"Em qualquer país da UE, o Governo já tinha caído, não era só Galamba"
Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal, é convidado desta quarta-feira do Vozes ao Minuto.
© Junior De Vecchi
Política Entrevista
Tem apenas 27 anos e, apesar de ter chegado ao Parlamento há pouco mais de um ano, o papel de Bernardo Blanco na comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão da TAP - onde é já considerado a grande revelação - não passa despercebido.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, ainda antes de se saber que António Costa iria decidir manter João Galamba como ministro das Infraestruturas, o também vice-presidente da Iniciativa Liberal admitia que esta possibilidade não seria uma situação sustentável a longo prazo e defendia, aliás, que num país "um bocadinho mais desenvolvido, o Governo já tinha caído há muito tempo".
Para Bernardo Blanco, a "única estabilidade" que o país tem visto "é a perpetuação de alguns socialistas em alguns cargos de poder" e mostra-se imperturbado quando questionado sobre o facto de o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhantes Dias, ter lançado suspeitas sobre os deputados da comissão de inquérito no que diz respeito à fuga de informação de documentos classificados: "No único caso em que a imagem do Governo é fortemente afetada é que houve uma indignação seletiva do PS".
Temos conseguido descobrir muitas coisas - coisas com impacto político, coisas que têm levado até a outros acontecimentos
Pode dizer-se que foi uma das surpresas da comissão de inquérito à TAP. Acabou por se revelar um desafio maior do que esperava?
Não, o desafio não sei se é maior àquilo que eu esperava. O que se tornou maior, se calhar, é a exposição que tive, e que também é boa para o partido, obviamente, depois do que aconteceu em algumas audições, sobretudo na audição da CEO, onde foi relevada muita coisa. A reunião preparatória, a questão do despacho, o caso do senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, algumas coisas da União Europeia, etc. E por isso, claramente, numa mistura de bom trabalho, acho eu, da nossa equipa parlamentar, e também de alguma sorte nessas audições, tem corrido bem e temos conseguido descobrir muitas coisas - coisas com impacto político, coisas que têm levado até a outros acontecimentos, como esta semana tivemos. Alguns deles até bastante graves, nem tenho memória - perdoe-me a expressão - destas cenas de pancadaria em ministérios. E pronto, vamos ver as consequências também políticas que podem advir daí. Provavelmente, enquanto estivermos aqui nesta entrevista.
Pedro Nuno Santos e o ministro das Finanças assinam um despacho a pedir esclarecimentos à TAP e, horas depois, o secretário de Estado do ministro está com a TAP a escrever as respostas à própria pergunta. É o Governo a responder ao próprio Governo
Antes de irmos a isso, gostava de voltar um bocadinho atrás. Há uns tempos, noutras entrevistas, chegou a dizer que aquilo que considerava mais grave até então era o despacho no qual os Ministérios das Infraestruturas e das Finanças pediam explicações à TAP sobre a indemnização a Alexandra Reis...
Pelo menos um dos que tinha tido menos atenção, não é? Por exemplo, a reunião preparatória da CEO com o PS e com o Governo teve muita atenção mediática e esse caso teve bastante menos, mas também me parece igualmente grave. Quer dizer, o ministro Pedro Nuno Santos e o ministro das Finanças assinam um despacho a pedir esclarecimentos à TAP e, horas depois, o secretário de Estado do ministro está com a TAP a escrever as respostas à própria pergunta. É o Governo a responder ao próprio Governo, o que também é uma dissimulação. Foi tudo um número público para fingir que não sabiam nada quando, afinal, sabiam tudo. Por isso, na altura, isso também me pareceu bastante grave tendo em conta que estava a ter pouca atenção mediática.
Ainda não ouvimos na comissão de inquérito nenhum dos governantes
Ia perguntar-lhe se - algumas audições depois e, claro, revelações também - ainda mantinha esta opinião.
