"As pessoas sabem a importância de ter o Bloco a influenciar as decisões"
Marisa Matias, que encabeça a lista do Bloco de Esquerda pelo Porto para as eleições legislativas de 10 de março, é a convidada do Vozes ao Minuto desta quinta-feira.
© Rita Franca/NurPhoto via Getty Images
Política Marisa Matias
A pouco mais de uma semana de os portugueses serem chamados às urnas para votar nas eleições legislativas antecipadas e escolherem o novo governo de Portugal, o Notícias ao Minuto esteve à conversa com Marisa Matias, cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo Porto.
A socióloga de 48 anos, que atualmente cumpre o terceiro mandato como eurodeputada e já encabeçou várias candidaturas pelo partido, incluindo duas presidenciais, falou sobre as expectativas de "reforço eleitoral" para este sufrágio. Garante ainda nunca ter olhado "para a política como uma carreira ou uma profissão" e diz querer pôr a sua experiência em Bruxelas "ao serviço do trabalho coletivo" na Assembleia da República.
As áreas de intervenção que o partido considera imprescindíveis e uma possível reedição da Geringonça sem "tabu" foram também outros dos assuntos abordados nesta entrevista.
Não havendo um cenário de maioria absoluta, é muito determinante a relação de forças que se pode constituir no Parlamento (...) As pessoas em Portugal sabem a importância que é ter o Bloco a influenciar as decisões
O Bloco de Esquerda (BE) teve o pior resultado dos últimos 20 anos nas eleições legislativas de 2022 (desceu de 19 para cinco deputados). O que é que espera que aconteça a 10 de março?
Esperamos um reforço da representação parlamentar e poder crescer nestas eleições. Sabemos bem que houve uma penalização e uma pressão enorme do voto útil, nas últimas eleições. Acho que não vale a pena voltarmos a essa história, que já toda a gente esmiuçou muito. Mas, nestas eleições esperamos um reforço da nossa representação parlamentar, até porque creio que está muito claro hoje, para toda a gente em Portugal, que há já algumas garantias em relação às próximas eleições. Uma dessas garantias é que nenhum dos partidos que estão habituados a governar em Portugal terá maioria absoluta.
Não havendo um cenário de maioria absoluta, é muito determinante a relação de forças que se pode constituir no Parlamento. E, em particular, numa relação de forças de uma possível maioria de Esquerda no Parlamento. As pessoas em Portugal sabem a importância que é ter o Bloco a influenciar as decisões e a poder, de certa forma, dar a volta ao que foram problemas que não só não foram resolvidos como, em muitos casos, foram agravados durante a maioria absoluta. Por isso, esperamos esse reforço eleitoral.
Vai sair do Parlamento Europeu e ser cabeça de lista do BE pelo Porto. Porquê agora?
Quando me apresentei em 2019, apresentei-me ao meu último mandato se fosse eleita e fui. Sempre entendi que não deveria fazer mais do que dois, três mandatos, que é o que me parece adequado. Estas eleições foram marcadas sem que muita gente pudesse prever. Nos últimos tempos já era mais fácil de prever, tal foi o caos gerado pela maioria absoluta, a instabilidade gerada - não só a nível governativo, mas também de problemas que foram acumulados. Mas há dois anos ninguém poderia prever que o contexto de maioria absoluta, passado pouco tempo, estaria num cenário de eleições antecipadas.
Mas já era um desejo seu?
Com toda a honestidade, pensando como acho que toda a gente em Portugal pensava quando foram as últimas eleições, que voltaríamos a ter eleições em 2026, não colocava de parte, nem nunca coloquei, a hipótese de poder concorrer nas eleições nacionais, se fosse essa a vontade do partido. Não imaginava que esse desafio fosse colocado tão cedo.
