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"Não se pretende castigar os fumadores ou proibir o uso de tabaco"

A secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, é a entrevistada desta quarta-feira do Vozes ao Minuto.

"Não se pretende castigar os fumadores ou proibir o uso de tabaco"
Notícias ao Minuto

19/07/23 por Ema Gil Pires

País Vozes ao Minuto

Em maio foram aprovadas, em Conselho de Ministros, uma série de alterações à lei do tabaco, com o intuito de potenciar uma "redução do consumo de tabaco" por parte da sociedade portuguesa e dar uma "resposta" mais forte à "dependência tabágica" - e com vista a promover "uma geração livre de tabaco até 2040".

As explicações foram dadas, ao Notícias ao Minuto, pela secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, que garantiu que "não se pretende aqui castigar os fumadores ou proibir o uso de tabaco, mas, sim, reduzir o acesso ao tabaco" enquanto forma de "iniciação" do hábito, nomeadamente através da redução do número de locais de venda ao público.

A proposta está agora nas mãos da Assembleia da República, onde será ainda discutida e votada, mas a maioria parlamentar conquistada pelo PS nas anteriores eleições legislativas deverá garantir a aprovação das modificações apresentadas pelo Governo.

No Vozes ao Minuto desta quarta-feira, Margarida Tavares abordou ainda outros temas que preocupam o Governo em matérias de promoção da Saúde - desde o consumo de álcool e de drogas sintéticas, passando pela alimentação saudável, o exercício físico e a saúde mental.

Quanto à questão dos cuidados de saúde primários, a secretária de Estado reconheceu que o país atravessa "um período de particular dificuldade" ao nível da "escassez" de "médicos da especialidade de Medicina Geral e Familiar", mas deixou a garantia de que está a ser feito um "esforço" para tentar solucionar a situação.

Lei do tabaco constituiu um instrumento muito importante no controlo do tabagismo

Comecemos pelas alterações apresentadas no âmbito da lei do tabaco, uma das medidas recentes aprovadas em sede de Conselho de Ministros. O que motivou o Governo a avançar com este projeto neste momento em concreto?

Quando esta equipa chegou ao Governo, em setembro de 2022, chegou num momento particularmente desafiante, porque viemos quase fechar as portas à pandemia. Claro que a vida não parou, mas a pandemia ocupou-nos muito em termos de dedicação e de trabalho. Era uma boa altura, dado ser uma equipa nova e ser esse o contexto, para pensarmos e retomarmos, até, o programa do Governo. E este, de facto, punha uma ênfase nas atividades de promoção da Saúde. Todas as atividades que nós possamos ter, e não apenas em legislação, de promoção da Saúde que passem pela redução do consumo de tabaco, pela resposta à dependência tabágica, era, de facto, um dos nossos objetivos. Nesse sentido, também vinha muito a propósito, porque tínhamos a necessidade de transpor uma diretiva europeia que, grosso modo, equipara o tabaco aquecido ao tabaco tradicional em matérias de cheiros e sabores.

Portanto, achámos que era o momento certo para revisitar a lei do tabaco, que vem já desde 2007 e que constituiu um instrumento muito importante no controlo do tabagismo, na redução da prevalência e do iniciar do consumo de tabaco por parte dos jovens. No entanto, assistimos agora a ameaças, nomeadamente com estas novas formas de consumo de tabaco, quer os cigarros eletrónicos, quer o tabaco aquecido.

De facto, esta lei passará a integrar medidas que visam, também, o tabaco aquecido, ao proibir-se a venda de cigarros com aromatizantes. O Governo acredita que tal promoverá, efetivamente, a redução do consumo deste tipo de tabaco?