Voltará certamente a ser tema porque nós ainda não ouvimos na comissão de inquérito nenhum dos governantes, estão a ficar para o fim. E, por isso, quando eles forem ouvidos, todos esses temas serão levantados e perguntados não só por mim. Porque a esta altura já tudo isto é público e, por isso, já muitos outros deputados farão estas perguntas.
Hugo Mendes? O senhor primeiro-ministro comentou o único caso em que as pessoas que eram impactadas por ele já não tinham responsabilidades políticas
Falávamos aqui que encontrou algumas das informações mais polémicas deste dossier e que visam, sobretudo, a ex-CEO da TAP. Lembremos o caso do e-mail no qual Hugo Mendes, antigo secretário de Estado, solicitava a alteração de um voo do Presidente da República. Na altura, António Costa, que tem dito que vai manter o silêncio até ao fim da CPI, reagiu e disse que se soubesse daquela informação, tal representaria uma "demissão na hora". Como olhou para esta intervenção do primeiro-ministro?
Na altura, foi uma intervenção muito seletiva porque tinha-se sabido de uma série de casos que impactavam ministros do seu Governo atual e pessoas ainda com responsabilidades políticas e o senhor primeiro-ministro comentou o único caso em que as pessoas que eram impactadas por ele já não tinham responsabilidades políticas. Nesse caso, era o secretário de Estado Hugo Mendes e o senhor ministro Pedro Nuno Santos que, como sabemos, já se demitiram.
E depois, o que eu penso que toda a gente sentiu naqueles dias foi que estavam um bocadinho a tentar que o secretário de Estado Hugo Mendes fosse o bode expiatório de tudo. Por isso, todas as culpas passavam a ser dele também no sentido em que, é verdade, ele estava envolvido em muitas coisas porque era o secretário de Estado com esta pasta da TAP e, como já tinha sido demitido, o PS estava a ver se punha as culpas todas nele para não ter de falar nos governantes atuais.
A verdade é que acho que é bastante óbvio que as coisas extravasam e muito o senhor ex-secretário de Estado e envolvem muito mais pessoas e os casos atuais, que já nem têm a ver com Hugo Mendes, têm a ver com governantes atuais. Até penso que foi um bocadinho injusto aquilo que se fez, estar a colocar toda a culpa no senhor - tanto que ele já se disponibilizou para vir o mais rápido possível à comissão de inquérito, coisa que não vai acontecer porque há esta regra práxis de deixar os governantes para o fim - mas, na altura, foi assim que eu vi.
Ainda não percebi bem porque é que o senhor, agora ex-adjunto, Frederico Pinheiro, foi despedido, essa é que é a principal questão
Falávamos da queda de Hugo Mendes e de Pedro Nuno Santos. Agora, o ex-adjunto Frederico Pinheiro também veio agitar as águas para os lados de João Galamba. Como é que tem acompanhado esta polémica ao longo dos últimos dias?
Eu ainda não percebi bem porque é que o senhor, agora ex-adjunto, Frederico Pinheiro, foi despedido, essa é que é a principal questão também. Porque - do Ministério não sei quem é que está a dizer a verdade - mas, independentemente do que aconteceu em específico e obviamente é grave, isso aconteceu como reação, do que eu percebi, ao seu despedimento. Ele recebeu um telefonema a dizer que tinha sido despedido e, entretanto, decidiu ir ao Ministério buscar o computador. O resto é que está por esclarecer. Depois o que aconteceu, que obviamente é grave, é um caso de polícia, não é político.
E a grande questão é efetivamente porque é que ele foi lá. Ele foi lá porque tinha sido demitido, o que ainda não se percebeu bem é porque é que ele foi demitido. Porque das duas uma, ou ele foi demitido porque, e é esse o sentido que as declarações de Frederico Pinheiro parecem querer dar, queria enviar as notas pessoais daquela reunião e o senhor ministro João Galamba não as queria enviar - quando ele soube que as notas foram enviadas despediu o adjunto. Ou então, o único argumento é um argumento mais de quase incompetência de 'esta pessoa teve semanas para se lembrar que tinha umas notas e só agora à ultima da hora é que se lembrou e ia-nos colocando a todos numa situação difícil'.
