"O pior que pode acontecer no futuro é o PS ter a maioria absoluta"
Vasco Lourenço, Coronel e um dos capitães de Abril, é o entrevistado de hoje do Notícias ao Minuto.
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Política Vasco Lourenço
Vasco Lourenço não é neutro. Sabemos disso e o próprio admite que o seu espaço ideológico está ocupado pelo Partido Socialista (PS). Por isso mesmo, também tem sido esse o partido que lhe tem dado mais desgostos ao longo da vida. Sobre a oposição, diz ser “suspeito” para falar. Acusa Passos Coelho de hipocrisia e de ter mentido “compulsivamente”. Rejeita por completo o regresso do Bloco Central que, de resto, considera ser a causa da destruição, do retrocesso no campo social, que Portugal teve nos primeiros tempos depois do 25 de Abril.
Não gosta de maiorias e até prefere que o PS não a tenha nas próximas legislativas. Isto porque, a experiência diz que quando há maiorias, as vozes das minorias são esquecidas. “E de boas intenções está o inferno cheio”, atira.
Se por um lado é favorável a este Governo e a esta solução de Esquerdas, por outro, deixa severas críticas ao PS. “Não tem habilidade para escolher ministros da Defesa” e isso, constata, tem “descredibilizado” as Forças Armadas. Azeredo Lopes, acusa, “só tem feito asneiras”. Defende, por fim, o serviço militar obrigatório, até para combater o excesso de individualismo e egoísmo que abunda na sociedade.
Nunca pensou em meter-se na política, ocupando algum cargo?
Já pensei. Desde 1976 que me ameaçam que tenho de ser candidato a Presidente da República. Em 76, mesmo que quisesse, não podia porque ainda não tinha 35 anos. Depois, em 80, e todos os lados, tenho sido pressionado, de uma maneira ou de outra, para ser candidato.
Por quem?
Por variadíssimas forças, pessoas, companheiros. Quando foi a segunda vez do Silva [Cavaco], gerou-se aí um movimento no seio dos militares de Abril que queriam, à força, que eu me candidatasse. Nunca tive essa ambição, talvez porque tenha noção das minhas insuficiências. É evidente que não quero fazer a figura triste que alguns fizeram. Eu a olhar para o que eles fazem, digo, que melhor do que eles fazia de certeza absoluta. Melhor do que o Silva fez eu não tenho dúvida nenhuma de que fazia. Estou absolutamente convicto disso.
Também fui pressionado várias vezes para ser candidato à Câmara de Lisboa. Houve uma altura em que coloquei a hipótese de me meter na vida política. Ainda a Associação (A25A) estava em Linda-a-Velha, coloquei a questão de precisar de ser substituído de presidente da direção, para poder envolver-me na vida política. Porque como presidente da A25A, acho que não me devo envolver. Não consegui na altura, numa discussão alargada, arranjar alternativa. E encontrou-se a solução para o substituto do Vasco. É o Vasco. [risos].
Estou aqui numa situação que não pode ser eterna. Sou desde o princípio presidente da direção, gostava de encontrar uma alternativa. Ainda em março tivemos eleições para mais um mandato de três anos, espero que seja o meu último, mas ainda não apareceu alternativa, concorrência. Tenho sido lista única.
O pior que um indivíduo pode fazer é acomodar-se a certas regalias e benesses que o poder lhe dá. Porque a seguir, se se habituar a isso, para as manter, começa a engolir os sapos todos e a dobrar a espinha, a coluna vertebral. Ainda me lembro quando António Guterres me convidava para entrar para o Partido Socialista e eu lhe dizia "Não. Só entrarei para a vida política se me sair o Totobola". Se eu tiver uma autonomia financeira de tal maneira forte, admito entrar na vida política.
Então quer dizer que se entrasse na vida política seria como independente?
