataques”. Vê isto a acontecer rapidamente com o arrastar da guerra?
Sim, acho que a probabilidade de esse tipo de ataques acontecerem é bastante alta. Não tendo vitórias no campo de batalha, a Rússia vai tentar chantagear e sabotar os nossos parceiros ocidentais. Essa guerra híbrida vai continuar e Putin gosta de datas importantes. Aproxima-se a data de um ano de guerra e ele pode atacar. Já temos, aliás, informação de que embaixadas russas, nas capitais de países europeus, têm a tarefa de ativar a sua guerra híbrida.
Tem conhecimento de que tal esteja a ocorrer em Portugal?
Não posso falar sobre isso.
A Embaixada da Ucrânia tem tido conhecimento dos problemas com que os nossos cidadãos se deparam em Portugal
Desde que começou a guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, Portugal atribuiu até mais de 57 mil proteções temporárias a ucranianos. Que desafios têm tido estas pessoas?
Antes de mais, a Embaixada da Ucrânia em Portugal agradece a todos os portugueses e portuguesas que ajudaram e têm ajudado os nossos deslocados.
Além disso, ao longo dos últimos anos, cada vez mais portugueses têm vindo a demonstrar interesse pela Ucrânia, e tal veio a confirmar-se principalmente neste último ano, através da ajuda prestada à Ucrânia - humanitária e financeira, inclusive de armamento para combater o agressor russo.
Ainda dentro do campo de ajuda humanitária, Portugal reagiu de forma muito rápida ao acolher os milhares de pessoas deslocadas que tiveram de escapar à guerra – foram criados dezenas de centros de acolhimento no país inteiro com todas as condições necessárias, onde as pessoas pudessem passar o primeiro tempo, até que organizassem as suas vidas, que sofreram reviravoltas drásticas.
Neste sentido, Portugal acolheu já mais de 57 mil deslocados ucranianos. Mais ainda, ao longo destes meses, foram organizados por parte dos portugueses inúmeros eventos, tais como festivais, concertos solidários, feiras, cujo objetivo era reunir doações que pudessem ajudar os ucranianos. Isto tornou-se possível graças à generosidade da comunidade portuguesa, que partilhou desta nossa dor como sua, e mobilizou todos os seus esforços para poder apoiar todos os ucranianos que chegassem a Portugal.
A Embaixada da Ucrânia tem tido conhecimento dos problemas com que os nossos cidadãos se deparam em Portugal. Tais problemas vêm desde o longo processo de emissão dos certificados de proteção temporária dos nossos compatriotas, a não existência de um algoritmo claro de anulação do estatuto de proteção para os cidadãos que decidem mudar para outro país, o não reconhecimento dos nossos documentos através da aplicação digital ucraniana 'Diya', desenvolvida pelo Estado ucraniano, entre outros processos burocráticos. Ao mesmo tempo, a Embaixada tenta sempre dar conhecimento destas questões às instituições competentes e aos órgãos governamentais de Portugal, com os quais tenta chegar às possíveis soluções.
O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal afirmou recentemente que a habitação é o principal problema dos refugiados ucranianos em Portugal. Como é que estas pessoas estão a ser acompanhadas?
Todos esses temas são falados e discutidos com representantes do Governo de Portugal, este tema incluído. Falámos com deputados e com o nosso grupo de amizade que é liderado pelo senhor deputado Diogo Leão, e pedimos que este mesmo assunto seja discutido na Assembleia da República.
A Embaixada da Ucrânia já tinha alertado várias vezes sobre a presença de organizações e pessoas pró-russas que arranjam forma de se envolver nos vários órgãos governamentais de Portugal
Acha que o caso do acolhimento em Setúbal teve o desfecho correto?
Quanto ao caso de acolhimento da Câmara Municipal de Setúbal, nós tomámos conhecimento de toda a situação. Obviamente que condenamos qualquer ato que ponha em risco os nossos cidadãos ucranianos ou as suas famílias, contudo é da responsabilidade dos órgãos portugueses averiguarem situações deste tipo. Nós confiamos plenamente na Justiça portuguesa e temos a certeza de que foi feito tudo para que os nossos deslocados estivessem em segurança, mesmo estando longe da sua casa.
