"O meu trabalho nunca dependeu do 'colinho' das entidades"
Dulce Pontes falou com o Fama ao Minuto sobre os 35 anos de carreira e, também, sobre o desabafo que fez em setembro do ano passado.
© Leonel de Castro/Global Imagens
Fama Dulce Pontes
"Quando eu morrer, não toquem os tambores". Esta é apenas uma das várias frases que compõem o 'grito de revolta' partilhado por Dulce Pontes no Instagram, em setembro do ano passado, que deixou bem claro aquilo que a própria sente em relação ao país que a viu nascer.
Nesta partilha, Dulce Pontes enumerou várias perguntas que lhe são feitas na rua, tais como "ainda é viva?" e "porque não a vemos?", deixando também uma dura crítica aos meios de comunicação social, isto numa altura em que havia acabado de completar 35 anos de carreira.
Foi na sequência desta mesma publicação que o Fama ao Minuto contactou Dulce Pontes, em busca de mais esclarecimentos sobre o sentimento de insatisfação que, até ao momento, a própria não havia explorado. Dulce respondeu com agrado ao convite e a conversa abriu espaço a outros temas, incluindo a uma atualização sobre a peça de teatro que começou a escrever quando tinha apenas 15 anos.
A Dulce fez recentemente um desabafo que deu muito que falar. Nele deu conta de algumas perguntas que lhe fazem sobre o facto de ter menos visibilidade mediática do que consideram que deveria ter. Ainda assim, a Dulce também parece concordar com esta opinião. Por que motivo decidiu fazer este desabafo?
Porque achei que era necessário para esclarecer, dentro da medida do possível, o público português.
O que justifica que não seja presença assídua na comunicação social? É por vontade própria?
Essa pergunta não me devia ser dirigida a mim. Por outro lado existem, atualmente, alguns programas de televisão com os quais não me identifico e com os quais não compactuo. Fazem falta novos formatos, inteligentes e que promovam verdadeiramente a nossa cultura.
Completou 35 anos de carreira em 2023. Estes 35 anos foram feitos daquilo de que gostava que tivessem sido?
Foram feitos de muito mais do que poderia alguma vez imaginar. De milagres, diria mesmo!
As futuras gerações vão ficar muito baralhadas com esta brincadeira de 'hip-hop afro-americano fado rapadura'Quais são as maiores conquistas que enumera ao longo deste período?
Destaco o trabalho desenvolvido com o Ennio Morricone como o momento mais alto do caminho.
E depois de atingir esta marca, que objetivos ainda espera alcançar?
Permanecer criativa e verdadeira ao propósito de tudo isto.
Com 35 anos de carreira, sente que Portugal lhe tem dado o devido valor?
O público sim - e de que maneira! Para mim, basta.
Há dois anos, numa outra entrevista, revelou que sentia saudades dos palcos portugueses. Esse sentimento mantém-se igual, aumentou ou diminuiu?
Portugal é e continuará a ser a prioridade.
Nessa mesma altura, disse não se sentir preparada para dizer se a Cultura estava a receber o tratamento devido no nosso país, isto devido ao impacto da Covid-19. E agora, consegue dar-nos essa resposta?
O problema é saber distinguir entre o que é português e as influências que entram pela 'Cultura' adentro como se não houvesse amanhã. As futuras gerações vão ficar muito baralhadas com esta brincadeira de 'hip-hop afro-americano fado rapadura'. Mais ainda sustentados pelos media e pseudo-intelectuais de serviço em massa. Parece-me que é mesmo de 'massa' que se trata.
O meu trabalho fora e dentro de Portugal nunca dependeu do 'colinho' fácil das entidades representantes do Fado Património
O seu último álbum, 'Perfil', foi promovido como um regresso às origens da sua carreira, o que inclui o fado. Tem descoberto uma nova faceta do disco que criou, agora que o tem apresentado em palco?
'Perfil' saiu no mesmo dia em que a Guerra na Ucrânia espoletou. Todo o trabalho de meses em torno da promoção do mesmo ficou no limbo. Muita gente ainda hoje não se deu conta deste álbum. Fiz a digressão do mesmo durante cerca de um ano, entretanto surgiu a ideia de começar a construir um concerto sobre os 35 anos na música e assim o fiz e continuarei no decorrer de 2024. É certo que em palco é onde se evolui musicalmente, sempre preferi atuar ao vivo do que o trabalho de estúdio.
No início da sua carreira lançou vários discos, mas a regularidade foi diminuída com o tempo. Depois de 'Perfil', que lançou em 2022, já pensa num próximo álbum?
Foram 13 anos sem editora, apenas com a minha pequena Ondeia Música. Nesses anos gravei três álbuns duplos: 'O Coração Tem 3 Portas', 'Momentos' e 'Peregrinação'. O ritmo e a ordem das coisas tiveram de ser alterados: concertos vieram sempre em primeiro lugar, sobretudo quando todos os custos associados a esses álbuns dependiam unicamente do meu bolso. A edição própria também não tem a mesma colocação de mercado comparativamente a uma editora grande e mesmo assim está tudo muito 'viciado'. Farei mais um álbum com a Universal entre o decorrer deste ano e o início de 2025.
A criação da sua própria editora, a Ondeia Música, tem dado os frutos que antecipou?
É difícil, sobretudo em Portugal, mas permitiu afirmar a minha independência e liberdade criativa que já não é posta em causa como foi no passado.
Tal como partilhou connosco anteriormente, tem dado vários espetáculos no estrangeiro. Que tipo de público encontra nestas deslocações: os portugueses que por lá vivem ou os cidadãos destes países que são fãs da nossa música e, em particular, da música que faz a Dulce?
São sobretudo pessoas locais, no entanto é comum aparecer algum público português, mas sempre em minoria. O meu trabalho fora e dentro de Portugal nunca dependeu do 'colinho' fácil das entidades representantes do Fado Património. Tenho orgulho no público que tenho e que me acompanha há muitos anos e que conhece muito bem todo o percurso. Voltam sempre, temos crescido juntos.
A peça de teatro que começou a escrever aos 15 anos já foi, entretanto, terminada?
Que memória surpreendente! Já está pronta sim senhor. Neste momento estou também a compilar toda a poesia e prosa que escrevi ao longo do tempo. Daqui a uns aninhos, se acontecer, talvez edite. Quero ainda ter algum tempo de vida para dedicar ao ensino, não de forma exaustiva, mas selectiva. Se Deus me permitir, gostaria de não continuar a cantar quando já não possua capacidade para continuar e dedicar esse tempo de vida, num outro ritmo, a outras coisas que amo fazer.
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