"Tem aparecido um terrorismo pobre que é muito mais difícil de detetar"
Mesmo não pertencendo a redes organizadas e não detendo armas ou explosivos, cidadãos com motivações terroristas levam a cabo ataques com “meios improvisados que os próprios têm," tais como carros ou facas. Este “terrorismo pobre” dificulta o trabalho das autoridades, explica o general Loureiro dos Santos em entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto.
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País Loureiro dos Santos
A Europa foi abalada, esta quarta-feira, por mais um ataque terrorista. Um cidadão britânico de 52 anos atropelou vários transeuntes na Ponte de Westminster, no centro de Londres, e entrou nos jardins do parlamento britânico munido de uma arma branca. Provocou a morte a quatro pessoas e acabou por ser abatido pelas autoridades.
A aparente nova abordagem dos terroristas - que atuam isolados, usando meios improvisados que têm ao seu dispor, como carros e armas brancas -, dificulta o trabalho das autoridades. A convicção é do general Loureiro dos Santos.
Em entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, o antigo ministro da Defesa explica que é "muito mais difícil" as autoridades anteciparem-se aos ataques e que "a forma mais eficiente de combater este tipo de terrorismo é através dos serviços de informações".
"À medida que o ISIS perde terreno no Médio Oriente, tenta manter-se mais vivo na Europa", explica o general Loureiro dos Santos, convicto de que se vive uma guerra sem fronteiras. Porque "a maior parte das pessoas que têm perpetrado atentados vive no Ocidente e radicalizou-se estando no Ocidente. E isto pode ser um fenómeno muito difícil de travar".
Surpreende-o a ocorrência de um novo ataque terrorista na Europa?
Não, não fiquei surpreendido na medida em que este tipo de ataques já tinha acontecido na Europa. Foi um acontecimento que não veio contra a normalidade que se instalou. Tem sido normal que, de vez em quando, ocorram ataques desta natureza.
Há falhas que consiga apontar às autoridades para que os terroristas possam levar a cabo estes ataques?
Este tipo de ataques é muito difícil de antecipar e de impedir. Só será possível através de serviços de informações avultados que penetrem (que tenham informadores) na própria população. Claro que isso é difícil e complexo e muitas vezes surgem atores a desencadear atentados que não se sonhava que poderiam fazê-lo. O que penso que estará a ser feito em todos os países europeus é ter sistemas de informações a procurar detetar indícios que levem à conclusão de que vão ser desencadeados ataques deste tipo. Mas é difícil fazê-lo e nunca se sabe se é num determinado sítio.
O objetivo seria possivelmente atacar um membro do parlamentoTratando-se de uma zona turística como é o centro de Londres, deveria haver uma maior atenção por parte das autoridades?
Eu julgo que a zona tinha um policiamento normal, não só por ser turística mas porque era nas proximidades do parlamento britânico. Mesmo assim, é difícil detetar tudo.
É normal que um homem armado com uma faca consiga entrar nos jardins do parlamento sem ser travado?
Possivelmente houve aí uma falha. Ainda assim, ele entrou mas não concretizou o ataque. Um polícia morreu possivelmente porque tentou travar o atacante, que sentiu necessidade de se defender e reagiu matando-o. Não se sabe qual seria o seu objetivo caso não tivesse sido travado, mas possivelmente seria atacar um membro do parlamento que estivesse ao seu alcance, porque isso teria muito mais impacto mediático.
Tem aparecido um terrorismo pobre. Indivíduos que por sua iniciativa usam meios improvisados e que eles próprios têm
Como é que olha para esta aparente nova abordagem dos terroristas? O atacante de Londres atropelou pessoas, à semelhança do que aconteceu em Nice e em Berlim.
O terrorismo que tem aparecido ultimamente é um terrorismo pobre, digamos assim. São indivíduos que por sua iniciativa (ou em organizações pequenas e difusas) usam meios improvisados e que eles próprios têm (carros ou facas, por exemplo). Não há o atentado terrorista clássico a que estávamos habituados, em que havia uma organização que preparava o ataque. É assim não só para fugir à atenção das autoridades mas também porque os terroristas não têm outros meios. Para subir os passeios com um carro ou ir contra um aglomerado de pessoas não é preciso propriamente uma preparação, uma máquina de desencadeie o atentado.