A Embaixada da Ucrânia está informada de todos os detalhes. Apesar de nunca estar envolvida diretamente nos processos de acolhimento de cada autarquia, sabemos que em Setúbal, aquando do acolhimento dos ucranianos, contava-se com a presença de dois cidadãos russos, Igor e Yulia Khashin, que supostamente serviam como tradutores, no entanto, sabe-se muito bem que estes têm ligações muito estreitas não só com a Embaixada russa, mas também com representantes do Governo russo através da associação 'Edinstvo', que é presidida exatamente pelo Igor Khashin. Não bastando o facto de a associação ser obviamente pró-russa, o seu presidente participou em inúmeros eventos de apoio ao governo russo, nomeadamente, no VI Congresso Mundial de Compatriotas russos que vivem no Estrangeiro, evento em que o próprio Putin discursou, tal como o ministro dos Negócios Estrangeiros, Lavrov.
A Embaixada da Ucrânia já tinha alertado várias vezes sobre a presença de organizações e pessoas pró-russas que arranjam forma de se envolver nos vários órgãos governamentais de Portugal, como aconteceu agora na Câmara de Setúbal.
Acha que a situação se pode repetir no nosso país?
Sim, entendemos que esta situação pode repetir-se, mas temos de fazer de tudo para com que não aconteça. Por exemplo, os jornalistas portugueses têm um importante papel e ajudam-nos a verificar possíveis violações das normas sobre acolhimento de cidadãos ucranianos.
Sabemos também que Portugal tem muitos partidos e sabemos que um partido em específico não apoia a Ucrânia nesta guerra...
Putin doente? Acredito que não devemos esperar que Putin deixe o poder de uma forma ou de outra, mas fazer tudo com esforços conjuntos para que a Ucrânia vença esta guerra e os culpados dos crimes russos sejam punidos
As especulações sobre a saúde de Putin têm-se acumulado, sendo até lançadas como parte da explicação desta guerra. Putin está mesmo doente?
As conversas sobre a saúde de Putin tornaram-se mais frequentes nos últimos dois anos. Ao mesmo tempo, como o ditador russo está no poder há mais de 23 anos e criou um sistema de silêncio e proibição total de qualquer informação sobre sua saúde, não temos informações confiáveis.
Neste contexto, gostaria de mencionar uma entrevista em janeiro deste ano com o chefe da Diretoria Principal de Inteligência do Ministério da Defesa da Ucrânia, Kyryl Budanov, que tem mais informações do que as pessoas comuns sobre o estado de saúde do chefe do estado terrorista russo. Nesta entrevista, Kyryl Budanov falou sobre as doenças graves de Putin e o uso de duplos para esconder os seus problemas de saúde.
Ao mesmo tempo, acredito que não devemos esperar que Putin deixe o poder de uma forma ou de outra, mas fazer tudo com esforços conjuntos para que a Ucrânia vença esta guerra e os culpados dos crimes russos sejam punidos.
Desejamos que, neste ano, as Forças Armadas da Ucrânia possam restabelecer as fronteiras internacionalmente reconhecidas de 1991 e libertar as nossas terras do inimigo russo, bem como construir o nosso futuro.
Estou convencido de que graças ao patriotismo incrível dos ucranianos, à ajuda dos países democráticos do mundo, incluindo Portugal, venceremos e reconstruiremos a nossa querida Ucrânia. Estamos gratos a todos, em particular a Portugal, por acreditarem na nossa vitória e estarem prontos a ajudar-nos a todos os níveis para a alcançar.
Falou recentemente no projeto geral de reconstrução da Ucrânia. Portugal também desempenha aqui um papel...
Sim, é verdade. Temos muito a agradecer a Portugal, nomeadamente no que toca ao projeto levado a cabo em Zhytomyr, mas também a ajuda da Câmara Municipal de Cascais, que no final do passado ano doou 500 mil euros para a reconstrução das escolas de Irpin e Bucha. É um contributo muito importante e reconhecemos o esforço de Portugal.
O novo embaixador ou embaixadora chega a Portugal em pouco tempo para tomar o lugar
Por fim gostava de lhe perguntar como tem sido a sua experiência como embaixador em Portugal, mesmo sabendo que ocupa o cargo a título temporário.
Sou Encarregado de Negócios. O novo embaixador ou embaixadora chega a Portugal em pouco tempo para tomar o lugar. Estou nesta posição há quase quatro meses e apesar dos tempos difíceis, só tenho coisas positivas a dizer sobre a parceria com Portugal.
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