"Portugueses apreensivos, mas sentimento predominante é de resistência"
O secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus da Madeira mostra-se preocupado com o fluxo de portugueses que estão a regressar à região, e apesar de empenhado em apoiá-los a refazer a sua vida, confessa que espera que se trate de um regresso "temporário".
© Global Imagens
País Sérgio Marques
O secretário regional dos Assuntos Parlamentares e Europeus da Região Autónoma da Madeira, Sérgio Marques, esteve recentemente na Venezuela para apoiar os portugueses que ali vivem e que têm passado dificuldades perante o momento delicado que se vive no país.
No regresso, falou com o Notícias ao Minuto sobre a forma como esta crise política pode afetar Portugal e sobre os desafios que o país enfrenta para apoiar os portugueses que se encontram na Venezuela e os que estão a regressar e precisam de apoio na integração.
Esteve recentemente de visita à Venezuela. Quais os objetivos dessa viagem?
Em primeiro lugar, foi expressar à nossa comunidade o valor da solidariedade num momento que é particularmente difícil na vida dos nossos conterrâneos. Temos de estar com eles nos bons e maus momentos e esta visita queria significar que o Governo português e o Governo Regional da Madeira não abandonam a sua comunidade radicada na Venezuela.
Que país encontrou a esta altura? Que sentimento predomina entre os portugueses que vivem na Venezuela?
Um país em grande tensão política, um país a sofrer uma enorme crise económica e social, à beira de uma crise humanitária e uma comunidade, obviamente, muito apreensiva, muito preocupada com toda esta situação que atinge a Venezuela e que está a atingir de uma forma muito dura todos os nossos conterrâneos radicados naquele país.
Tivemos a oportunidade de estar apenas quatro dias no país e estivemos em contacto com cerca de 500 portugueses em três cidades - para além de Caracas estivemos também em Valencia e em Maracay - e no conjunto dos contactos que fizemos contactámos com portugueses, alguns deles cujos negócios foram vandalizados na sequência da instabilidade vivida nas últimas semanas na Venezuela. Ainda assim, o sentimento é de resistência, de aguentar e esperar por melhores dias. Este é o sentimento que posso dizer que é predominante e que vem da primeira geração, os conterrâneos que emigraram. Os seus filhos, os seus netos, os de segunda e terceira geração, esses estão com um sentimento que os leva a abandonar a Venezuela.
Têm ali tudo e sentem que se deixarem a Venezuela têm de começar literalmente do zeroE o que motiva esses primeiros portugueses a quererem ficar no país dadas as circunstâncias?
Porque, enfim, têm ali tudo. Têm uma vida inteira de muito trabalho, muito esforço, muito sacrifício, têm ali as suas casas, os seus negócios, outros ativos, e sentem que se deixarem a Venezuela têm que começar literalmente do zero, muito deles em idades que já não permitem que arrancar do zero seja a solução.
Defendeu-se em debate na Assembleia Legislativa da Madeira que Portugal se deve oferecer para mediar o conflito político na Venezuela. O que é que Portugal pode fazer nesse sentido?
Se nos referirmos às possibilidades de Portugal relativamente à ajuda à nossa comunidade, esse trabalho está a ser feito. Nós podemos auxiliar a comunidade através do movimento associativo e estamos a apoiar o movimento associativo na Venezuela que é um movimento muito peculiar.
Há cerca de 47 associações ligadas à comunidade portuguesa e este movimento associativo pode ter um papel importante na identificação das situações de maior carência que exigem uma especial atenção e o Governo pode ter uma palavra a dizer no que concerne à ajuda a estas pessoas mais carenciadas da nossa comunidade.
Por outro lado, estão a ser também identificadas situações de idosos e emigrantes carenciados para se poderem candidatar ao ASIC e ao ASEC que são sistemas de apoio financeiro aos conterrâneos emigrados em situações de maior carência.
Portanto, toda a ajuda dada neste momento é mais à base de apoio financeiro?
Sim, apoio financeiro e depois também o apoio da rede consular que é muito importante. Tive oportunidade de constatar que os consulados, quer o de Caracas quer o de Valencia, estão a funcionar de uma forma muito eficaz, com níveis de produtividade muito elevados.
Em Caracas, cada funcionário está a dispensar cinco mil atos consulares por ano o que é uma quantidade muito significativa. Portanto, a rede consular está a revelar-se à altura da enorme procura que neste momento existe relativamente aos atos e é também uma forma de apoiar a nossa comunidade num momento difícil como este.
Temos de ajudar aqueles que regressam e necessitam de medidas que favoreçam a sua integração no país, esperando que esse regresso, nomeadamente à Madeira, seja temporário
A prioridade do governo regional é tentar apoiar os portugueses dando-lhes apoios para que consigam permanecer na Venezuela, ou é fazê-los regressar?