Como independente tenho participado, não me abstenho de participar na vida cívica do país. Mais cívica do que política. Tenho dado algumas pontuadas na intervenção da vida política, nomeadamente quando apoiei a coligação a Lisboa [com Jorge Sampaio]. Tive no cerne dessa solução, apoiei-a fortemente. Apoiei agora a hipótese do Sampaio da Nóvoa, numa candidatura claramente cívica e cidadã, numa perspetiva não partidária. Não sou neutro, tenho a minha posição ideológica como qualquer pessoa tem. O meu espaço ideológico, teoricamente, está ocupado pelo PS. Ao longo dos anos, tem sido com o PS que me tenho identificado mais. E também, por isso mesmo, é de longe o que me tem provocado maiores desgostos. Mas sou radicalmente autónomo e independente em relação aos partidos políticos.
Consideramos aqui na Associação, e eu pessoalmente, que somos os grandes responsáveis por a solução da Geringonça ter surgido
Já que falamos em partidos, surpreendeu-o a união das Esquerdas e a formação da dita 'Geringonça'?
Consideramos aqui na Associação, e eu pessoalmente, que somos os grandes responsáveis por esta solução ter surgido. Ao longo de vários anos, fomo-nos batendo por esta solução e apelando a que ela fosse possível.
Tenho sido agradavelmente surpreendido pela capacidade que têm tido de se unir à volta do essencial. A melhor prova de que a Geringonça é possível é a Associação 25 de Abril.
Comparo, em certa medida, a situação que vivemos hoje, a situação que vivemos no 25 de Abril. No 25 de Abril, o mundo todo ficou espantado com o que se passava em Portugal.
Tal como agora com a 'Geringonça'
E agora também. Vieram cá, na altura, veio uma avalanche de gente de todo o mundo para ver o que se estava a passar em Portugal e como era possível. Hoje estamos a ser visitados outra vez para verem como é possível a nossa solução [a 'Geringonça']. Portugal está a dar lições, é possível encontrar outras soluções.
É evidente que cada uma das partes não está plenamente satisfeita. Mas numa aliança, todos têm de ceder alguma coisa. Porque se alguém impuser a vontade ao outro, deixa de ser aliança. Felizmente, estão a chegar a bons resultados e eu espero que continue por muitos e bons anos, e já disse aos meus amigos do Partido Socialista que o pior que pode acontecer no futuro, é o PS ter a maioria absoluta. Porque corremos esse risco... E de intenções está o inferno cheio.
O que é facto é que até agora o PS tem percebido que sendo maioritário, não pode impor cheques em branco aos outros, e os outros tem que perceber que, sendo indispensáveis para a solução, não podem querer transformar-se em maioritários e impor a sua solução aos outros. Têm conseguido até agora, cada um deles abdicando, com certeza. Eu calculo o que os velhos impedernidos do PCP pensarão por estar numa aliança com o PS e com o Bloco... Mas têm sido capazes, e espero que continuem a ser capazes, de olhar para o essencial.
E dizer ‘oxalá não tenha a maioria absoluta’ não quer dizer que não vá votar PS, provavelmente irei votar PS. Espero que o eleitorado como um todo crie situações a que os obrigue a uma solução deste tipo.
Acredita, então, que se o PS tiver maioria absoluta, que rapidamente o PCP e o Bloco serão afastados da equação...
Tenho uma conceção diferente disso. Já tivemos experiência de maiorias absolutas. E quem as tinha não percebia que as minorias tinham voz e direitos. E em vez de ouvirem essas forças, escutavam-nas. E o escutar não é igual ao ouvir, o escutar entrou, saiu e não ficou nada. O ouvir é ouvir e aprender alguma coisa com isso, reter alguma coisa. A experiência diz-nos que, quer no PS, quer no PSD, a maioria absoluta foi má. Dizem: "Agora é que vai ser se houver maioria absoluta".
Assim sendo, preferia ver o PS a ir a eleições juntamente com os outros partidos?
Isso é mais complicado. Uma coligação prévia é muito mais complicada. Eles nem são uma coligação. Têm maioria parlamentar. Podia ser uma solução, mas vejo-a com mais dificuldade, conhecendo a idiossincrasia de cada partido. Se fosse possível, era capaz de ser preferível.
Passos Coelho foi um mentiroso compulsivo quando foi primeiro-ministro. Mentia com quantos dentes tinha na boca
Em relação à oposição, como é que tem visto a atuação do PSD e CDS?
