"Surf? Força de pernas sim, mas não é preciso ser um Schwarzenegger"
Frederico Morais esteve à conversa com o Desporto ao Minuto, numa altura em que está a competir na Liga Mundial de Surf (WSL), em Peniche.
© Getty Images
Desporto Exclusivo
Frederico Morais, tricampeão nacional (2013, 2015 e 2020), está neste momento a matar saudades do circuito mundial em Peniche, onde decorre neste momento a terceira etapa da Liga Mundial de Surf (WSL).
Competição onde já esteve por vários anos, tendo sido despromovido na última época. Chega a Peniche, ocupando agora uma das duas vagas por convite no quadro masculino.
À conversa com o Desporto ao Minuto, o surfista de 31 anos passou em revista este torneio, bem como a evolução da modalidade em Portugal. Deixou conselhos aos mais jovens e falou da importância de cuidar do corpo para chegar ao nível de elite. Frederico Morais também não escondeu que as praias portuguesas são as que melhores garantias oferecem para a prática deste desporto.
Não há ninguém na praia que diga de quem pode ou não surfar determinada onda
O que seria um bom resultado para o Frederico Morais em Peniche?
Uma pessoa vem sempre aqui para ganhar, como é óbvio. Esse é o objetivo em todos os campeonatos em que eu entro. Agora, um bom resultado na verdade, para mim… quanto mais longe chegar ótimo, agora isto não me vai dar nada, porque não estou no World Tour. Estou aqui sim como convidado, ou seja não contam os pontos, não conta nada. É uma prova que, para mim, não terá qualquer influência no ranking.
O que torna o nosso país tão especial para a prática desta modalidade?
Primeiro, a costa que nós temos tem ondas excelentes para o ano inteiro. Claro que o inverno é o 'prime-time' para a prática deste desporto, mas no verão também conseguimos encontrar ondas em todo o lado. E depois, e muitas das vezes vemos isso como um ponto negativo, mas o facto de sermos um país pequenino torna mais fácil chegar a todo o lado e as viagens não se tornam muito longas. Num par de horas, estamos em vários locais. E depois temos a vantagem de ser um povo acolhedor e um povo feliz, tudo isso ajuda e é cativante para quem nos visita.
As praias são muitas, os quilómetros de costa também, mas quais são as melhores zonas do país para à prática do surf?
Os dois locais que são mais conhecidos e mais abundantes ao nível de ondas são Peniche e Ericeira. Aí conseguimos surfar todo o tipo de ondas, e é garantido que vamos sempre conseguir fazer qualquer coisa.
A ondulação aí também será maior…
Também. Mas esses sítios acabam efetivamente por ser melhores, devido à regularidade das ondas. Até uma pequena onda nós conseguimos surfar na Ercieira ou em Peniche.
Sabemos que o surf está numa fase de ascensão em Portugal, mas o que pode contribuir para haver uma explosão ainda maior?
Acho que, cada vez mais, é necessário aparecer um maior número de atletas. Se nós não tivermos esse crescimento, torna-se difícil a modalidade subir de patamar. Nós precisamos de fomentar a criação de novos talentos, bem como treinadores, para que essa continuidade na aposta do surf possa colher outros frutos.
Frederico Morais em ação no EDP Vissla Pro Ericeira.© Getty Images
Para ser um bom surfista é preciso bastante prática e devoção, porém também é necessário um dom para chegar ao nível de elite?
Acho que para chegar a um nível de elite obviamente que ter um dom facilita em algumas partes do caminho, mas também acredito que o trabalho e a dedicação são capazes de ganhar ao dom. Às vezes, quem não tem o dom até se esforça mais e empenha-se de outra forma comparativamente a quem já comporta o jeito inato para aquilo que faz. O espírito de sacrifício faz a diferença nesta modalidade. Agora, trabalho e devoção, conjugado com um dom, é a receita perfeita.
Sabemos que no desporto é necessário ter uma enorme preocupação com o físico. No surf qual é a quota de importância desta variante para a prática da modalidade?
Hoje em dia começa a ser cada vez mais importante. Primeiro, é super importante para a prevenção de lesões, já que nós usamos e dependemos muito do nosso corpo. E depois porque o surf está a chegar a um nível tão alto que acaba por ser a diferença que torna os surfistas ainda melhores. Quem cuida melhor do seu corpo é quem acaba por atingir resultados ainda melhores. Todos os surfistas que eu conheço, e convivo diariamente, têm um cuidado e um foco gigante na maneira como tratam o corpo.