Nós temos de tratar de ajudar a nossa comunidade não só na Venezuela mas também aqueles que regressam e necessitam de medidas que favoreçam a sua integração no país, esperando que esse regresso, nomeadamente à Madeira, seja temporário porque é esse também o sentimento dos que regressam: ter um abrigo e uma proteção temporária e esperar tendo a esperança de uma melhoria da situação na Venezuela que lhes permita poder regressar ao país que tão bem os acolheu.
Quantas pessoas regressaram à ilha nos últimos meses?
Estimamos em cerca de três a quatro mil as pessoas que nos últimos meses regressaram à região. Esse número esta a ser identificado nas últimas semanas após o agravamento das condições de crise na Venezuela e prevemos que o movimento possa continuar se não houver a curto prazo uma receita para a crise.
E que implicações é que estes regressos têm para a economia regional?
Há um enorme desafio que temos de enfrentar no que concerne à integração de todos estes nossos conterrâneos, nomeadamente em termos de mercado de trabalho. Muitos deles estão à procura de trabalho, temos mil pessoas registadas no centro de emprego, temos 100 pedidos de ajuda em termos de habitação, temos de atender às necessidades de formação da língua portuguesa pois muitos dos descendentes não falam a língua ou têm conhecimentos insuficientes da mesma.
Também no que concerne ao inglês [temos de investir nessa aprendizagem] para melhorar as suas oportunidades nas atividades turísticas que são a nossa principal atividade económica aqui na região. Temos também questões relacionadas com a segurança social, incentivos ao empreendedorismo porque são pessoas também muito empreendedoras, temos de ver que mecanismos de microcrédito podemos dar a estas pessoas para desenvolverem pequenos negócios a encontrar uma forma de rendimento futuro. São todo este tipo de questões com que teremos de lidar para favorecer a integração destas pessoas.
E têm capacidade de reposta para estas necessidades?
É óbvio que com a nossa dimensão e que com as nossas limitações, com uma população de apenas 250 mil pessoas, não temos condições para acolher um número muito significativo de pessoas regressadas da Venezuela e receio que esse número possa vir ainda a aumentar nos próximos meses. E sendo assim, penso que é uma questão a nível nacional pois são cidadãos portugueses que regressam ao país.
O Governo da República e o Estado terão de colaborar com a região, no sentido de favorecer a integração de todas estas pessoas no nosso país. E esta disponibilidade para cooperar e ajudar a região a fazer face a este desafio já foi manifestada ao Governo Regional por parte do Governo da República. Foi um assunto que tratei com o senhor secretário de Estado na nossa visita à Venezuela.
E o que está a ser feito pelo Governo da República nesse sentido?
Estamos a fazer o levantamento de todas as situações desta integração, vamos fazê-la nas próximas semanas, para depois termos reuniões de trabalho com o Governo e ver qual poderá ser a forma de a República nos auxiliar a fazer face a todas estas implicações.
É muito temerário estar a fazer uma previsão da forma como a situação no país pode evoluirEm relação à Venezuela, que previsão faz para o futuro do país?
É muito temerário estar a fazer uma previsão da forma como a situação no país pode evoluir, precisamente porque há uma enorme incerteza sobre o evoluir da situação. E eu não me atrevo a fazer uma previsão, limito-me a expressar uma vontade de que as coisas possam evoluir favoravelmente porque se não, podemos vir a ter um agravamento do fluxo de regresso e o desafio ser consideravelmente superior.
Durante a visita esteve em contacto com elementos do governo venezuelano?
Sim, eu e o secretário de Estado das Comunidades tivemos a oportunidade de ter uma reunião de trabalho com a ministra dos Assuntos Exteriores precisamente com o objetivo de lhe colocarmos questões ligadas à comunidade portuguesa, nomeadamente duas delas: as detenções que se registaram, detenções de pessoas ligadas à nossa comunidade que protestaram no decurso das manifestações que temos vindo a testemunhar, e também de repararmos e de indemnizarmos todos aqueles detentores de negócios que viram os seus estabelecimentos destruídos. E houve uma abertura da senhora ministra para atender a estes aspetos que são muito relevantes para a comunidade portuguesa.
Desse contacto que teve, que perceção acha que o Governo daquele país tem sobre esta situação e qual a sua abertura para tentar ceder e resolver esta crise?
O Governo português tem assumido uma postura de neutralidade relativamente à situação política que se vive no país, acima de tudo marcada pela defesa dos interesses da comunidade. Sabemos que outros países têm tido uma posição bem mais vincada para com o governo venezuelano e isso acaba por ter consequências relativamente à comunidade. Estou a referir-me por exemplo ao caso espanhol. Portanto as questões políticas não foram propriamente objeto da nossa conversa, acima de tudo tratámos de fazer valer os interesses dos nossos conterrâneos.
A não se resolver, pode o Governo optar uma atitude mais reivindicativa?
Terá de questionar os responsáveis pelo Governo português que não estou em condições de responder por eles.
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