Sou muito suspeito para falar da oposição. Não tenho respeito nenhum por eles. Porque, para mim , a pior caraterística da vida de um ser humano, é a hipocrisia. Não posso aceitar que um indivíduo que está não sei quantos anos a fazer asneiras, quando está na oposição comece a a atacar o que lá está por não fazer aquilo que ele também não fez.
Além dessa hipocrisia, não me merecem qualquer respeito como seres humanos e políticos. Têm lá pessoas respeitáveis, mas o PSD neoliberal que o Passos Coelho liderou... Passos Coelho foi um mentiroso compulsivo quando foi primeiro-ministro. Mentia com quantos dentes tinha na boca, compulsivamente. A deriva neoliberal descaraterizou por completo o PPD. Tem lá, felizmente, assim como no CDS, muita gente capaz e honesta. Mas enquanto o PSD tiver esta linha, da minha parte não tem o mínimo respeito e a mínima consideração.
O CDS está a tentar apagar a figura triste que o irrevogável fez e que agora está a vir ao de cima. O problema é que a corrupção não pode ser apontada apenas ao Sócrates. Eles fizeram igual ou pior, com os submarinos e outras coisas que tais.
O PSD e CDS quando estiveram no governo assumiram-se como herdeiros do regime anterior, tudo o que cheirava a Abril era para destruir. Tinham uma senha louca contra tudo o que cheirava a Abril. Por isso mesmo é que tomamos as atitudes que tomámos de recusar ir à Assembleia da República. Fizemo-lo na altura com alguma contestação de agumas mentes mais “esclarecidas”, uns tontinhos, sempre prontos a tomar algumas atitudes para se porem em bicos de pés. E o futuro deu-nos razão.
E em relação a Marcelo Rebelo de Sousa, qual é a sua opinião?
O Presidente da República, que não teve o meu apoio na eleição, muito pelo contrário, teve a minha oposição, tem vindo a surpreender-me de uma maneira extraordinariamente positiva. Espero que continue. Espero que aqueles temores da bipolaridade dele não se concretizem, que continue a cumprir e a fazer cumprir a Constituição, que continue a querer uma solução onde os valores de Abril estejam consubstanciados. Se assim for, ficamos satisfeitos.
Confrontando duas figuras, [Cavaco e Marcelo], prefiro claramente este à múmia paralítica
Muitos dizem que intervém demais...
Ele intervém demais? Intervém. Há algumas intervenções que faz que eu não faria. Ele é assim. Mas se queremos usufruir da parte boa, também temos de aceitar a parte menos boa com a qual não concordamos tanto. Ele não se pôs naquela posição estática do chefe de Estado... Confrontando duas figuras, [Cavaco e Marcelo], prefiro claramente este à múmia paralítica.
Façamos figas para que de repente [Marcelo] não mude. Quero acreditar que se vai manter e que não há intenções escondidas de recriar o Bloco Central. Para mim, o Bloco Central, e então como ele tem funcionado, com a componente de Direita neoliberal, tem sido a grande causa da destruição, do retrocesso no campo social que Portugal teve nos primeiros tempos depois do 25 de Abril.
Para a caridadezinha não me chamem para ser adepto que eu não sou
E António Costa não estaria, um dia, disposto a formar um Bloco Central?
Faço votos para que não. E se um dia lhe passar pela cabeça, que apague rapidamente isso [risos]. Não posso falar em nome do António Costa, provavelmente não faria tudo como ele faz, mas espero que essa ideia não lhe passe pela cabeça. E nisso sou suspeito, porque desde o 25 de Abril que tenho vindo a defender que o PS, em vez de se aliar à Direita, deve aliar-se à Esquerda.
Porque é assim que eu vejo. Os ideais de Abril são fundamentalmente ideais que para mim são de Esquerda. Da justiça social, da liberdade, da democracia. À Direita vem depois o quê? Caridadezinha? Confundem justiça social com caridade? Não.
Para a caridadezinha não me chamem para ser adepto que eu não sou. Uma coisa é a justiça social, o cidadão ter direito a, outra coisa é, “o senhor dá as migalhas ao pobre porque é caridoso”. Não alinho aí. Espero de facto que António Costa não lhe passe isso pela cabeça.