Sem dúvida! E há estudos que mostram de facto que os sabores e os cheiros do tabaco alteram o tradicional gosto e cheiro do tabaco, e aumentam a sua propensão à sua utilização, nomeadamente nas camadas mais jovens. Mas isso, lá está, não decorre sequer de uma opção nossa, era mesmo nossa obrigação transpor essa diretiva que equipara, para esse efeito, o tabaco aquecido ao tabaco tradicional. Podem existir estudos que demonstram que este tipo de cigarros pode ser menos tóxico ou ter menos efeitos nocivos para a saúde, mas isto não significa que são isentos de risco, de forma nenhuma, e isso já está muito bem demonstrado, e estão a ser usados não para os fumadores substituírem uma dependência pior por outra, eventualmente melhor, mas também para iniciar o consumo e tornar dependentes do tabaco jovens. E por isso é que, de facto, é muito importante abordar, também, essa ameaça, numa altura em que queremos tornar menos ‘normal’ o consumo de tabaco.

Até à aprovação da alteração desta lei em Conselho de Ministros registaram-se algumas 'mexidas', nomeadamente no que toca à proibição da venda em postos de abastecimento de combustível, entretanto retirada da proposta. Tinham surgido também algumas dúvidas quanto à venda em grandes superfícies comerciais, hotéis e outros empreendimentos turísticos. O que levou o Governo a deixar de lado essas proibições?

Nunca esteve na nossa intenção proibir a venda de tabaco ao balcão em todos os estabelecimentos com autorização para essa venda. Mas reduzir, sim, nos cafés, nos restaurantes, nos locais de espetáculos, nos locais de jogos, naqueles locais onde, de facto, proibimos o consumo de tabaco no seu interior. A única questão que se modificou entre a minha primeira comunicação e a aprovação final em Conselho de Ministros - na sequência de uma discussão em Conselho de Ministros relativamente a uma dúvida que tínhamos desde o início - passava por limitar a venda nos postos de abastecimento de combustível. E chegou-se à conclusão que poderia levar a uma iniquidade em termos de acesso geográfico, porque havia algumas regiões do país em que, de facto, as pessoas não tinham outros locais. Aí poderíamos estar a reduzir o acesso ao tabaco de uma forma exagerada para aqueles que fumam e, de facto, tornar demasiado injusto e desigual em lugares diferentes do país. Apenas em relação aos postos de abastecimento, de facto, a sua menção acabou por não ficar na versão final, mas só esse ponto é que estava inicialmente previsto e sofreu, depois, um ajuste. 

Uma coisa é entrar num local com o objetivo específico de ir comprar tabaco, outra coisa é estar num local de convívio que apela ao consumo de tabaco e onde se é mais permeável à compra por impulso

Tal como disse, locais como restaurantes, bares, cafés, concertos e festivais de música, por exemplo, serão mesmo impedidos de vender cigarros, a partir de 2025. Por que julga o Governo ser necessário fazer esta distinção? Considera que certo tipo de locais são mais propensos a estimular esse consumo?

Sim. Consideramos que uma coisa é entrar num local com o objetivo específico de ir comprar tabaco, outra coisa é estar num local de convívio que apela ao consumo de tabaco e onde se é mais permeável à compra por impulso. Foi isso que se pretendeu limitar. E estes locais já estavam predeterminados na lei, nós não os inventámos. Por isso, querendo limitar, fomos a esses locais pré-estabelecidos e fizemos essa separação entre os locais que são estritamente de compra daqueles que incluem, também, a possibilidade de estar nesses locais e que propiciam uma compra mais por impulso. 

Importa dizer ainda que não se pretende aqui castigar os fumadores ou proibir o uso de tabaco, mas, sim, reduzir o acesso ao tabaco, porque isso é uma forma de diminuir a iniciação e, consequentemente, a dependência do tabaco. E uma das formas de diminuir o acesso ao tabaco é diminuir os locais de venda de tabaco. 

As associações do setor da restauração têm-se mostrado bastante descontentes face a estas propostas, acusando o Governo de discriminação face a estes espaços e alegando que as mesmas serão bastante penalizadoras. Como pode o Governo responder às preocupações deste setor? Há forma de minimizar os prejuízos?

Precisamente por isso é que demos um prazo para a implementação dessa medida, até 2025 no caso da venda, e até 2030 no caso daqueles estabelecimentos que tenham criado salas especiais, segundo a legislação anterior, para consumo de tabaco - que sendo melhor do que nada, não são suficientemente seguras. E, por isso mesmo, demos esse tempo para que os negócios e os empresários possam adaptar-se.