Mas, para alguém que trabalha há muitos anos no Governo, como é o caso de Frederico Pinheiro, e tendo em conta que ele chegou a enviar a documentação - já muito em cima do prazo, mas enviou - ele na prática não incumpriu nada.
Estes dias todos, infelizmente, foram para coordenar uma versão da história
Agora, parece-me, obviamente, que o senhor ministro não tem condições para continuar, por vários motivos. Primeiro, porque mentiu claramente quando disso que a iniciativa da reunião tinha sido da CEO e nós agora já sabemos que foi o próprio ministro que informou a CEO de que ia haver uma reunião, até porque ela não tem acesso à agenda do Governo e do PS. Para além de a informar, recomendou durante outra reunião que eles tiveram antes, que ela fosse à reunião do dia seguinte. E, depois, foi o próprio Ministério das Infraestruturas que lhe enviou o convite formal, por e-mail, para a reunião. Claramente mentiu a toda a gente.
Pior do que isso - depois este acontecimento também ainda está por esclarecer - é como é que os Serviços de Informações de Segurança (SIS) entram aqui. Não é por um ministro ligar que os Serviços de Informação podem agir, até porque sabemos que têm uma relação direta com o senhor primeiro-ministro. Por isso, isto agora está tudo meio dúbio. Acho que estes dias todos, infelizmente, foram para coordenar uma versão da história. Agora já ouvimos os Serviços de Informação a dizer foi 'iniciativa nossa ir tentar esclarecer', não é a mesma coisa que ser a iniciativa de agir.
Não me parece que os serviços tenham decidido ir ao sítio x por iniciativa própria, tinham de saber o que é estava a acontecer, alguém tinha de lhes ter dado uma ordem. Por isso, tudo isso está por esclarecer. Nos próximos dias, provavelmente irá saber-se muito mais, mas parece-me que estes dias foram mais um silêncio para se tentar arranjar uma versão unânime entre todos, até porque, até agora, as versões têm sido bastante contraditórias.
Acho que em qualquer país da União Europeia, o Governo já tinha caído, não era só o ministro João Galamba
Costa demorou alguns dias a falar sobre esta polémica, mas quando se pronunciou admitiu que "o que se passou" foi "inadmissível". Caso o primeiro-ministro decida manter João Galamba, acha que será uma situação sustentável a longo prazo?
Acho que não, mas a Iniciativa Liberal é suspeita no sentido em que em janeiro apresentou uma moção de censura ao Governo. Acho que num país civilizado, digamos assim, Portugal obviamente é civilizado, mas um bocadinho mais desenvolvido, o Governo já tinha caído há muito tempo com tudo isto, nem que fosse por iniciativa própria.
Porque eu também percebo que o senhor Presidente tenha receio, parece-me que é essencialmente isso, de mandar o Governo abaixo e que depois com eleições o resultado seja exatamente o mesmo. Isso ele também não quer fazer, acho eu, essa figura, digamos assim. Mas, na realidade, tudo aquilo que já se sabe, antes da comissão de inquérito, e agora tudo aquilo que a comissão de inquérito já revelou, acho que em qualquer país da União Europeia, o Governo já tinha caído, não era só o ministro João Galamba.
A única estabilidade que nós temos visto é a perpetuação de alguns socialistas em alguns cargos de poder
Deixe-me perguntar-lhe como é que vê, então, o papel de Marcelo Rebelo de Sousa nesta situação?
Não digo que seja um papel fácil porque obviamente há um ano e meio, quase dois anos, o senhor Presidente da República literalmente mandou o Governo abaixo. Obviamente que havia um motivo forte nessa altura, que foi a não aprovação do Orçamento do Estado, e, por isso, também percebo o seu argumento de 'não quero estar a usar este poder todos os anos', até porque convém haver alguma estabilidade em Democracia.