O mandato do Parlamento Europeu termina agora no final de maio, as eleições são em junho. Os trabalhos parlamentares, de qualquer das formas, terminam num dia muito importante para nós, no dia 25 de Abril. Portanto, há praticamente uma sobreposição, digamos assim, entre o fim dos trabalhos no Parlamento Europeu e o que poderá ser o início dos trabalhos na Assembleia da República, no caso de ser eleita, e por isso também não interfere com as minhas obrigações e responsabilidades enquanto deputada europeia. Isso também é uma dimensão importante para mim.
A minha ideia, terminando o mandato no Parlamento Europeu, seria de continuar no ativismo político, porque se calhar não sei estar na vida de outra forma. fazer o meu trabalho de militante de base do Bloco de Esquerda e poder ajudar o partido no que fosse necessário. Mas, essa reflexão sobre eleições só se colocaria mais tarde. Sendo agora, houve uma decisão coletiva de que eu deveria integrar as listas.
Aceitou imediatamente?
Aceitei, acho que é importante estarmos disponíveis para quando os tempos são difíceis, também, e quando há um contexto eleitoral muito complexo e incerto, tendo em conta as circunstâncias que nos trouxeram aqui. A partir do momento que começámos a falar dessa possibilidade, sim, aceitei o desafio que foi colocado.
O Bloco quis apresentar-se com força e entendeu que eu poderia representar essa força no distrito do Porto, que é o segundo maior círculo eleitoral
Sendo de Coimbra, vai ser cabeça de lista pelo Porto. Porque o BE tem receio de não conseguir votos suficientes para eleger deputados lá?
Não, há vários critérios quando se faz a elaboração das listas. Há vários critérios para escolher cabeças-de-lista, candidatos, candidatas. Podem ser critérios geográficos ou regionais, como são em grande parte das vezes - em que há uma correspondência entre esses critérios - e os outros critérios, que são os políticos. Neste caso, obviamente prevaleceram os critérios políticos.
Há 15 anos que faço trabalho no país todo, enquanto deputada no Parlamento Europeu acompanho todas as questões relacionadas com o trabalho parlamentar europeu no país e também tenho feito muito trabalho no Porto. Mas, obviamente, é um critério político. O Bloco quis apresentar-se com força e entendeu que eu poderia representar essa força no distrito do Porto, que é o segundo maior círculo eleitoral, como sabemos. Aliás, acredito que temos, e espero que assim seja, muito boas hipóteses de poder eleger o Miguel Cardina em Coimbra já nestas eleições.
Na vida política é mais habitual começar a carreira na Assembleia da República e depois seguir, então, para Bruxelas [Parlamento Europeu]. Sente que fez o caminho ao contrário?
Acho que não há uma normalidade. Se há, se calhar devemos pensar se faz muito sentido que haja normalidades assim na política. Como nunca olhei para a política, nem nunca a vi, como uma carreira, como uma profissão, não penso que haja nenhum tipo de hierarquia a esse respeito. Aconteceu ser candidata ao Parlamento Europeu e aconteceu também ter sido recandidata e ter feito mais dois mandatos. E, como disse anteriormente, não era um objetivo a tão curto prazo, nem imaginei que teria de pensar sobre ele tão imediatamente, mas nunca afastei a hipótese de poder concorrer à Assembleia da República.
Agora, acho que o que é importante é estarmos disponíveis para fazer aquilo que de melhor sabemos e podemos, seja em que contexto for. E penso que até não é má ideia, de vez em quando, ter os caminhos inversos.
Em que é que a sua experiência como eurodeputada pode ser útil ao partido na Assembleia da República?
Terei uma experiência necessariamente diferente da maior parte das pessoas que me acompanharão, no caso de ser eleita. Mas acho que essa experiência também é útil e espero poder pô-la ao serviço do trabalho coletivo que vamos fazer, porque vivemos em tempos em que a política internacional entra cada vez mais e interfere cada vez mais, também, nas nossas decisões nacionais e nas nossas relações com os outros países.
Nos últimos anos isso agudizou-se muito. Percebemos isso com a proximidade, por exemplo, dos conflitos e das guerras, que tinham andado um bocadinho afastadas da União Europeia. A invasão da Ucrânia por parte da Rússia, como aconteceu agora no último mandato, interferiu diretamente em questões de política europeia e de política nacional, como o que está acontecer agora na Palestina, e em particular em Gaza.
