"É preciso que os portugueses ganhem coragem de falar, com ou sem razão"
Falhou a eleição à Presidência da República, mas promete não se afastar da vida política. Paulo Morais é o entrevistado desta semana do Vozes ao Minuto, na data em que formaliza a constituição da sua nova associação, a Frente Cívica.
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Política Paulo Morais
O 'bebé' de Paulo Morais nasce esta terça-feira. A associação a Frente Cívica é o projeto no qual tem vindo a trabalhar desde as presidenciais e que, promete, contribuirá para a democracia representativa em Portugal, com um tema de cada vez.
O entrevistado do Vozes ao Minuto* desta semana não promete calar os críticos, mas promete que ninguém o cala, até porque, diz, nos tempos que correm “o direito à liberdade de expressão é um luxo” - quem o pode pagar deve exercê-lo.
O que é que esteve na génese da Frente Cívica?
A Frente Cívica parte de uma necessidade de haver em Portugal, no espaço público, uma intervenção de participação pública fora da política tradicional. Nós entendemos há muito tempo que uma democracia só é verdadeiramente completa se assentar num tripé constituído por três pilares: a democracia representativa formal, que se esgota em eleições e não tem passado disso – os cidadãos são chamados de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos a nomear os seus mandatários; a justiça, que funcione em pleno por forma a defender a população geral, e em especial as minorias, das arbitrariedades que as maiorias cometem no poder; e a participação dos cidadãos, necessária para uma democracia moderna, adulta e autêntica. É necessário que ao longo dos mandatos os cidadãos tenham forma de se exprimir quer sobre os assuntos que a democracia representativa se pronuncia no Parlamento, no Governo, quer ao introduzir novos temas na agenda do espaço público.
Se não houver democracia participativa os eleitos chegam cedo à conclusão de que o poder mandatado pelo povo passa a ser poder próprio: passam de mandatários a mandantes
Os cidadãos devem dispor de um mecanismo de democracia representativa em Portugal. Como a participação é tão escassa e tão mal tratada teremos seguramente algum sucesso porque só é possível hoje aumentar os níveis de participação, uma vez que não tem havido essa tradição.
Desde o 25 de Abril que a participação tem vindo a reduzir-se e desde que entramos na União Europeia a participação é completamente afastada do espaço público.
Como é que a Frente Cívica vai atuar?
Numa primeira fase, recolhendo opiniões sobre como é que a Frente Cívica deve ser prioritária nas suas intervenções – saber quais são os assuntos mais importantes para os cidadãos. Pedimos também às pessoas que se pronunciem sobre como é que a Frente Cívica se vai organizar, sobre qual o modelo de gestão e que tipo de organização devemos ser.
Não é por falta de temas que a Frente Cívica vai deixar de atuar. Problemas estratégicos profundos e crónicos em Portugal são imensos: a corrupção; o desperdício, nomeadamente o desperdício sistemático de tempo, de recursos humanos e naturais, da utilização dos equipamentos públicos; o combate e prevenção de incêndios, o desemprego crónico. Obviamente que não podemos tratar todos ao mesmo tempo.
Qual será o primeiro problema a abordar?
As Parcerias Publico Privadas Rodoviárias (PPP), que são neste momento um dos grandes cancros das finanças públicas e sobre essa matéria logo no início do próximo ano teremos uma posição.
Então esta prioridade foi escolhia com base nas entrevistas que realizaram nos encontros?
Não ainda não, é um tema que consideramos consensual. Ainda em 2017 esperamos fazer intervenção em quatro ou cinco assuntos.
[À data da publicação desta entrevista a Frente Cívica fez já quatro encontros, em Coimbra, Porto, Lisboa e Faro].
Como será feita essa intervenção?
O que nós faremos é identificar o problema, denunciar os responsáveis pela situação, propor soluções e lutar pela sua implementação. Neste momento já temos material preparado na área das PPPs. O que faremos em concreto não lhe posso dizer porque ainda não está completo o modelo. Em cada caso a implementação das soluções que preconizamos depende de onde é que se pode intervir. Quando encontrarmos uma solução que nos pareça boa para a sociedade portuguesa lutaremos por ela até às últimas consequências. Pode demorar três dias, três meses ou três anos, mas não deixaremos cair nenhuma das causas que defendemos. O Parlamento e o Governo e os políticos podem ser parceiros se apoiarem a solução ou adversários se se opuserem à solução.