Mas a única estabilidade que nós temos visto é a perpetuação de alguns socialistas em alguns cargos de poder. De resto...as pessoas têm salários reais menores, a Saúde está estrangulada, as instituições políticas é o que é. Agora até chegámos ao cumulo de ter os Serviços de Informação a ser usados por motivos políticos, quase partidários e, por isso, já não sei bem o que é que segura o Governo. O que segura o Governo é só uma coisa, é o facto de as eleições terem sido a sensivelmente há um ano e meio porque, se não fosse esse facto, penso que o Governo já tinha caído.
Quando se tem uma reunião no dia anterior a uma audição é claramente combinar. Não me parece fazer qualquer sentido, é uma espécie de grande ensaio geral para um teatro no dia a seguir
Há pouco falávamos da reunião preparatória. Há aqui a existência de várias versões, que aliás já abordou. Foram divulgadas mensagens que provam que a bancada parlamentar do PS e a ex-CEO da TAP terão combinado as perguntas e respostas a serem feitas na CPI relativa à indemnização paga pela TAP a Alexandra Reis. É um ataque à democracia, como algumas figuras vieram defender?
Foi um bocadinho falsear a democracia, porque por mais que possam dizer que é uma reunião preparatória, ou o que seja, as perguntas e as respostas fazem-se nas audições. Se todos nós fossemos ter uma reunião no dia antes da audição, não valia a pena ir à audição. A audição é exatamente para isso, é para os deputados fazerem as perguntas e as pessoas darem as respostas, e depois a Assembleia, as pessoas e a imprensa ficarem a saber os esclarecimentos que foram dados ou não dados.
Quando se tem uma reunião no dia anterior é claramente combinar. Não me parece fazer qualquer sentido, é uma espécie de grande ensaio geral para um teatro no dia a seguir e nós obviamente não aceitamos isso.
Até porque o líder parlamentar do PS, há poucos dias, era praticamente o único que andava a normalizar a reunião. E eu até pergunto: se o ministro Pedro Nuno Santos, que agora é deputado, vai ser ouvido na comissão de inquérito, quando ele for ser ouvido, no dia anterior, nós vamos achar normal se o PS reunir com ele? Achamos essa prática normal? Eu acho que ninguém acha isso normal. E, por isso, claramente, o senhor Eurico Brilhante Dias é uma daquelas pessoas que vai na autoestrada em direção oposta aos outros carros todos e acha que toda a gente está mal. Mas aqui até já várias pessoas socialistas, até o próprio presidente da Assembleia da República, já disse que isto não se devia voltar a repetir.
No único caso em que a imagem do Governo é fortemente afetada é que houve uma indignação seletiva do PS. Nós não temos problema nenhum se quiserem fazer uma investigação, o que seja, tem é de ser feita desde início
Sobre esta divulgação de informação, Eurico Brilhante Dias defendeu que foi cometido um crime na Comissão de Inquérito da TAP e que "deve ser investigado". Enquanto membro dessa CPI e deputado, está pronto para os próximos capítulos desta história?
Parece-me uma manobra de diversão do PS. Primeiro, o timming é muito curioso, porque na tarde e na noite anterior tinha acontecido tudo aquilo que nós ainda não sabíamos no Ministério das Infraestruturas. E, por isso, o senhor Eurico Brilhante Dias até decidiu abrir a sexta-feira com essa entrevista, numa espécie de manobra de diversão que serve, essencialmente, para uma coisa: para acondicionar a comissão de inquérito. Ele nessa entrevista já fez a investigação toda sozinho, depois até diz que a culpa é dos deputados da Direita que querem destruir o Estado. Por isso, ele sozinho já fez a investigação toda e já sabe de quem é a culpa.