No caso da questão da invasão da Ucrânia, isso traduziu-se diretamente em políticas muito concretas no dia a dia das pessoas, nomeadamente no agravamento do que era já uma onda de aumento de preços da energia insustentável, que não foi, obviamente, a invasão na Ucrânia que a provocou, mas que a agravou. As questões relacionadas com os nossos alimentos, com os cereais. Os nossos défices e a nossa dependência do exterior em relação à produção, como já tínhamos, aliás, percebido durante a pandemia da Covid-19, quando descobrimos que não produzíamos máscaras na Europa, por exemplo, coisas tão simples quanto essa. São temas e são áreas que cada vez mais interferem com a política nacional.
Candidata às Presidenciais em 2026? Não, creio que não
Nos últimos 15 anos, encabeçou cinco candidaturas do Bloco de Esquerda: Duas à Presidência da República, duas ao Parlamento Europeu e agora é candidata às legislativas. Não sente que isso pode passar uma ideia de alguma falta de renovação no BE?
Não creio, estamos a falar de candidaturas para funções diferentes. Acho que é muito importante haver renovação nos partidos e o Bloco é o exemplo claro de um partido que se tem sabido renovar e bem. A renovação, contudo, não pode ser só meramente uma renovação de caras ou uma questão associada à idade, também tem a ver com as funções que vamos desempenhar. Estou a candidatar-me para uma função que nunca desempenhei e que se as pessoas assim o quiserem poderei desempenhar. Portanto, acho que não podemos ter esses critérios tão absolutistas, embora eu seja perfeitamente favorável a essa renovação. Quando digo que precisava de sair do Parlamento Europeu, estava a dizê-lo no sentido de não correr o risco de me eternizar num cargo ou numa instituição. Agora, como digo, estamos a falar de outras funções e por isso acho que são sempre vários os critérios que temos de ter em conta. O importante é não nos eternizarmos nas funções.
Em Portugal há muito essa tradição, de as pessoas começarem numa idade muito jovem e depois acabarem por, se calhar, fazerem uma vida quase inteira, e quando olhamos para os líderes dos principais partidos percebemos que é assim, mas tem de haver sempre renovação. Todos os partidos têm esse dilema e o Bloco não é exceção. Mas acho que tem feito esse caminho e, aliás, basta olhar para o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda para se perceber essa diferença desde que começámos a eleger até agora. Acho que se pode fazer bem esse equilíbrio entre as duas dimensões.
Que ensinamentos retirou das campanhas à Presidência da República que trará para estas legislativas? As preocupações da altura são as mesmas que as de agora?
Há problemas que, infelizmente, são perenes e que são preocupações contínuas e há preocupações que já vinham de trás e que têm vindo a agravar-se. Portanto, obviamente, os lugares de execução das soluções são diferentes e o desempenho dos cargos políticos são diferentes, portanto, as responsabilidades associadas também são diferentes, mas sim claramente há preocupações comuns que se mantêm. No que diz respeito à valorização e defesa da democracia, tão importante hoje em todo o lado, e em Portugal também. E depois as questões essenciais da nossa vida comum, da nossa vida coletiva: A saúde, a educação, a habitação, o cumprir da constituição, continuam a ser, sem dúvida, problemas e preocupações que se mantêm muito presentes.
Vamos vê-la como candidata às Presidenciais novamente em 2026?
Não, creio que não.
O reforço do Serviço Nacional de Saúde é prioridade máxima e que é, digamos assim, a maior conquista da democracia em Portugal, um dos grandes pilares da nossa democracia, e que está a ser posto em causa
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem demonstrado grande fragilidade, há 1,6 milhões de pessoas sem médico de família. O que é urgente fazer para resolver os problemas na saúde?