Não estão a ser pensadas medidas adicionais nesse âmbito?

As medidas são essas. Mas é preciso também dizer que, agora, a lei já não está nas mãos do Governo, mas sim da Assembleia da República e, portanto, essa discussão também terá de ser tida na mesma. O que posso dizer é que, anteriormente, quer no nosso país, quer noutros países, onde se têm discutido muito a questão do emprego e do dano que possa existir para os empresários, a que nós somos sensíveis, o que se demonstrou, das leis passadas e da aplicação da mesma, quer em Portugal, quer noutros países, é que há uma adaptação rápida e que não há um impacto significativo no comércio e no emprego.

Nós não proibimos a venda de tabaco, portanto continua a existir forma de comprar tabaco de forma perfeitamente aceitável

Críticos da aplicação de medidas restritivas ao consumo de tabaco - tanto em Portugal, como em países estrangeiros - alertam para a possibilidade do aumento da venda deste tipo de produtos no mercado negro. É uma preocupação para o Governo?

Nós não proibimos a venda de tabaco, portanto continua a existir forma de comprar tabaco de forma perfeitamente aceitável. Não é por não poder comprar no restaurante que não posso comprar noutro local. Esta questão de limitar, mas não eliminar, os locais de venda de tabaco não é o que está mais associado ao contrabando do tabaco. O que está mais associado a isso é, sim, o preço do tabaco. E esta não era uma lei em que pudéssemos equacionar esse aumento. É um assunto que todos os anos é equacionado e é, até, possível estudar o preço do tabaco para prever ou não um aumento, ou não, significativo do contrabando de tabaco. Vem aí a lei do Orçamento do Estado, que é uma altura em que nós podemos, de facto, mexer no preço do tabaco e, portanto, é um assunto que, a par de outras medidas, está a ser ponderada por nós, mas na justa medida em que o preço do tabaco é eficaz, sobretudo, para combater o início do consumo de tabaco, mais do que na continuação. Um fumador que já tem a dependência do tabaco não é tão influenciado pelo preço do tabaco. Os jovens que ainda não começaram, esses sim. Temos interesse, de facto, mas também não queremos penalizar demasiado os consumidores de tabaco. Estamos a estudar o limite para isso e equacioná-lo-emos no seu tempo.    

Nada do que aqui se propõe nesta lei é inovador, e nós nunca dissemos nada nesse sentido

Abordou-se também a instituição de ‘praias livres de fumo’, ainda que caiba aos concessionários optar ou não por adotar medidas nesse sentido. Como vai funcionar? 

Nada do que aqui se propõe nesta lei é inovador, e nós nunca dissemos nada nesse sentido. Há outros países que proíbem já o fumo de tabaco em locais ao ar livre e em praias. Mas nós não o fizemos. Eu tenho a certeza que muita gente gostaria de estar numa ‘praia livre de fumo’ de tabaco e, por isso, deixamos a opção, numa tentativa de experimentar e de ver se alguns dos responsáveis pelas praias teriam isso como objetivo e para ver como corria. É meramente uma opção, não é algo obrigatório.

Como será feita a fiscalização nesses casos em concreto?

Quanto à fiscalização, para esta situação ou para outras quaisquer: nós não mexemos naquilo que estava já na anterior lei, quer nas coimas, quer nas formas de fiscalização. Elas existem e estão previstas da mesma forma. Não aumentámos as coimas, mas também não é isso que nos interessa. Nós queremos dissuadir, sobretudo, e uma pessoa que é fumadora, sabendo que naquele local não é permitido fumar, à partida não vai querer infringir a lei, mesmo que não tenha lá um agente fiscalizador ou alguém a emitir uma multa. Acho que as entidades responsáveis pela fiscalização e pela emissão das coimas devem atuar, e nós fomentamos que isso aconteça, mas, mais do que ter proveitos em função dessa fiscalização, o que nós queremos mesmo é dar um sinal às pessoas de que não devem fumar em determinados locais. Até porque não foi por haver imensas multas ou coimas que as pessoas acabaram por acatar os sucessivos impedimentos ou as leis que têm existido relativamente a essa regulamentação.  