E ter um bom índice de massa muscular pode ser determinante para alcançar melhores resultados?
Penso que não. Acho que isso é bastante relativo, porque não é por ser fortíssimo que vou ser melhor surfista. Nesta modalidade nós temos de ser bastante ágeis, quase elásticos. Estamos num piscar de olhos sentados como de pé, por isso o importante é possuir bastante força nas pernas e na zona abdominal. Agora, ter força de pernas não significa ser um Arnold Schwarzenegger…
Pode então até ser prejudicial ter uma carga excessiva de massa muscular?
Prejudicial não sei, agora, se calhar, um surfista mais lento em certos movimentos. Mas, essas coisas trabalham-se. Há pessoas que são fortíssimas e conseguem mover-se bastante rápido. Honestamente, eu não conheço assim nenhum surfista bastante musculado… Mas, para mim, o importante é o surfista sentir-se bem com o seu corpo e ele permitir o atleta competir a um nível top.
Existem praias e ondas de maior e menor risco. Quando é que um surfista sabe que está a atravessar uma linha vermelha?
Eu acho que isso existe, mas agora isso depende muito do à vontade que cada surfista tem para cada tipo de onda. Cabe a cada um ter o bom senso de medir a sua capacidade para o tipo de onda que pode surfar. Mas não há ninguém na praia que diga de quem pode ou não surfar determinada onda. A decisão de rumar para uma onda é sempre nossa.
Nunca senti que tive a minha vida por um fio…
E tu já sentiste que passaste essa linha vermelha?
Nós estando no World Tour, e nas etapas que estamos a competir, sabemos que há esse risco e que algo pode suceder. Agora, uma pessoa tem é de saber gerir esse risco. Nós somos dos melhores surfistas do mundo e temos de estar preparados para surfar qualquer onda.
E já temeste pela tua vida em algum momento?
Não, felizmente ainda não temi pela minha vida. Nunca senti que tive a minha vida por um fio…
O que tens ainda por conquistar?
Adorava voltava ao World Tour, esse é sem dúvida o meu objetivo para este ano. Agora, conquistar? Já realizei grande parte dos meus sonhos. Adorava um dia fazer as ‘'finals'. Seria uma grande conquista para mim, a nível pessoal.
E a melhor onda que surfaste até ao momento?
Jeffreys Bay, na África do Sul.
E o melhor elogio que já te fizeram até hoje?
Lembro-me, por exemplo, em 2016. Ainda não estava no World Tour, estava a fazer freesurf e na altura um surfista que estava no tour, agora já retirado, o taitiano Michel Bourez, quando estávamos a surfar e ele vira-se para mim e diz: ‘Tu vais qualificar-te’. Nessa altura estava longe no ranking, nada bem posicionado, e naquele aquele ano acabei por me qualificar. E 2016 foi o meu primeiro ano no World Tour. Ele ter-me dito aquilo na água, e naquele momento, foi marcante. Alguém que já está elite dizer a alguém que ainda não está no World Tour que se vai qualificar é bastante gratificante.
Há um limite de idade para uma pessoa se reformar desta modalidade?
Diria que o limite está um pouco na nossa cabeça. Depende muito da motivação e do que a pessoa quer para a sua vida. Se tem como objetivo, por exemplo, o foco na família ou não. Surfar, apenas como hobby, pode fazê-lo até não conseguir dar mais. Agora, para competir na elite é preciso ter outro nível de exigência, porque são muitas as viagens e muitos os campeonatos. Todos os surfistas que conheço, geralmente, têm por hábito retirar-se por volta dos 36/37 anos. Temos o exemplo do Kelly Slater, que é um exemplo raro, já com 51 anos, e continua no World Tour e em ótima forma.
Para jovens surfistas que estão agora a começar na prática da modalidade, que conselhos darias?
Diria para se prepararem, porque vão haver mais derrotas do que vitórias, o que é normal, mas para uma pessoa saber lidar com isto tem de realmente gostar do que está a fazer ali. Por isso é necessário ser um apaixonado do surf para aqui estar. E depois têm de associar isso à prática. Importa também pensar mais a longo prazo do que a curto prazo, porque os momentos de glória não aparecem logo, mas apenas após alguns anos de trabalho.
Leia Também: Arranque da prova da elite mundial em Peniche adiado devido ao vento
Comentários
Regras de conduta dos comentários