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"Probabilidade de um atentado cá é menor, mas a vulnerabilidade é total"

Felipe Pathé Duarte, professor universitário e especialista em questões de terrorismo, é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto. O Estado Islâmico e a ameaça que este "protoestado" representa para o mundo, incluindo para Portugal, foram alguns dos temas que estiveram em cima da mesa de conversa.

"Probabilidade de um atentado cá é menor, mas a vulnerabilidade é total"
Notícias ao Minuto

10/11/16 por Patrícia Martins Carvalho

País Felipe Pathé Duarte

O Estado Islâmico já não é um perfeito desconhecido para ninguém. Os atentados de Paris, sobre os quais passa exatamente um ano no próximo domingo, catapultaram este “protoestado” para o quotidiano dos europeus. Terá sido o 13 de novembro o equivalente europeu ao 11 de setembro nos EUA? E como está Portugal na lista de alvos dos jihadistas? Felipe Pathé Duarte esclarece todas as questões nesta entrevista.

Como nasce o Estado Islâmico?

O Daesh nasce de uma ramificação da Al-Qaeda no Iraque que mais tarde se transforma no Estado Islâmico do Iraque, depois no Estado Islâmico do Iraque e da Síria e então no Estado Islâmico. Essa ramificação, fundada por Abu al-Zarqawi, um famigerado terrorista jihadista, tendia em não obedecer diretamente ao comando central e sempre houve uma espécie de desacordo entre o que acontecia no terreno, no Iraque, e o comando central. Essa tradição de quase secessão facilitou a cisão da Al-Qaeda do Iraque com a Al-Qaeda.

Quais são então as principais diferenças entre a Al-Qaeda e o Estado Islâmico?

O Estado Islâmico quer ser um movimento de massas, enquanto a Al-Qaeda era uma espécie de vanguarda, um movimento de elite no qual só determinadas pessoas podiam entrar. O Daesh, fruto do contexto geopolítico daquela região, conseguiu aquilo que a Al-Qaeda nunca conseguiu que é ter uma dimensão territorial, criar uma espécie de protoestado que, por sua vez, permite a governação, a possibilidade de ter armamento, a possibilidade de cobrar impostos para obter riqueza e, ao mesmo tempo, controlar um conjunto de fontes de matéria-prima.

Qual é a origem do financiamento do Estado Islâmico?

O financiamento provém essencialmente de fontes de matéria-prima e de impostos coercivos ou não coercivos. Mas provém também de resgates e do tráfico de antiguidades. Já as armas, a grande maioria, pertencia ao antigo armamento do exército iraquiano que foi sendo derrotado em sucessivas batalhas. E convém lembrar que eles controlam Mossul, a segunda maior cidade do Iraque onde está o banco de Mossul, ou seja, estamos a falar de milhões de dólares a que eles tiveram acesso e, além disto, é uma cidade que está próxima a fortes zonas de produção petrolífera.

O nosso principal erro é ver o Estado Islâmico como sendo um movimento terroristaQuais são os objetivos do Daesh?

Os objetivos a longo prazo são alterar a ordem internacional, governar de acordo com a sharia (a lei islâmica) e expulsar a influência ocidental dos espaços muçulmanos, em particular da Península Arábica. A médio prazo o que é pretendido é afastar a influência dos EUA e do Ocidente desses mesmos territórios e criar uma organização política que depois se possa transformar em califado e que sirva de Estado modelo. Nesse processo progressivo há a ambição geopolítica e territorial de dilatar o califado para que este ocupe os espaços que outrora o califado do século XII e XIII ocupou e dos quais a Península Ibérica em particular faz parte.

Porquê levar a cabo estes ataques na Europa?

Estes ataques têm objetivos muito concretos que são punir a Europa e os países que apoiam a estratégia militar contra a influência do Estado Islâmico na Síria e no Iraque, desestabilizar através da disseminação do medo, através do uso da violência aleatória, da ação terrorista, para que tenhamos medo, para depois numa terceira fase polarizar a sociedade.

O que é esta polarização da sociedade?

É ver num muçulmano um potencial jihadista. A partir daí há uma polarização da sociedade e, com base nisso, haverá uma alteração das dinâmicas do poder político. Os partidos clássicos do arco governativo não serão capazes de erradicar o medo, subindo depois ao poder outro tipo de movimentos políticos que põem em causa os princípios básicos da União Europeia. A partir do momento em que esses movimentos chegam ao poder haverá mais medidas politicamente fortes e coercivas que vão criar ainda mais polarização, não só a nível social, mas entre os próprios países. Aliás, já há países europeus a fecharem fronteiras, a extrema-direita está a ter cada vez mais poder e há hoje medo na sociedade fruto dessa aparente violência aleatória. E não esquecer o Brexit que é um exemplo disso mesmo.

Se eles estão a conseguir incutir o medo para alcançar a polarização é porque a Europa está a cometer erros…

O nosso principal erro é ver o Estado Islâmico como sendo um movimento terrorista. É errado, é muito mais do que isso. O Estado Islâmico é um protoestado com ideias concretas de caráter subversivo, violentas, revolucionárias e inspiradas numa matriz religiosa. Utilizam o terrorismo na Europa porque não podem utilizar guerra regular, mas é muito mais do que um movimento terrorista. É um protoestado.