A secretária de Estado revelou, na sequência destas medidas, que o objetivo passa por “criar uma geração livre de tabaco até 2040”. Que outras regras, para além das que discutimos, poderão ser necessárias para que esse intuito seja concretizável?

A legislação é, de facto, uma das medidas importantes que estamos agora a implementar. Outra dimensão importante é, como falámos também, o preço. Mas, além disso, e que também é algo que nós queremos intensificar, passa por promover a saúde e prevenir a doença junto dos jovens, explicando-lhes quão prejudicial são essas práticas, nomeadamente por via da educação e de campanhas. E diria que há já, na nossa sociedade, uma corrente de jovens muito apologista de hábitos saudáveis e nós também queremos que eles próprios incentivem os seus familiares mais velhos a deixar de fumar.

Outra iniciativa que também está em avaliação e em tentativa de expansão tem a ver com respostas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) relativamente às consultas de desabituação. Estávamos a ter um crescimento dessas consultas, nos cuidados de saúde primários e nos cuidados hospitalares, até 2018, que foi quando atingimos o número máximo de consultas abertas. A pandemia, em 2020, trouxe uma grande disrupção e teve um impacto muito grande nessas consultas. Estamos a recuperar, mas queremos ainda ficar melhor do que em 2018 e, por isso, em conjunto com a Direção Executiva do SNS, estamos a fazer um plano de alargamento dessas consultas, e também a avaliar, com o Infarmed, a questão das comparticipações dos tratamentos. Todas as frentes estão a ser equacionadas. E quando dizemos que queremos “uma geração livre de tabaco até 2040”, estamos a pensar nos jovens que na altura terão 18 anos, acreditando ser possível, com estas medidas, ter um número absolutamente residual, nessa altura, de jovens fumadores.

O país, de facto, é reconhecido internacionalmente pela forma como tem sido capaz de responder ao consumo de drogas

A Assembleia da República aprovou recentemente projetos de lei do PS e do PSD para a descriminalização de drogas sintéticas, que pretende fazer uma distinção entre o tráfico e o consumo dessas novas substâncias. Na perspetiva do Governo, estas iniciativas parlamentares podem contribuir, de facto, para combater o fenómeno das drogas sintéticas? De que modo? 

O país, de facto, é reconhecido internacionalmente pela forma como tem sido capaz de responder ao consumo de drogas. Tivemos um problema grande nos anos 80 e 90, que foi o que mais determinou a nossa epidemia de VIH, movida pela epidemia da utilização de drogas, nomeadamente por via endovenosa. Portanto, o nosso país, para responder a esse desafio, e muito motivado para tentar reduzir o número de infeções por VIH, na altura absolutamente dramáticas, teve uma política muito agressiva. Mas no âmbito de toda essa forma como nós organizámos a resposta, insere-se também outra medida muito importante, que foi a despenalização do consumo. Provou-se, por isso, a vantagem da despenalização, em conjunto com outras medidas, nomeadamente as políticas de promoção da saúde e de prevenção da doença naquelas que são as vítimas destas dependências.

No fundo, na nossa legislação, à medida que vamos acrescentando quais são as substâncias que consideramos nesse pacote, elas entram na mesma lógica de despenalização de consumo. É nesse sentido que continuamos a manter-nos, porque acreditamos, de facto, que não é pela via da proibição que conseguimos controlar o consumo destas substâncias, mas sim pelas outras políticas de redução de riscos - nomeadamente por via de terapêuticas de substituição quando elas existem. 

Quais são os principais desafios apresentados por estas drogas sintéticas? E de que outros modos o Governo pretende fazer face aos mesmos?

Estas novas drogas, sabemos que são um desafio importante, pois não têm tantas respostas em termos de terapêuticas de substituição, têm preços diferentes e, por isso, escapam muitas vezes ao controlo dos agentes de segurança. Além disso, têm novos perfis de consumo e são consumidas, em algumas situações, de uma forma menos disruptiva. Toda essa novidade tem de ser abordada de uma forma integrada. 