Há várias medidas que são propostas, mas desde logo o reforço do Serviço Nacional de Saúde é uma prioridade e o reforço passa, obviamente, pela valorização das carreiras dos profissionais. Não têm surgido respostas e nós percebemos bem as dificuldades que existem de fixação dos profissionais. Tivemos recentemente concursos para médicos em que houve muito poucos candidatos para as vagas existentes e não é por falta de lugares, é por falta de condições para que as pessoas possam trabalhar. Quem fala de médicos, fala também dos enfermeiros, dos técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, falamos dos auxiliares, enfim.
É preciso uma valorização clara das condições de trabalho, de dignificação dos profissionais de saúde. Não pode basear-se, permanentemente, um Serviço Nacional de Saúde em salários que não estão adequados, por um lado, e, depois, num excesso de horas extraordinárias, numa concorrência absolutamente desleal com os serviços privados. E, portanto, o reforço do Serviço Nacional de Saúde é prioridade máxima e que é, digamos assim, a maior conquista da democracia em Portugal, um dos grandes pilares da nossa democracia, e que está a ser posto em causa.
Esse caminho tem de ser feito, não foi feito nos últimos tempos e não apenas agora durante a maioria absoluta, começou muito de trás e, obviamente, durante os anos do governo de Direita e da troika, houve cortes desastrosos e avassaladores e que, infelizmente, nunca foram recuperados. Mas o Serviço Nacional de Saúde é uma, senão das principais, prioridades para o nosso futuro.
O BE tem como objetivo recuperar o tempo de serviço dos professores no primeiro ano de legislatura, enquanto o PS dá um prazo de quatro anos. Isto é negociável ou o BE não abdica deste prazo?
A partir do momento em que já toda a gente, finalmente, e todos os partidos reconheceram que o que foi feito aos professores não podia ter sido feito e que já começam a assumir que a reposição do tempo de serviço é uma condição necessária, a luta e a prioridade terão de ser repor esse tempo de serviço logo no primeiro ano de legislatura. E vamos lá ver, no caso da Educação e da escola pública não estamos apenas a falar de professores, estamos a falar de tantas carreiras profissionais que foram deixadas para trás. É uma condição de justiça.
Agora, a política faz-se numa relação de forças e, portanto, nós queremos ter força para fazer valer não apenas esta, mas outras medidas que são essenciais.
Mas então será negociável?
Em democracia tudo é negociável. Agora, quando nos apresentamos e quando apresentamos quais são as medidas - que passam pelo Serviço Nacional de Saúde, que passam pela reposição do tempo de serviço na escola pública, que passam por uma política para a habitação que permita garantir casa para as pessoas com dignidade e decência, não a forma como estamos a assistir neste momento - são obviamente os pontos de partida, são as linhas políticas com as quais nos apresentamos e que as pessoas sabem, ao votar em nós, que são as linhas pelas quais lutaremos e o máximo faremos para poder garantir.
Ninguém fala de linhas vermelhas, nem acho que se possa falar em linhas vermelhas. Isso é uma antítese e uma contradição com a própria defesa da democracia, mas não se abdica é delas à partida. Não se desiste antes de as conseguir, isso seguramente sabemos e eu tenho a perfeita consciência de que há muita clareza no programa do Bloco, nas medidas prioritárias que foram apresentadas e acredito, também, que serão elas que nos darão mais força na próxima legislatura.
Não serve a ninguém ter um banco público se não se puder fazer uma política pública com esse banco
Uma das propostas do BE passa pela redução dos juros do crédito à habitação na Caixa Geral de Depósitos. Que custos tem esta medida?
Não serve a ninguém ter um banco público se não se puder fazer uma política pública com esse banco. Aquilo a que temos assistido nos últimos tempos foram as pessoas e as famílias a entrarem em desespero por não conseguirem pagar o seu empréstimo e ao aumento dos lucros da banca com esse desespero das pessoas. Portanto, à medida que aumentavam os créditos e os empréstimos mensais em cada uma das famílias e das pessoas em dificuldade, aumentavam também os lucros da banca. Estamos a falar de lucros extraordinários, excessivos, que a banca tem tido às custas do aumento das taxas de juro.