Quer isto dizer que fica mais fácil para um indivíduo isolado e sem qualquer preparação atacar pessoas, mesmo não pertencendo a uma rede terrorista?
É mais fácil para os terroristas e fica muito mais difícil para as autoridades intercetar essas redes. Os serviços de informações têm conseguido detetar redes organizadas e antecipar-se a elas. O terrorista passa a poder ser um individuo qualquer, um vizinho até.
Acha que organizações como o Estado Islâmico se apoderam deste tipo de episódios para reivindicar ataques que não foram as mesmas a organizar?
Sim, claro que fazem isso. Neste caso, parece que há efetivamente alguma ligação. Mas mesmo que não haja, o Estado Islâmico vem logo dizer que está por trás dos ataques, para dar uma ideia de força e capacidade e para provocar o medo.
O terrorista passa a poder ser um individuo qualquer, um vizinho atéQual será a estratégia mais eficaz a nível europeu para combater os ataques terroristas? Passará por ter uma frente militar mais preparada ou por uma maior troca de informações entre Estados?
A forma mais eficiente de combater este tipo de terrorismo é através dos serviços de informações. Os serviços de cada país têm de se desenvolver, mesmo que muitas vezes sejam um pouco reticentes em partilhar algumas informações. Aquilo que ultimamente se está a desencadear é a troca do que se chamam os metadados e que consiste em detetar o movimento das comunicações ao invés de quem comunica. Esse tráfego é que poderá chamar a atenção das autoridades. Se houver uma ligação que se repete frequentes vezes, pode haver suspeita de que servirá alguns elementos empenhados em levar a cabo ataques terroristas.
Porque é que há reticências por parte dos Estados em partilhar toda a informação possível tendo em conta o nível de ameaça?
Bem, há disponibilidade quando há confiança, mas não tanta quando não há confiança. Na dúvida, trancas à porta.
A saída do Reino Unido da União Europeia pode vir a travar a partilha de alguma desta informação?
Não, a saída do Reino Unido da União Europeia é uma questão de natureza política. Inglaterra continua na NATO e a NATO é que é a organização de combate.
Portugal estaria preparado para reagir caso fosse alvo de um ataque terrorista?
Portugal reagiria nas condições que países da sua dimensão e com a sua capacidade reagem. Não ficava parado mas também não faria nada diferente daquilo que Inglaterra fez e que França ou Bélgica têm feito.
À medida que o ISIS perde terreno no Médio Oriente, tenta manter-se mais vivo na EuropaPelo que se percebe da dimensão do ISIS, tem alguma expectativa de que estes ataques possam vir a acalmar ou a intensificar-se?
Não sei dizer com certeza, mas o mais natural é que se mantenham, com tendência a aumentar. Porque o que se passa no Médio Oriente repercute-se no que está a acontecer na Europa. À medida que o ISIS perde terreno no Médio Oriente, tenta manter-se mais vivo na Europa. De certa forma, tentam mandar uma mensagem que penso que não terá efeitos, que é: ‘Deixem-nos aqui quietos. Se nos deixarem fazer o que queremos fazer aqui, não vamos meter-nos nas vossas casas’.
E faria algum sentido que lhes fosse permitido o que pretendem no Médio Oriente? Que a coligação internacional reduzisse, por exemplo, o número de bombardeamentos para combater o Daesh?
Ninguém sabe se essa seria a resposta. Até poderia ser o contrário. Eu acho que não se dariam por satisfeitos porque a maior parte das pessoas que têm perpetrado atentados vive no Ocidente e radicalizou-se estando no Ocidente. Isto pode ser um fenómeno muito difícil de travar, independentemente de ser no Ocidente ou no Oriente.
Que motivos levam cidadãos ocidentais a juntar-se a grupos terroristas como o Daesh?
São questões de natureza ideológica ou religiosa que não têm compreensão lógica. Na internet há muitos sites que fazem propaganda a estes grupos. São pessoas que, independentemente da sua origem, resolvem fazer esse disparate. A ideologia deles leva-os a sacrificar, se necessário, a própria vida.
É possível que pessoas que se juntam a causas como o ISIS no Oriente voltem a ter uma vida normal na Europa?
Depende se forem detetados ou não, mas eu penso que não é possível. Se forem detetados, e de um modo geral serão, terão dificuldades em fazer uma vida normal.
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