Mas eu até lhe queria dizer uma coisa que é: os documentos chegam a um lado e têm de vir de outro. O que eu tenho assistido nos últimos dias é uma quantidade de informação e documentação na imprensa que a comissão de inquérito nem sequer tem acesso e, por isso, claramente vem do Governo. Estas mensagens de WhatsApp, que nós vimos durante o fim de semana, entre João Galamba e Frederico Pinheiro, veio de um deles. Porque essas mensagens de WhatsApp, e são sobre a reunião, a comissão de inquérito nem sequer as tem. Claramente essa divulgação de informação, neste caso, vem da parte do Governo.
E depois também há uma indignação muito seletiva, que me chateia um bocadinho. Está a ser divulgada informação desde a primeira semana. As mensagens da CEO, de WhatsApp, com Hugo Mendes, estavam nos telejornais e no Ricardo Araújo Pereira e tudo, antes da audição da CEO aqui. Na altura, o PS não disse nada, não dava jeito. As notícias sobre os fundos Airbus que prejudicam o governo PSD, obviamente, estão na imprensa há uma duas semanas e o PS não disse nada. Na mesma quinta-feira da semana passada, houve um exclusivo da SIC a dar conta de quem são os concorrentes da privatização e só o Governo e a comissão de inquérito é que têm essa informação e o PS não disse nada.
Claramente, no único caso em que a imagem do Governo é fortemente afetada é que houve uma indignação seletiva do PS. Nós não temos problema nenhum se quiserem fazer uma investigação, o que seja, tem é de ser feita desde início, não pode ser no único caso em que não dá jeito ao Partido Socialista. Mas, de resto, parece-me uma coisa para encher mais umas notícias e não se falar daquilo que se está a descobrir.
Penso que a reação até dos partidos todos na comissão tem sido nesse sentido porque, mais do que estas manobras do Partido Socialista, interessa-nos é efetivamente descobrir o que é que aconteceu, e para além de descobrir o que é que aconteceu, não perder o foco nos temas - e é uma coisa que o Partido Socialista tem tentado a muito custo porque obviamente esta comissão de inquérito está a ser arrasadora não só para o Governo, mas também para o PS, porque o caso da reunião preparatória implica também o grupo parlamentar do Partido Socialista.
Manuel Beja, o chairmain, veio à comissão e disse que o papel do grupo parlamentar do PS não era de escrutínio, mas de proteção ao Governo. Eu, muitas vezes, considero que essas palavras têm feito muito sentido
Pegando no que está a dizer - sendo que, obviamente, todos os deputados têm de trabalhar para apurar a verdade - como é que encara o papel do PS nesta comissão de inquérito?
Não vou usar as palavras do senhor doutor Manuel Beja, o chairmain, que veio à comissão e disse que o papel do grupo parlamentar do PS não era de escrutínio, mas de proteção ao Governo. Eu, muitas vezes, considero que essas palavras têm feito muito sentido nalgumas coisas que eu vou ouvindo, mas também me parece, obviamente, que há deputados do Partido Socialista na comissão de inquérito que estão, efetivamente, a fazer um trabalho sério e que querem descobrir a verdade, independentemente dessa verdade afetar o Partido Socialista.
Obviamente, não é fácil, é a natureza humana. Estão ali a colocar em causa colegas e, muitas vezes, até podem ser colegas - como no caso da reunião, por exemplo, era mesmo um colega que estava sentado ao lado deles. Por isso, não me parece que seja fácil fazerem algumas perguntas, mas espero que as façam até porque estão ali não enquanto deputados do PS, mas enquanto deputados da comissão de inquérito. Mas nem sempre é fácil, obviamente, fazer essa diferenciação. Compreendo a natureza humana.