Neste âmbito, e a título de exemplo, aprovámos na quinta-feira a criação de um novo instituto, o ICAD (Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências). Esse instituto junta o planeamento e a coordenação das políticas de combate às dependências e aos comportamentos aditivos com a prestação de cuidados nessa área, de uma forma que se pretende, ainda assim, integrada com os outros serviços do SNS. E pretende, assim, trazer uma renovação e um reforço destes serviços para estarem mais capazes de responder a novos desafios, como estes.          

O mesmo também é válido para o combate ao álcool e a outras dependências?

O álcool é outro problema importantíssimo no âmbito desta discussão, claro, mas podemos ainda falar de outros consumos sem substâncias: os ecrãs, ou o jogo. O que se pretende, de facto, com este novo reforço que queremos dar aos serviços de tratamento das dependências e dos comportamentos aditivos é, precisamente, também desfocar do perfil típico do consumidor de substâncias que nós já conhecíamos, como a heroína, mas também abranger estas formas de consumo.   

A alimentação e a atividade física são também vertentes muito importantes a terem conta

A promoção da saúde vai, no entanto, bastante além do combate a dependências. Os dados do estudo COSI Portugal, relativo a 2022, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) mostram que um em cada três menores entre os seis e os oito anos tem excesso de peso e 13,5% sofrem de obesidade. É também esta uma preocupação do Governo? Como pretendem promover uma redução destes números?

Nós tivemos um interregno muito importante, a pandemia, que alterou muitos os hábitos das crianças e dos jovens. Nesse estudo, as crianças são avaliadas algures em 2022, portanto os próprios investigadores dizem que o facto de a análise ter sido feita naquele momento pode ter condicionado o resultado porque, de facto, as crianças saíram de um período de grande inatividade. Não estou a desvalorizar, seja uma em cada três ou uma em cada cinco, é sempre muito e, por isso, nunca vai haver um motivo para desmobilizar a nossa atividade.   

E se tudo o que falámos até agora são matérias de promoção da saúde, a alimentação e a atividade física são também vertentes muito importantes a terem conta. É facto, também, que a promoção da saúde e a criação de ambientes e de estratégias que atinjam os mais novos são muito importantes porque, de facto, é mesmo de pequeninos que se vão criando os hábitos. Algumas coisas que nos acontecem na nossa infância e, até, durante a nossa gestação são importantes a curto, médio e, até, a longo prazo nas nossas vidas, e vão determinar que nós possamos ser adultos e idosos mais ou menos saudáveis e, por isso, é muito importante atuar precocemente.

Atuar em que sentido?

Estamos agora a começar a conversar com a área da Educação, pois queremos incentivar hábitos saudáveis em termos de alimentação e de atividade física. Por isso mesmo, desenhámos uma série de atividades no sentido de promover que as crianças possam alimentar-se nas escolas com alimentos atrativos, de uma forma em que elas também participem. É importante que o momento da refeição e a escolha do menu possa ser participado pelas crianças e pelos jovens, de modo a tornar mais atrativa a refeição nas cantinas, à medida que as crianças vão crescendo e optando por outros alimentos muitos menos saudáveis só porque, de facto, aqueles a que têm acesso nas cantinas das escolas não são tão atrativos. Queremos aumentar essa atratividade para fomentar que aprendam a ter hábitos de consumo e, até, de confeção mais adequados, através desta medida concreta.  

Há ainda, claro, o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, que ainda recentemente apresentou o seu plano para os próximos anos, onde constam várias metas, nomeadamente para a redução do consumo de açúcar e de sal. São metas ambiciosas, mas muito importantes, até porque o consumo de açúcar é, de facto, algo que está diretamente ligado a estas questões do excesso de peso. Os resultados que nós já tivemos, por exemplo, com todas as medidas tidas nas bebidas com açúcar adicionado foram ótimos, pois tivemos reduções importantes no consumo destas bebidas e as próprias fabricantes adaptaram e reduziram o teor médio de açúcar nas bebidas. Portanto, outras políticas neste sentido estão também a ser pensadas.

