"A caridade não tem nada de errado, só é profundamente insuficiente"
Margarida Pinto Correia, diretora da área de Inovação Social da Fundação EDP, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.
© Fundação EDP
País Margarida P. Correia
Pode ainda não ter ouvido falar do programas Escolas Solidárias Fundação EDP mas poderá, no futuro, beneficiar dos seus efeitos. Não a nível económico, mas num plano ainda mais premente, o cultural e o social. A iniciativa, que já se encontra na 7.ª edição, destina-se a todas escolas públicas e privadas do 2.º Ciclo ao Ensino Secundário e tem como objetivo formar personalidades e atitudes, no sentido de incentivar cada um a ser uma força de mudança positiva dentro da sua comunidade.
Como funciona? Com o apoio da plataforma da Escolas Solidárias Fundação EDP, cada escola encabeça um projeto para ajudar a comunidade em que está inserida naquilo de que mais carece, apoiando iniciativas relacionadas com pobreza, desemprego, educação, saúde, apoio à terceira idade, etc.
O projeto já mobilizou, desde 2010, de acordo com os dados mais recentes, 36.974 alunos, 3.261 professores das equipas e 17.870 voluntários esporádicos (staff das escolas). 42% das 1943 escolas que existem em Portugal já se inscreveu pelo menos uma vez. E este ano expandiu-se para as ilhas.
Margarida Pinto Correia é diretora da área de Inovação Social da Fundação EDP e uma das pessoas que ajudou a tornar esta iniciativa nacional. Em conversa com o Notícias ao Minuto, explicou como é importante que cada um faça a sua parte e como acredita neste projeto como um movimento de cidadania.
No que é que consiste e qual é o intuito desta iniciativa?
O objetivo último do Escolas Solidárias é criar uma movimento de cidadania que envolva os estudantes nas suas comunidades, que lhes dê uma noção clara do que é que se passa na realidade à volta deles e que lhes permita ter a consciência de que podem intervir. É muito comum nos adultos esse medo de “eu sozinho não valho nada”, “eu sozinho não faço a diferença”, “eu sozinho não posso mudar” e portanto as pessoas passam ao lado.
E a nossa consciência de que cada um faz a diferença e de que temos todos um enorme impacto nas opções que fazemos e nas atitudes que temos levou-nos a este projeto. Já existia no Grande Porto, promovido por uma empresa, e nós observamo-lo e medimos o seu impacto e percebemos que era uma fórmula que podia ser desenvolvida, empoderada e depois escalada. O desafio foi tornar isto numa coisa nacional e crescente porque entretanto chegámos a 433 escolas, ainda temos 800 e tal para atingir, portanto ainda vamos a um terço do caminho.
A caridade não tem nada de errado, só é profundamente insuficiente
A ideia é mesmo chegar a quase todas as escolas?
A ideia é chegar a todas as escolas. O ‘quase’, enquanto objetivo, não é necessário. Obviamente nós sabemos que é um passo gigantesco. O nosso objetivo é do 5.º ao 12.º ano, são idades muito diferentes para comunicar – dos 10 aos 18 anos. E isso já em si é um desafio, ter uma linguagem que todos sintam como sua. Porque falar com um miúdo de 10 anos ou um miúdo de 18 não é a mesma coisa. E então nós fomos buscar a linguagem digital, a linguagem que eles usam das redes sociais, fizemos da hashtag o nosso veículo.
Estamos a formar estes miúdos, capacitando-os para aquilo que eles podem ser, que eles já são mas ainda não sabem. Tudo numa consciência muito clara que vivemos numa comunidade.
Este projeto foi entretanto desenvolvido e montado partindo dos nossos conhecimentos, na inovação social da Fundação EDP, das fórmulas de abordar a sociedade. Temos uma quase obsessão com a medição de impacto, temos uma medição muito apurada de tudo o que fazemos.
O nosso objetivo último – nosso, em geral, dentro da inovação social - nunca é tapar um buraco, é interromper um ciclo e eliminá-lo. No caso, a exclusão e o ciclo de pobreza.
Gosto mesmo de acreditar que é um movimento de cidadania que estamos a criar e que esse movimento é contagiosoHá duas dimensões, portanto, para além de trabalharem com a consciencialização das crianças também ajudam a, de certa forma, trabalhar com as questões sociais e ajudar nesse sentido.
Exatamente. A maior parte das escolas já tem um qualquer projeto solidário, que normalmente é finito no ano. Ou seja, ou fazem uma recolha para uma necessidade única ou fazem voluntariado em geral nas associações que existem perto, o que é ótimo, mas não é uma coisa com continuidade nem com a noção do impacto. Fazem porque é preciso naquele momento. A caridade não tem nada de errado, só é profundamente insuficiente.