Mas há no PS quem preferisse um Bloco Central.
Com certeza, o PS não é homogéneo, E há lá muita gente errada que está mal no PS. O PS é essencialmente um partido de liberdade, e aí o Mário Soares como responsável pela construção do partido teve uma influência decisiva como não poderia deixar de ser. Há liberdade de opiniões lá [no PS], é como eu o vejo, nunca lá estive dentro. Mas cometem erros tremendos.
Como por exemplo?
Uma das coisas que eu sou permanentemente crítico é a questão da defesa nacional. O PS não tem a mínima sensibilidade para os problemas da defesa nacional, não sabe. Normalmente quando forma governo e tem de nomear um ministro da defesa, anda primeiro a analisar quem é que não sabe nada de defesa nacional, e depois é esse mesmo que escolhe.
Na minha opinião o ministro da Defesa só tem feito asneiras
Não lhe agrada Azeredo Lopes?
Disse logo ao Costa assim que formou Governo. “Então você vai-me nomear um ministro da Defesa destes?”. Na minha opinião só tem feito asneiras.
Não soube resolver polémicas como a do Colégio Militar e a das mortes nos Comandos?
O ministro da Defesa não é ministro das Forças Armadas. Mas, não pode também deixar de ser ministro das Forças Armadas. Isto é, a Defesa é mais do que as FA. A componente das FA para a Defesa é uma componente essencial e fundamental. E para se ser ministro da Defesa é preciso saber o que são as Forças Armadas, e não é preciso ser militar para saber isso. Mas aqui está também outra coisa, não percebo porque é que um militar não pode ser ministro da Defesa, não percebo. Nomeiam Aguiares Brancos, enfim, aquilo que têm nomeado. O PS sempre teve pouca habilidade para escolher ministros da Defesa.
E isso tem vindo a descredibilizar as Forças Armadas?
Tem. E depois há esta situação de, há uns anos a esta parte, as Forças Armadas são de longe praticamente o único instrumento que o Governo tem para fazer política externa, para participar em missões, mesmo assim não as prestigia, trata-as mal.
[Os ministros] Não percebem a idiossincrasia dos militares que têm caraterísticas próprias, que juram dar a vida pela Pátria se for necessário, são características próprias. Têm muitos defeitos? Têm, mas também têm muitas qualidades. E demonstraram que há militares muito mais civilistas do que a maior parte dos civis, quando fizeram o 25 de Abril como o fizeram e devolveram o poder.
E, portanto, há deformações de pensamento que criam situações complicadas. Se há coisa que o atual ministro da Defesa não tem é bom tacto, bom senso, para tratar esse tipo de problemas que tem havido.
Passar pelas fileiras devia fazer parte da formação de todos os jovens
É a favor do regresso do serviço militar obrigatório?
Num país como Portugal devia fazer parte da passagem dos jovens, um ato na sua formação. Têm a educação, mas para mim não é só a educação, é também a formação. Passar pelas fileiras devia fazer parte da formação de todos os jovens.
O que é que se aprende por lá?
Um sentimento de responsabilização, de trabalho em equipa, um sentir cívico, de valores. Hoje, as sociedades são orientadas para o individualismo. A competição entre as pessoas é uma coisa terrível.
Na tropa, e na vida militar, isso é condicionado porque, imagine, se for para uma ação de combate, tenho de ter plena confiança no colega que vai ao meu lado e principalmente no tipo que vai atrás de mim. Tenho de ter a certeza de que, andando lá no mato, o tipo que vai atrás de mim me vai proteger as costas, como eu vou proteger as costas de quem vai à minha frente. Plena confiança e atuação em equipa.
É evidente que houve exageros, a guerra obrigou a que um indivíduo passasse quatro ou mais anos no serviço militar, não é isso que se pretende. Calculo que oito a 12 meses seria o suficiente. Era essencial no ciclo de formação dos jovens. A maior parte dos jovens não aprende o hino nacional, não faz ideia dos valores da pátria, porque nas escolas ou os professores são especiais e ensinam isso, ou então seguem só os programas.
*Leia aqui a segunda parte da entrevista
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