Demissões? Houve muitos aspetos legais que não foram cumpridos
Voltando à ex-CEO, nesta sucessão de casos, outra questão levantada prende-se com o parecer jurídico para as demissões de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja. A documentação entregue à CPI revela que o Governo só recorreu ao apoio jurídico do Estado no dia seguinte à conferência de imprensa na qual anunciou as saídas por justa causa…
Não é algo totalmente novo no sentido em que depois da demissão, passado dois, três dias, houve uma capa de um jornal a dizer exatamente isso: Agora é que o senhor ministro das Finanças vai pedir a documentação. Não sei como é que o jornal soube, mas já na altura ficou essa questão no ar. E, agora, o que há mais é uma confirmação dessa suspeita em que, efetivamente, o senhor ministro a falar para 10 milhões de pessoas, em direto para todas as televisões, demitiu duas pessoas. E demitiu duas pessoas sem sequer haver uma audiência prévia, a que elas tinham direito.
O Governo pode dizer que aquilo não era uma demissão, mas, efetivamente, na prática, quando em frente a todas as televisões se demite duas pessoas e até se anuncia o sucessor, é uma demissão.
Parece-me claramente que houve aqui muitos aspetos legais que não foram cumpridos e depois aquela demissão está exclusivamente fundamentada numa coisa, que é o relatório da IGF [Inspeção-Geral de Finanças], não há mais nada.
E, nesse relatório da IGF, a mim parece-me que há vários problemas. Há muitos problemas de metodologia: a CEO não foi ouvida, o depoimento do CFO nem sequer constava, tinha sido retirado - depois é que na comissão de inquérito o senhor presidente da IGF o leu- , o secretário de Estado do Tesouro, que tinha recebido um e-mail de Alexandra Reis a pôr o lugar à disposição, semanas antes da comissão, não foi ouvido.
Há um esforço muito grande para as Finanças não estarem no relatório e eu percebo isso, não o valido, mas percebo, no sentido em que a IGF depende do Ministério das Finanças. Quer dizer, aquilo não é o Tribunal de Contas, aquilo não é uma auditoria. Aquilo é o relatório de uma entidade que depende do Ministério das Finanças e, por isso, é óbvio pela sua natureza que vá ter alguma precaução, para não usar outra palavra, quando também tem de escrutinar o próprio Ministério das Finanças. E, por isso, fundamentação jurídica é o relatório da IGF, não há muito mais.
Acho que a CEO violou muitas coisas, incumpriu os estatutos, incumpriu a lei dos estatutos de gestão pública, o problema aqui é que depois o processo de demissão também é, parece-me, alegadamente ilegal
Quem é que vai ganhar esta batalha?
Não sei. Eu na audição com a CEO até lhe disse, e já foi há muitas semanas até antes de se saber estes factos novos, que achava que ela ia conseguir recuperar o dinheiro que quisesse. Recuperar não é recuperar, porque neste caso não o tinha recebido, mas vai ter direito a recebê-lo. Eu acho que a CEO violou muitas coisas, incumpriu os estatutos, incumpriu a lei dos estatutos de gestão pública, o problema aqui é que depois o processo de demissão também é, parece-me, alegadamente ilegal, a começar logo pelo facto de não ter havido uma audiência prévia e, logo aí, todo o processo fica muito inquinado.
E depois, a própria da deliberação é assinada já depois de muitas reuniões da comissão de inquérito, em que já se sabia uma série de coisas. A deliberação tem coisas que já se sabe que não são verdade e mesmo assim assinaram a declaração com aqueles argumentos, quando esses argumentos já tinham sido desconstruídos em reuniões antes dessa data. Tem, por exemplo, a dizer que o senhor ministro Pedro Nuno Santos só tinha dado o aval à indemnização, quando já se sabe que isso não é verdade, que ele tinha sabido desde o início, que até pediu ao secretário de Estado para negociar os valores, que até tinha medo da percepção pública. Já se sabe que o Ministério das Infraestruturas disse à CEO 'só falem connosco, não falem com mais nenhum Ministério'. E isso também é um argumento muito forte para a CEO. Para além disso, quem tem o dever de fazer a ligação na empresa com o acionista é o chairmain, não é a CEO. Há muitos argumentos que não foram devidamente acautelados pelo Governo.
O senhor ministro das Finanças deve estar muito agradecido aos ministros das Infraestruturas
Acha que Fernando Medina acaba por beneficiar com facto de a questão estar mais centrada nas Infraestruturas?