Havendo um banco público é, penso eu, da mais elementar justiça colocá-lo ao serviço do país e das necessidades. Neste momento, essas necessidades são as de garantir que se podem baixar os juros e de que as pessoas podem ter um crédito à habitação mais acessível e mais em linha com aquilo que são os seus rendimentos. Dito isto, não estamos a falar de custos diretos, estamos a falar de dentro das margens de lucro perceber que pode ser feita uma política pública.
Há muitos argumentos a dizer que isto não se pode fazer porque depois os outros bancos terão uma política própria e que a Caixa Geral de Depósitos terá uma política distinta. Creio que se a Caixa Geral de Depósitos baixar os juros nos empréstimos à habitação, os outros bancos terão uma pressão maior para acompanhar essa política e, portanto, pode ser um fator que, não só, poderá facilitar mais a vida das pessoas, nas suas contas mensais, mas que poderá também ajudar a que se possa fazer baixar o custo da habitação própria de uma forma mais generalizada. Se os outros bancos não acompanharem, o pior que pode acontecer é haver muitas transferências de créditos para a Caixa Geral de Depósitos. Não creio que isso seja um problema para o banco público, pelo contrário pode ser até uma vantagem.
Os não residentes quando investem no setor imobiliário em Portugal, investem para especular. Porque caso contrário residiam em Portugal
No caso do arrendamento. Impor um teto máximo às rendas, como o BE já defendeu, é suficiente para reverter a situação dramática que se vive no setor da habitação?
Não, não é suficiente. O problema da habitação é um problema extremamente complexo e os problemas complexos não têm soluções simples, nem uma única solução que lhes permita responder. A nossa insistência no teto aos preços das rendas tem de ver com um fator muito simples: É uma das medidas que também é necessária, juntamente com outras, para que as outras possam ser eficazes.
Houve medidas nos últimos tempos, até por parte da maioria absoluta, para aumentar o apoio à renda, mas que são ainda claramente insuficientes e que não chegam a toda a gente. O apoio às rendas é obviamente uma medida positiva, mas se não houver nenhuma intervenção sobre o custo da renda, o que estamos a fazer é a alimentar a especulação. Não colocando um teto nos preços das rendas, elas crescem de forma especulativa e nós estamos a alimentar com dinheiro público essa especulação. Portanto, não é a única solução. Não há uma solução única, mas há medidas que isoladas não funcionam.
Obviamente aumentar a percentagem de habitação pública em Portugal também é importante. Portugal tem das taxas mais baixas, creio que a segunda mais baixa, de habitação pública na União Europeia. Isso também é uma medida absolutamente necessária. Ou seja, não há uma medida mágica que resolva o problema da habitação. É um problema complexo, mas esta medida em concreto do teto em relação às rendas é uma medida necessária e absolutamente fundamental, se queremos conjugá-la com outras medidas, nomeadamente o apoio às rendas.
O BE quer proibir a venda e compra de casas a não residentes em Portugal, como já foi feito em países como a Dinamarca e Malta. Isso não terá um impacto no mercado imobiliário?
Os não residentes quando investem no setor imobiliário em Portugal, investem para especular. Porque caso contrário residiam em Portugal. Se investem no mercado imobiliário, se compram património imobiliário, compram-no porque é um bom investimento do ponto de vista da geração de lucros e de caráter especulativo. Portanto, não me parece que seja uma medida do outro mundo. Como disse, há muitos outros países a terem esta medida porque é uma forma garantir que se retira algum caráter especulativo do mercado e que se libertam casas para quem precisa.
O período da Geringonça foi, provavelmente, dos de maior estabilidade política em Portugal nos últimos anos
O Bloco de Esquerda estaria disposto a uma reedição da Geringonça, sim ou não?