O que nós estamos a tentar fazer é dar-lhes a consciência de que se eles fizeram a coisa com uma metodologia específica, com um passo a passo, criam sustentabilidade e criam também uma forma de medir aquilo que estão a fazer, o que estão a transformar ou não. E isso eles podem ir fazendo na plataforma.
O que é nos fizemos para os orientar? Escolhemos oito dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. Esses oito objetivos são como baias para eles. Dentro das TIC, por exemplo, há imensas escolas a trabalhar com lares de terceira idade.
De entre as iniciativas em que têm estado envolvidos, quais crê que correram melhor ou quais as que marcaram mais?
Há algumas que me marcam muito. Houve duas do ano passado que foram extraordinárias, na Beira Alta. Alunos de escolas de uma zona de muito desemprego que criaram empregabilidade para os pais, fizeram projetos de empregabilidade. Foram caçar oportunidades de emprego no pequeno comércio e nas empresas da região, fizeram entrevistas com esses putativos patrões, fizeram workshops com os pais e depois marketplace na escola para cruzar pais e emprego e criaram empregos.
Miúdos que fazem trabalhos ambientais incríveis porque transformam, de facto. Não é só o “vamos todos apanhar o lixo no dia 6 de maio” é “vamos todos criar condições para que não haja mais lixo nessa praia ou nessa rua”. Coisas desse género há muitas e ações continuadas.
Obviamente que ainda há muitas escolas que estão nas tampinhas e na recolha de mantas para os sem-abrigo, etc. Não tem nada de errado. Dou os outros exemplos porque os outros são verdadeiramente transformadores.
As Fundações têm este papel ainda mais privilegiado porque podem experimentar e errar que é uma coisa que teoricamente o Estado não pode fazerA longo prazo, criar uma geração que não se preocupe só com a solidariedade pontual mas com uma consciencialização maior em relação aos problemas que os rodeiam?
Exatamente. Gosto mesmo de acreditar que é um movimento de cidadania que estamos a criar e que esse movimento é contagioso. Temos patronos [como, por exemplo, Easy B e Pedro Lima, na imagem acima] que nos ajudam a promover isto, pessoas conhecidas dos miúdos, que vão connosco às escolas, que falam com eles.
A Margarida está no projeto desde o início?
Não desde o início porque eu só estou na Fundação EDP há quatro anos. O projeto original existia no Grande Porto e vivia de patrocínios: dar o dinheiro e pôr a marca à vista. Depois foram pedir apoio à EDP Gás. Felizmente, porque a EDP Gás tem um colega extraordinário queé o José Sara, que ligou a dizer que havia ali um projeto bom. E eu reuni com eles e discuti hipóteses e a proposta que fizemos foi tornar as coisas nacionais.
A Fundação criou a plataforma, criou todo o sistema digital, o guia para o professor. Não acreditamos na sponsoring da forma habitual, queríamos medir, perceber o impacto. E por isso criamos parcerias e não projetos de marketing.
Nos últimos quatro anos, precisamente, têm sido tempos incrivelmente difíceis a nível nacional. Acha que este projeto é uma alavanca para o futuro?
Espero que sim. Acredito mesmo que sim. Costumo dizer ao miúdos que eles são uma semente, isto é uma sementeira o que estamos a fazer. Acreditamos profundamente que eles podem mudar aquilo que vai acontecer com a vida da comunidade deles, através deste projeto.
A nível político, por exemplo, Marcelo Rebelo de Sousa tem mostrado muito interesse nas questões sociais, nomeadamente para com os sem-abrigo.
Isso é ótimo. Quando nós pomos a coisa na agenda - e quando eu digo nós refiro-me a investidores sociais, políticos proeminentes, como é o caso do Presidente da República – de repente a coisa passa a ser um tema, de repente toda a gente sabe e de que toda a gente fala. E neste caso das Escolas Solidárias é toda a gente ter a noção de que pode fazer a diferença. Cada um ganhar consciência de que tem um papel ativo.
E isso é uma coisa de que a política nos divorciou um bocadinho, porque as pessoas criaram um enorme descrédito em relação à política, com a corrupção, com os interesses próprios, com o partidarismo puro. [Mas] nós é que votamos, e somos cidadãos em democracia portanto temos o poder de dizer que está errado. Ou dizer “é por aqui”. As Fundações têm este papel ainda mais privilegiado porque podem experimentar e errar que é uma coisa que teoricamente o Estado não pode fazer.
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