Claro, aliás, o senhor ministro Fernando Medina tem de agradecer muito, primeiro, ao facto de o ministro Pedro Nuno Santos o ter afastado da TAP e não querer que ele também brincasse à TAP, digamos assim, e por isso não colocava as Finanças em quase nada. Mas, para além disso, agora também, todos estes casos do ministro João Galamba têm afastado muito a questão do parecer. O senhor ministro das Finanças deve estar muito agradecido aos ministros das Infraestruturas, que o têm salvado, praticamente.
Vamos pagar para vender a TAP
Na semana passada soube-se que o Governo deu o primeiro passo para a privatização da TAP. Como é que acha que vai decorrer este processo e que efeitos terá - ou já tem - a CPI nessa mesma privatização.
Há, obviamente, um impacto, acho eu, reputacional, no sentido em que a comissão de inquérito está a divulgar muitas coisas que têm impacto na empresa. Mas a comissão de inquérito não é uma agência de marketing, não serve para valorizar a empresa, nem serve para valorizar o Governo, serve para descobrir a verdade. E, efetivamente, a verdade tem impactos não só políticos, mas também pode ter impactos económicos, no sentido em que pode baixar um pouco a avaliação da TAP, porque com tudo o que se está a saber é normal que tenha impacto.
Segundo, parece-me também que o Governo já começou este processo há muito tempo, há mais de um ano, e infelizmente ainda não usou o decreto-lei. Não vou dizer que é ilegal, mas que é altamente irregular é, até porque está a fazer uma série de coisas sem ter o decreto. Por exemplo, a Evercore, que é a empresa que está a vender a TAP no mercado, digamos assim, está há nove, dez meses, a fazê-lo sem um contrato e isto é altamente irregular. Por isso, quanto mais depressa o decreto-lei sair, melhor.
Em terceiro lugar, parece-me que é uma reversão de um erro. A maioria das companhias na Europa são, maioritariamente, privadas. O PS já em 2017 aproveitou para fazer a recompra para o Estado ficar com 50% e, depois, na altura da pandemia, aproveitou para nacionalizar. Coisa que praticamente mais ninguém fez. As outras companhias, os outros Estados, auxiliaram as empresas e depois os privados devolveram o dinheiro – já aconteceu no caso da Lufthansa, da Air France-KLM, ou está a acontecer em muitos dos outros em que as devoluções estão a ser feitas.
No caso de Portugal, não se vai recuperar um único euro, mais, vamos pagar para vender. Porque dos 3.200 milhões há sensivelmente 700 milhões que ainda não foram colocados. Já entraram como capital na contabilidade, mas só vão entrar, efetivamente, nos próximos dois anos. E, por isso, se nós vamos privatizar a TAP este ano ou no próximo, vamos estar a dar 700 milhões de euros ao investidor privado que vier.
Nós somos a favor da privatização, mas estamos contra essa operação porque não nos parece correto que os portugueses estejam a pagar para vender a TAP. Parece-nos, obviamente, que o Estado não deve lá meter nem mais um euro, isso sim, e por isso a nossa visão é que essas duas tranches não sejam feitas e que a TAP seja vendida sem dar esse dinheiro ao novo investidor.
Não me parece que agora faça sentido estar na mesa com o senhor presidente da AR depois daquelas firmações que foram proferidas
Voltando a nossa conversa um bocadinho mais para a IL, gostava de lhe perguntar qual é a sua análise da polémica com o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva?
Parece-me que o senhor presidente tem o dever da imparcialidade, por um lado, e até outro de lealdade à Assembleia, aos grupos parlamentares e aos deputados, e que esses deveres não foram claramente correspondidos, cumpridos.