Neste momento o Daesh está a perder terreno com a reconquista de Mossul e Aleppo. Se estas vitórias efetivamente se concretizarem pode dizer-se que é o início do fim do Estado Islâmico?

Não vamos entrar nesses clichés. Mesmo que bloqueemos a capacidade bélica ou logística da base do Daesh há sempre split overs e não só. Por um lado há outras zonas que estão aptas para receber este tipo de organizações – seja a Líbia, o Iémen, uma parte da Nigéria, outros países do golfo da Guiné – por outro lado, o centro de gravidade deste movimento é a ideia. E a ideia só precisa de ter veículos de disseminação e de recetores para vingar.

O 13 de Novembro foi uma espécie de wake up call para a Europa perceber que a ameaça existePodemos dizer que o 13 de Novembro é o equivalente europeu ao 11 de Setembro norte-americano?

Não, até porque já tinha havido o 11 de Março em Espanha e o 7 de Julho em Londres. O 11 de Setembro alterou o paradigma de relações internacionais e, por isso, está ao nível da queda do Muro de Berlim e o 13 de Novembro não. O 13 de Novembro é um atentado grave, mas não pôs em causa paradigmas geopolíticos e geoestratégicos, foi uma espécie de wake up call para a Europa perceber que a ameaça existe e para perceber a nossa vulnerabilidade e o facto de a ameaça estar cá dentro.

Até ao 13 de Novembro o Estado Islâmico estava a ser subestimado pela Europa?

Sim, foi claramente subestimado. Houve uma falha por parte do Ocidente em não se aperceber do que estava a surgir, em particular no nordeste do Iraque. A verdade é que o Daesh já existia muito antes destes ataques. Vamos recuar no tempo. Temos a presença da Al-Qaeda do Iraque, comandada por al-Zarqawi, que só queria instalar o caos e a selvajaria no Iraque para criar desestabilização e então surgir como contrapoder. Em 2006/2007 há uma intervenção dos Estados Unidos que emprega mais de 40 mil homens na contrasubversão. Em paralelo a esta ação é criada uma força por parte do Iraque, os Sons of Iraq, que eram milícias sunitas e anti-jihadistas e antigos membros das forças armadas de Saddam Hussein que, na província de Anbar, conseguem ‘empurrar’ a Al-Qaeda do Iraque para o nordeste do país junto à fronteira com a Síria. É nesta fase, em 2009, que passam a designar-se como Estado Islâmico do Iraque e ali ficam até 2010/2011 quando se desenrola a chamada Primavera Árabe e rebenta a guerra civil na Síria. Entretanto Abu Bakr al-Baghdadi assume o controlo, corta ligações com a Al-Qaeda e o Estado Islâmico do Iraque torna-se rival da própria Al-Qaeda e vai conquistando território, dinheiro, população, capacidade bélica até se transformar naquilo que hoje conhecemos como sendo o Daesh.

Portugal será sempre um alvo pois está em rota de colisão com os interesses e valores da jihad

Portugal poderá ser um dos próximos alvos do Daesh?

Proporcionalmente, a probabilidade de haver um atentado em Portugal é menor quando comparada com países como Espanha, França ou Inglaterra onde a comunidade muçulmana é muito mais vasta. A comunidade muçulmana a viver em Portugal é reduzida e está bem inserida na sociedade não havendo, por isso, grandes franjas para radicalização. Não obstante, temos de ver que Portugal é um país geoestrategicamente bem posicionado, é membro da NATO, da União Europeia, é um país do Ocidente e, por isso, será sempre um alvo pois está em rota de colisão com os interesses e valores da jihad. E não esquecendo que, a par da Espanha, está localizado no desejado território do al-Andaluz.

Então o risco é diminuto?

A nossa vulnerabilidade é total. É preciso considerar ainda outra hipótese que é a questão dos lobos solitários. Muito mais do que depender de células organizadas, o Estado Islâmico assenta muito nos chamados lobos solitários que são indivíduos que, sem ter qualquer ligação a uma estrutura, passam a agir em nome de algo, bebendo apenas da doutrina e da dimensão ideológica que estão perfeitamente disseminadas no ciberespaço. E então passam a agir. É complicado porque é uma situação individual de desespero e não é possível monitorizar o desespero individual.

Pequenas ações isoladas que tiram a vida a uma ou duas pessoas e que, posteriormente, são reivindicadas pelo Daesh são mesmo levadas a cabo por defensores da jihad ou é o Estado Islâmico a aproveitar-se para ganhar fama?

São as duas coisas. A partir do momento em que o Estado Islâmico reivindica e que alguém, mesmo não tendo nada a ver com o Estado Islâmico, de repente diz que aquilo é em nome do Estado Islâmico então passa a ser Estado Islâmico. É uma estratégia pensada que é a estratégia dos lobos solitários. Isto prova que não é preciso a tal dimensão estrutural para causar destruição e medo.

Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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