O Bloco já disse que está disponível para fazer acordos. Havendo um cenário claro de que não vai haver uma maioria absoluta nem do PS, nem da AD, e esperando nós que possa haver uma maioria de Esquerda, não haverá outra solução que não seja fazer acordos. Recordo que o período da Geringonça foi, provavelmente, dos de maior estabilidade política em Portugal nos últimos anos. Portanto, não há nenhum tabu em relação a isso.
Desta vez será necessário ter um acordo escrito?
Creio que os acordos devem sempre ser escritos.
Estão abertos a que essa Geringonça tenha novos intervenientes como o Livre ou o PAN?
Não vamos determinar o que é que é a configuração seja do que for, muito menos com esta antecedência. Vai depender dos resultados eleitorais. O que podemos determinar é o que o nosso partido faz, o que os outros fazem não podemos. E portanto, deduzindo que à Esquerda no Parlamento seja o Partido Socialista o mais votado, o que nós dizemos é que temos disponibilidade total para dialogar e fazer acordos com o Partido Socialista. Tudo o resto são conjeturas que não podemos sequer estar a imaginar neste momento.
Mas há partidos que não aceitariam?
Não sou capaz de falar pelos outros partidos, nem quero, porque não gosto quando falam pelo meu.
Estamos disponíveis para falar, para fazer acordo com o Partido Socialista, isso está muito claro para toda a gente
Falamos em relação ao Bloco. O Bloco não faria parte de uma Geringonça que tivesse determinados partidos?
Uma Geringonça não é só mesmo uma máquina estranha, é um acordo político com conteúdo e é em função desse conteúdo que faz sentido, ou não, haver cooperação entre partidos. Em abstrato é muito difícil responder, não estou a fugir à pergunta, mesmo. É difícil responder e sobretudo porque acho que não nos cabe a nós dizer qual é a configuração seja do que for. Estamos disponíveis para falar, para fazer acordo com o Partido Socialista, isso está muito claro para toda a gente.
Sente que a luta contra a extrema-direita tornou-se o centro da política? Como é que se chega a um equilíbrio sem dar palco?
A extrema-direita tem tido, de facto, um palco enorme em Portugal. Tem existido uma promoção enorme e um espaço mediático gigantesco para debater a extrema-direita e as suas ideias. O centro da nossa política, e sobretudo de uma campanha, é o debate de ideias, a apresentação de programas, de propostas e fazer esse debate de forma sã e honesta entre os partidos. Dito isto, também acho que não pode evitar-se a denúncia de muito daquilo que é uma agenda da extrema-direita e, quando necessário, deve fazer-se essa denúncia. A extrema-direita diz que é antissistema e não é. É o pior que o sistema tem e, portanto, alguma denúncia terá de ser feita também. Mas, não pode ser de nenhuma forma o centro da política, nem dos debates políticos.
Tendo em conta que os debates já terminaram, como é que encarou a prestação de Mariana Mortágua?
Sou muito suspeita, não é? [risos] Eu gostei, ou seja, não me surpreendeu. A Mariana é assim, é muito preparada, é uma excelente coordenadora e vai à luta. Portanto reconheço que sou uma pessoa muito suspeita, mas acho que a Mariana foi o que quem a conhece esperaria que fosse: Combativa, preparada e com um desempenho excelente nos debates, quando não esperávamos outra coisa, sinceramente.
Considera que os debates são ferramentas importantes para esclarecer o eleitor?
Além do contacto com a população, em que temos a oportunidade de o fazer de uma forma mais sistemática durante os períodos de campanha eleitoral, há muito poucas outras ferramentas. Há entrevistas, há debates… os debates são obviamente uma dessas ferramentas importantes. Acho é que debates de 30 minutos, poderiam provavelmente ser alargados, porque muitas das discussões não são aprofundadas. Mas, considero que são, de facto, uma das ferramentas importantes. Mesmo com o muito ruído que se possa criar ou tentativas de não debater por parte de alguns candidatos, a verdade é que é uma das oportunidades para apresentar o programa e confrontá-lo com outros.