Por outro lado, há estudos que apontam que as crianças que não são amamentadas pelo leite materno podem ter índices de obesidade mais elevados. Por isso, temos pensadas várias iniciativas no caso da promoção do aleitamento materno, até porque temos proporções muito aquém dos nossos objetivos de aleitamento materno exclusivo até aos seis meses, portanto essa é uma área em que estamos a investir e em que queremos criar condições no SNS para incentivar e manter essa prática. Há ainda a questão dos suplementos alimentares para os bebés, que é também uma área sobre a qual estamos a debruçar-nos, no sentido de promover a informação mais correta e fidedigna, para não haver informações que possam dar a entender que aquele suplemento é melhor do que o leite materno, porque não é. Mas passa também por outras questões, nomeadamente por criar condições às mães para terem tempo para amamentar os seus filhos e por todo o suporte que possam ter.   

Antes da pandemia havia já algum movimento, no sentido de retirar o estigma associado à saúde mental para os jovens poderem pedir ajuda e aceder a serviços de apoio quando não estavam bem

Outra questão que tem sido cada vez mais debatida tem a ver com a saúde mental. Pergunto, por isso, se existe efetivamente um número crescente de casos de problemas desta natureza, ou apenas existe uma maior discussão por haver uma maior aceitação ou, até, reconhecimento académico dos mesmos? 

Há aqui vários fenómenos que acho muito importantes. Já começava a existir uma tendência, sobretudo nos jovens, para começar a dar cada vez mais importância ao bem-estar ou mal-estar mental. Antes da pandemia havia já algum movimento, no sentido de retirar o estigma associado à saúde mental para os jovens poderem pedir ajuda e aceder a serviços de apoio quando não estavam bem. Mas a pandemia veio, de facto, trazer uma grande mudança, e tornou-se perfeitamente aceitável, nomeadamente no caso dos jovens, dizer “eu não estou bem” e “preciso de ajuda”. Foi um momento que trouxe a descoberto essa necessidade, mas, sobretudo, tornou os jovens mais capazes de verbalizar as suas necessidades e de pedirem ajuda. E isso foi ótimo.

Existe razão para a sociedade portuguesa ficar preocupada com os índices que têm sido divulgados em matérias de saúde mental?

Os números preocupam-nos sempre, mas importa lembrar que as gerações não são iguais: nem os desafios são iguais, nem as gerações têm formas iguais de enfrentá-los. Aquilo que para a minha geração passava por ‘tens de aguentar’, se calhar para a geração que está agora na escola já não é assim. Há muitas coisas que foram mudando - e falarmos do ‘bullying’, do assédio e de comportamentos que não são hoje socialmente aceitáveis e que ainda o eram há uns anos. Tudo isto são mudanças sucessivas e, obviamente, vivemos tempos marcados pela pandemia, pela guerra, pela crise inflacionária, que claramente também afetam os jovens. Tal como o desemprego, os desafios de iniciar uma vida profissional, os desafios da vida pessoal, e o acesso à habitação. Os jovens vivem esses problemas e hoje em dia, felizmente, têm mais capacidades de verbalizá-los e isso cria um desafio para aqueles que têm de responder a estes pedidos de ajuda. Os pedidos de ajuda existem, temos noção deles, mas não podemos cair na tentação de chamar doença a este mal-estar, porque não se trata necessariamente de doença mental. Mas o que nós estamos aqui a falar é, mais uma vez, de promoção da saúde mental, pois há muitas estratégicas que sabemos que, implementando, podemos ajudar os nossos jovens a gerir melhor e a sentirem-se melhor com as suas emoções, desafios e pressões por que passam.  

Como, por exemplo?