Quem é o núcleo duro da Frente Cívica?
O núcleo duro inicial é constituído por mim próprio, por António Manuel Ribeiro, vocalista dos UHF, pelo professor Mário Frota, presidente da Associação portuguesa do Direito de Consumo, pela Teresa Ferranho, fundadora da Associação dos Movimentos independentes que concorreu às autárquicas e pelo Henrique Cunha que é o dirigente de uma federação de bancos de troca de manuais escolares. Muitas outras pessoas se nos têm juntado. Em Coimbra estavam 160 pessoas. Esta é uma fase informal que só passará a ser formal no início de 2017. Vamos aí constituir uma associação que se vai chamar Frente Cívica.
Como será financiada esta associação?
São financiamentos simples, teremos cotizações dos associados, vamos aceitar pequenos donativos (não aceitaremos grandes donativos para não tirar independência à associação) e tentaremos algumas linhas de financiamento internacional. Prevemos ter sempre orçamentos pequenos porque esta Frente Cívica se faz através de trabalho voluntário dos associados.
Durante a campanha às presidenciais foi por diversas vezes acusado de fazer acusações sem provas. A Frente Cívica vai calar esta crítica?
A Frente Cívica não tem de defender as minhas dores, digamos… Quando eu denuncio alguma situação, normalmente, são coisas do domínio público e do conhecimento geral.
Tive denúncias por difamação e calúnia por parte de muitas entidades e personalidades e há muitos processos em curso, mas aqueles que chegaram ao fim, até hoje, eu ganhei. O ex-presidente do Tribunal de Contas, Guilherme Oliveira Martins, colocou-me um processo por difamação – eu ganhei; o deputado Altino Bessa fez a mesma coisa – eu ganhei; o Dr. Sérvulo Correia e a sua sociedade de advogados o mesmo – eu ganhei; Luís Filipe Menezes faz-me uma acusação do mesmo tipo – eu ganhei. Estes casos chegaram ao fim e eu levei de vencida.
Em outros casos, nomeadamente nas queixas que fiz sobre questões de urbanismo, houve provimento, o próprio tribunal disse que havia ali casos de corrupção só que na maioria das situações não conseguiram encontrar uma conexão com as pessoas envolvidas nesses casos.
Tenho quatro processos em curso, dois da Porto Editora, um do escritório de advogados de Sérvulo Correia e um do Grupo Lena. Espero voltar a ganhar até porque normalmente as afirmações que eu faço dizem respeito a factos documentados e comprovados. A minha opinião sobre esses factos emito-a no cumprimento do meu direito de liberdade de expressão.
Eles sabem que eu não me calo, por muitos processos que tiver não deixarei de dizer o que penso
Sente-se no dever de manifestar publicamente a sua opinião?
Acho que é importante que alguém fale como eu falo, que é incomum. Tenho é uma obrigação de falar, até para abrir espaço a outros. Se eu, que tenho alguma relevância no espaço português, tenho estes problemas, imagine o pobre de um cidadão num município de província se se lembra de falar mal do presidente da câmara leva com um processo que fica com a vida desfeita. Eu tenho acesso a um conjunto de meios de defesa que os 10 milhões de cidadãos portugueses não têm.
Hoje a liberdade de expressão é um luxo. Eu não sou rico, mas também não sou pobre, tenho meios económicos e capacidade de intervenção no espaço público para me poder defender […] É preciso que as pessoas em Portugal ganhem coragem de falar, com ou sem razão, daquilo que entendem que está mal à sua volta
Muitas pessoas vêm ter comigo, até na rua, porque gostavam de denunciar situações mas têm medo. Esta Frente Cívica será, espero, a médio e longo prazo, um instrumento da sociedade contra o medo.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui
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