E aquela gravação, lamento dizer, não é uma gravação privada. Se aquilo tivesse sido num contexto privado era mau, mas percebo, nós em privado dizemos muitas coisas, apesar daquela frase do senhor ministro de que os governantes se têm de lembrar que são governantes até à mesa do café, o que obviamente tem algum sentido. Mas aquilo é uma gravação pública, foi autorizada, acontece todos os anos e estavam ali umas 20 pessoas, eu não percebo como é que alguém não viu a câmara.
O que me parece foi que aquilo foi mais um momento de gabarolas – perdoem-me a expressão – em que estavam ali as três mais altas figuras do Estado a dizer 'Epá, viste como é que eu os lixei? Viste?'. E, claramente, foram ali apanhados naquele momento, em que estavam tão exaltados, tirando o senhor primeiro-ministro, que parece que a sua mulher - e bem - o avisou, e ele depois percebeu e não comentou nada.
Nós também não estamos na mesa da vice-presidência, ainda não nos recandidatámos, apesar de nos já ter sido pedido muitas vezes. Mas parece-me que agora é que se deu uma distância, um passo ainda maior, para não nos candidatarmos. Não me parece que agora faça sentido estar na mesa com o senhor presidente depois daquelas firmações que foram proferidas.
Já está tudo a pensar nos próximos dois atos eleitoraisDecorreram há muito pouco tempo eleições para a liderança da IL, houve uma clara divisão. Internamente, acha que todos no partido já estão alinhados?
Todos alinhados nunca estaremos até porque isto é um partido de liberais e, por isso, onde estão dois liberais há três opiniões. Acho difícil estarmos todos alinhados. Mas também me parece uma coisa relevante que é: houve uma divisão em termos de percentagens, eu diria, mas não era uma divisão ideológica, digamos assim.
Enfim, efetivamente dois movimentos queriam liderar o partido. A nível de ideias não havia muita coisa a distinguir os dois. Isto é uma coisa, acho eu, positiva, no sentido em que, ideologicamente, o partido está, não vou dizer 100%, mas a esmagadora maioria está muito alinhada e defende as ideias da Iniciativa Liberal. Depois o que acontece é as dinâmicas naturais, em que as pessoas estão num partido e querem estar à frente da liderança.
Parece-me que nos últimos três meses tem havido um esforço muito grande. Por um lado, dos membros que não votaram no Rui [Rocha], de se aproximarem do Rui, de conhecer o trabalho do Rui, verem o esforço que ele está a fazer e também perceberem isso mesmo, que somos todos do mesmo partido e estamos todos a trabalhar para implementar o liberalismo em Portugal e para, esperemos a curto prazo, tirar o PS do poder. E, por outro lado, um grande trabalho do Rui também, que tem estado dia sim dia não a viajar pelo país e nessas viagens também aproveita para estar com os núcleos locais, são as nossas concelhias, para fazer também aquilo que tinha prometido, que era estar mais no terreno. Era uma coisa que o João [Cotrim Figueiredo] nem sempre conseguia fazer, muitas vezes, por questão de agenda. Durante a grande maioria do tempo esteve aqui sozinho na Assembleia, era só um deputado, esse trabalho era muito mais dificultado.
E de resto, penso que já está tudo a pensar nos próximos dois atos eleitorais. O primeiro na Madeira, daqui a muito pouco tempo, e depois nas Europeias, que serão uma eleição muito importante para nós. São os únicos dois parlamentos onde ainda não temos representação, queremos eleger nos dois e daqui a um ano ter representação em todos os parlamentos.
Assumir a liderança da IL? A curto prazo não, no futuro sim
Já ganhou o título de jovem promessa, a longo prazo, imagina-se a assumir a liderança da Iniciativa Liberal?
Que eu me imagino, não tenho problemas em dizer que sim, até porque já o disse noutras entrevistas, que sim. Mas, obviamente, não é uma coisa de curto prazo, eu agora sou um dos vice-presidentes do Rui Rocha, estou focado também aqui em fazer o trabalho na Assembleia. Ainda quero fazer outras coisas da vida, que não passem pela Assembleia e, por isso, a curto prazo não, no futuro sim.
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