Não passa apenas pelas consultas e pelas intervenções individuais, mas também intervenções de grupo ao nível das instituições que podem promover esse bem-estar. Se nós dissermos a um jovem que é normal ele sentir-se mal porque vai ter um teste importante, a simples medida de informar acerca dos desafios e dizer que é normal sentir-se triste, ou que não é normal aceitar a violência, por exemplo, pelos pares, no namoro, nas redes sociais, ajuda. São muitos fenómenos sobre os quais precisamos de falar, de discutir abertamente e de ter regras de abordagem para essas situações. Foi precisamente para responder a esses desafios que constituímos um grupo de trabalho para abordar a saúde mental no Ensino Superior, que entregou recentemente um relatório preliminar, para nós implementarmos medidas que vão ser anunciadas em breve para o próximo ano letivo. Isto não quer dizer que aconteça só aí, há outras medidas que podem ser tomadas noutros locais, desde existirem as pessoas necessárias para fazerem essas abordagens, nomeadamente nas escolas. Mas passa sempre por criar ambientes, situações, meios e recursos de modo que as pessoas se sintam mais seguras e apoiadas nas suas dificuldades do foro mental.        

Orgulho-me muito da forma como o país respondeu à Covid-19 e à Mpox

Portugal sofreu recentemente os impactos da pandemia de Covid-19, bem como o ‘susto’ trazido pelo surgimento da Mpox. Depois dessas ‘experiências’, questiono: está Portugal preparado para fazer face a uma nova emergência de saúde pública?

Essas foram duas situações muito distintas e em que o país respondeu de forma muito boa, orgulho-me muito da forma como o país respondeu. Foram dois desafios totalmente distintos. Um deles enorme, à escala global, em que é claro que nem tudo correu perfeitamente bem e que, se fosse hoje, talvez até faríamos algumas coisas de maneira diferente, com base em tudo aquilo que aprendemos. Mas, de uma forma global, acho que o país compara positivamente com outros países, quer em dados subjetivos, quer em dados muito objetivos, quer na forma como o país conseguiu recuperar facilmente de uma crise dessa dimensão e como os portugueses aderiram àquilo que lhes foi pedido, e que foi muito. A sua adesão à vacinação foi a grande vantagem e que nos permitiu mudar totalmente o curso da pandemia, portanto quer do ponto de vista dos cidadãos, que se portaram de uma forma absolutamente superior, mas também os serviços responderam à altura.     

Esses exemplos deixam, portanto, bons sinais para o futuro?

Deixam bons sinais, sem dúvida. Relativamente à Mpox, é algo que não tem nada a ver em termos de dimensão, mas Portugal e Inglaterra foram os primeiros países e os mais duramente afetados numa fase inicial. E também, mais uma vez, soubemos enfrentar isto de um modo muito elevado e participado. Fomos capazes de envolver na resposta a sociedade civil e aqueles que eram afetados, e isso fez toda a diferença.    

Mas isso não quer dizer que não tenhamos que fazer nada. A principal medida que eu entendo necessária para não desperdiçarmos estas oportunidades e estas lições aprendidas, e reforçarmos a nossa capacidade, é ter, de facto, uma saúde pública forte e instituições de saúde pública fortes. Queremos, de facto, fortalecer a Direção-Geral da Saúde (DGS), o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e, como temos dito, queremos ter uma agência mais capaz e muito vocacionada para estas questões da promoção da saúde. As respostas às emergências são, de facto, uma característica e uma atribuição da DGS, bem como dos profissionais e dos serviços de saúde pública, e assim vai continuar a ser, e o que nós queremos é dar mais meios, mais capacidade e mais agilidade a esta resposta, de várias formas. Há uma comissão que está a trabalhar no sentido de rever e pensar como deve ser um serviço de saúde pública, quais são os profissionais da saúde pública, como eles devem organizar-se e ser fortalecidos - precisamente para, em conjunto com outras atitudes e atividades, possamos ter, em breve, serviços de saúde pública reforçados, mais capazes.    