Também do lado da Justiça creio que há explicações a dar. Mas acho que o risco de cruzar fronteiras que não devem ser cruzadas é grande demais
Tivemos vários casos relativamente recentes a manchar a política portuguesa, como a Operação Influencer, que levou à demissão do primeiro-ministro, e ainda o caso de alegada corrupção na Madeira. Como vê estes casos?
É sempre muito arriscado comentar. Em democracia devemos respeitar a separação dos poderes e portanto comentar processos judiciais não é uma tarefa que nos caiba. Dito isto, creio que no caso da Madeira há muitas questões a esclarecer, quer de um lado, quer do outro. Estamos a falar de situações denunciadas há muito tempo, aliás pelo Bloco de Esquerda, e que, independentemente, de entrarmos no campo da Justiça, ou não, convém averiguar. O mesmo se passa, no território continental, em relação, ao que entendemos ser, muitas vezes, a promiscuidade do recurso a projetos de interesse nacional para promoção e onde há muito pouca proteção ambiental e muita opacidade, em todos estes processos. São áreas onde tem faltado transparência e em que é necessário termos uma intervenção muito clara para que tudo seja esclarecido.
Mas há explicações a dar de qualquer das formas a todos os níveis. Também do lado da Justiça creio que há explicações a dar. Mas acho que o risco de cruzar fronteiras que não devem ser cruzadas é grande demais e não penso que devamos comentar em específico casos que estão na Justiça. Há muitos problemas com os quais tem de se lidar, nomeadamente as questões associadas à morosidade dos processos, ao tempo que temos demorado a ver casos a chegarem a julgamento. Nada disso é bom para a democracia, como também não é bom para a democracia haver uma desigualdade no acesso à justiça, mesmo que ela não exista na lei, existe por causa das custas judiciais. Mas, nestes casos em concreto, há explicações a dar do lado da Justiça e há explicações a dar do lado da política e há que deixar decorrer os processos, também.
Se Marcelo Rebelo de Sousa convocar novas eleições na Madeira, após 24 de março, poderemos ter quatro idas às urnas a decorrer no país só este ano. Que mensagem é que isto transmite?
Bem, em democracia é assim. Mas, creio que a situação que está instalada na Madeira, como a situação que se instalou em Portugal, antes destas eleições antecipadas, são situações que têm pouca alternativa que não seja uma clarificação por via da convocação de eleições e dar oportunidade aos cidadãos e às cidadãs de voltarem a expressar-se em urna. As eleições não são um problema da democracia. É evidente que poderá haver uma situação para nós ainda desconhecida que é ter tantas eleições seguidas em tão pouco tempo e em três casos estarmos a falar de eleições antecipadas por problemas: Dois relacionados com a Justiça e outro relacionado por acordos que não funcionaram. Seja como for, mesmo havendo situações dessas, acho que a solução mais clara e mais limpa é mesmo pedir às pessoas para que possam pronunciar-se em urna.
Queixa de Pedro Abrunhosa sobre 'slogan' do Bloco? Acho que é preciso ter calma [risos, pela alusão à música do cantor]. E espero que não seja processada pelo Pedro Abrunhosa por esta frase
O cantor Pedro Abrunhosa insurgiu-se recentemente contra o ‘slogan’ de campanha do Bloco de Esquerda para as legislativas, "Fazer O Que Nunca Foi Feito", que alega ser demasiado similar ao título do tema ‘Fazer O Que Ainda Não Foi Feito’. Avançou, inclusivamente, com uma queixa na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) alegando de que se trata de "apropriação indevida". Concorda?
Acho que é preciso ter calma [risos, pela alusão à música do cantor]. É preciso ter calma. E espero que não seja processada pelo Pedro Abrunhosa por esta frase. Na realidade a frase do Bloco é "Fazer O Que Nunca Foi Feito" e estamos a falar de expressões que são usadas há imenso tempo, há muitos anos, em vários contextos. Mesmo respeitando muito os direitos dos artistas e os direitos de autor creio que não há nenhum sentido neste tipo de acusação. É isso, é preciso ter calma.
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