Estamos a atravessar um período de particular dificuldade, que tem a ver com a escassez de recursos humanos, de médicos da especialidade de Medicina Geral e Familiar

Outro tema que não pode ser deixado de lado de parte, neste âmbito da promoção da saúde, tem a ver com os cuidados de saúde primários. Cerca de 1,7 milhões de portugueses estão atualmente sem médico de família. Há já vários anos, desde 2016, que os Executivos de António Costa têm prometido médico de família para todos os cidadãos. Poderemos efetivamente esperar a concretização da promessa? Para quando?

Estamos a atravessar, de facto, um período de particular dificuldade, que tem a ver com a escassez de recursos humanos, de médicos da especialidade de Medicina Geral e Familiar. Vivemos agora uma época com um número muito grande de aposentações, fruto da evolução demográfica dos médicos, que resulta num período altamente desfavorável para a existência de profissionais. Claro que não vou negar que há questões que têm sido referidas, como a menor atratividade da carreira e a existência de problemas na capacidade de captar e fixar médicos. Mas nós estamos a fazer esse esforço de várias formas, tendo sido anunciada ainda a generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B, que é um modelo que incentiva, em termos remuneratórios, baseando-se em determinados critérios. Ao cumprir-se determinados indicadores, os seus profissionais - médico, enfermeiros e os assistentes clínicos - são remunerados de uma forma muitíssimo mais recompensadora. E, de facto, este ano, já possibilitámos a criação de 34 unidades desta natureza, prevendo-se um total de 260 até final do ano, com um modelo bastante atrativo para os profissionais. Mas também, consequentemente, para os utentes.

Outras medidas que temos implementado neste âmbito: aumentar o número de vagas de acesso à especialidade, e temo-lo feito. Apesar de todas as críticas que por aí se ouviram, pela forma como abrimos o concurso, abrindo todas as vagas e que fez com que toda a gente dissesse que tivemos uma baixíssima capacidade de captação. Mas isso não é verdade, pois conseguimos captar quase 91% de todos os especialistas que terminaram a sua especialidade de Medicina Geral e Familiar para o SNS. Portanto, tivemos uma capacidade muito grande de captação. 

Obviamente, também tem sido discutido outras medidas, passando nomeadamente por outros projetos, como o ‘Bata Branca’, que permitam substituir essa carência em algumas regiões do país onde não existe mesmo outro tipo de recursos. E não excluímos mesmo a possibilidade de, estando num mundo global, e se os nossos profissionais também procuram outros países - e não só por questões de remuneração, mas também porque constitui um desafio exercer a atividade noutro país -, também queremos conseguir captar profissionais de outros países que possam trabalhar em Portugal.

A solução para fazer face à falta de médicos de família também poderá passar por aí?

Também pode passar por aí, e sempre passou. Nós nunca rejeitamos e temos, felizmente, muitos médicos não portugueses a trabalhar connosco, nomeadamente no âmbito dos cuidados de saúde primários.

Mas poderá pensar-se em facilitar mais o acesso a estes profissionais estrangeiros à carreira em Portugal, para tentar concretizar esse objetivo?

Poderá, e foi recentemente aprovado um decreto-lei no sentido de otimizar o reconhecimento de cursos de medicina obtidos fora do nosso país. E isso não significa abrir o acesso a cursos não idóneos, mas sim no sentido de haver esse reconhecimento de idoneidade, de facilitar e tornar mais ágil o processo de reconhecimento do curso. Este é um passo tomado para podermos acolher mais profissionais com essa formação superior também no nosso país. Há aqui um conjunto grande de medidas que nós temos elencado, estas são algumas, mas não há uma ‘bala mágica’ para esta questão e nós ainda vamos enfrentar algumas dificuldades nos próximos anos dada esta demografia. Mas, de facto, com este último concurso, em que foram contratados 314 novos médicos, nós conseguimos dar, até agora, médico de família a mais 163 mil utentes, estimando-se que o número ascenda, até ao final do ano, ao meio milhão. Com a criação destas USF modelo B também aumenta um pouco a cobertura, porque em algumas circunstâncias o número de utentes por médico de família pode aumentar ligeiramente, portanto são pequeninos passos para concretizar esse objetivo de dar médico de família a todos os cidadãos. E estamos otimistas que conseguiremos.

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