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"Não chego a ter pena de Passos, mas não gostaria de estar no lugar dele"

Gabriela Canavilhas é a entrevistada desta quarta-feira do Vozes ao Minuto.

"Não chego a ter pena de Passos, mas não gostaria de estar no lugar dele"
Notícias ao Minuto

14/06/17 por Pedro Filipe Pina

Política Gabriela Canavilhas

Foi ministra da Cultura do segundo Governo de José Sócrates. Desse tempo, sobejou um ‘amargo de boca’ pelas ideias que ficaram pelo caminho quando o Governo caiu ao fim de ano e meio. Mas se lhe perguntam se a preocupa ver o seu nome associado ao de um primeiro-ministro que se viu envolvido num processo judicial, Gabriela Canavilhas não hesita: “estou muito bem acompanhada e com muito gosto”, diz-nos, lembrando colegas com quem trabalhou.

Nos últimos anos, foi no Parlamento que prosseguiu a sua vida política, deixando de lado o piano que sempre a fascinou.

Agora, tem outro combate político pela frente: é a candidata autárquica do PS a Cascais, concelho que, no século XXI, foi sempre conquistado pelo PSD. O piano, esse, continua por perto, no seu gabinete. Mas a música terá de esperar mais um tempo.

Contra todos os vaticínios, o PS e António Costa estão a dar uma lição à direita portuguesa mas, sobretudo, à direita europeiaEm outubro de 2015 foi uma das socialistas que afirmou desde cedo que o PS tinha “condições para governar à esquerda". Estamos em 2017, como avalia a chamada 'geringonça'?

O balanço é muito positivo e só prova que o país encontrou uma alternativa, liderada pelo PS, que funciona. Contra todos os vaticínios, o PS e António Costa estão a dar uma lição à direita portuguesa mas, sobretudo, à direita europeia. E tenho esperança de que esta grande lição possa ‘contaminar’ outros países e fazer caminho relativamente a outros modelos de governação que contrariem a ideia da austeridade positiva e da austeridade punitiva, um modelo que provou não ter resultados positivos para relançar a economia.

E como vê o momento atual da oposição?

A oposição está claramente perdida, sem discurso e sem estratégia, porque nunca imaginou que o sucesso desta alternativa pudesse ser tão efetivo. De início apostaram que o Governo iria ser curto, que não ia resultar. Passos Coelho pôs os ovos todos no mesmo cesto e preparou um discurso de desgraça e do diabo. Agora, subitamente, perante o sucesso dos indicadores, surpreendentes até para as próprias expectativas do Governo, a direita vem dizer que estes resultados se devem às suas próprias iniciativas no tempo da austeridade. Há aqui um desnorte, que diria que até é compreensível: não deve ser fácil ser oposição neste momento, quando todas as premissas sobre as quais [a direita] construiu o seu discurso caem todos os dias. Às vezes olho para Passos Coelho e não chego propriamente a ter pena, que em política não há pessoalização, mas fico a pensar que não gostaria de estar no lugar dele

O atual Governo optou por voltar a criar o ministério da Cultura, pasta que tinha sido de secretaria de Estado durante o Governo PSD/CDS. A existência de um ministério é importante para o setor cultural?

Já disse isto mil vezes antes e fiz disto um 'cavalo de batalha' durante os anos de governo da direita porque há aqui duas faces relevantes. Uma é a política: a atribuição de um ministério à cultura é uma manifestação política em primeiro lugar. Quando a cultura não tem essa dignidade de ministério, estamos a dar aos cidadãos um sinal de que tem uma relevância menor. E isto enquanto sinal político tem toda a importância, que a política também é feita de sinais.

A outra face é no plano da eficácia. É evidente que um ministro tem outros meios, quer de atuação prática, quer de relações institucionais, para poder concretizar a sua estratégia. Um ministro discute em sede de Conselho de Ministros com os seus pares, de igual para igual, onde um secretário de Estado não tem assento.

A cultura em Portugal ainda é vista como coisa de elites?

Essa ideia tem-se vindo a esbater com o passar dos anos e com o processo de democratização da cultura que vem já desde o 25 de Abril. Mas ainda persiste nalguns domínios e creio que há-de ser sempre assim, porque há uma esfera da atuação da cultura que será para elites.

A cultura tem de estar disponível para todos, é até um imperativo constitucionalIsto é algo negativo?

As elites fazem parte das sociedades e não queremos sequer negar isso, até porque certas elites, como as intelectuais, são um motor em muitas áreas. São elas que desbravam caminhos de pensamento e reflexão e fazem com que as sociedades avancem. Mas quando ela [a cultura] é responsabilidade do Estado, o Estado tem obrigação de promover ações culturais destinadas a todos. A cultura tem de estar disponível para todos, é até um imperativo constitucional.

Reparei que acompanhou no Twitter a vitória do Salvador Sobral na Eurovisão. Como viu essa conquista?

Entusiasmei-me imenso. Para já porque achei a canção muito bem feita e eu sou muito sensível à qualidade, em particular na música. A canção tem particularidades que remetem para um certo tipo de música que se fazia no final do séc. XIX e princípios do séc. XX. A forma de escrita, a harmonia... é uma canção em que me revejo e ter vencido mostra que muitas outras pessoas encontraram esses sinais de qualidade. De resto, as características pessoais do intérprete também ajudaram. Destacaram-no entre a mediania. Foi muito interessante ver como esse destaque foi tão visível Europa fora, até para lá dos Urais, até à Austrália, que hoje a Europa vai muito para lá dos Urais [risos].

Só a ideia de haver uma fogueira, com 12 ou 20 metros de altura, que há relatos contraditórios, dentro do Convento de Tomar, arrepia-meRecentemente foram notícia os alegados estragos que terá havido no Convento de Tomar durante as gravações de um filme e as festas privadas que terão ocorrido nos Jerónimos e que estarão sob investigação. Como ex-ministra, como vê o uso de património histórico em iniciativas privadas?

Só faz sentido preservarmos o património se ele for vivido pelas pessoas. Não faz qualquer sentido a cristalização do património. Devemos conjugar a bondade desta ideia de partilhar o património com as pessoas com a ideia de que essa partilha possa ser rentável. Com a rentabilização do património, podemos preservá-lo melhor.

Agora, há regras e é indispensável, e de bom senso, cumprir essas regras. Está a decorrer um processo de inquérito do ministério da Cultura para aferir o que aconteceu. As reportagens daquele programa ['Sexta às 9', da RTP1] tendem a ser um pouco sensacionalistas mas mostraram coisas que são preocupantes. O ministério vai aferir o que aconteceu e depois poderemos pronunciar-nos, mas gostava de dizer que só a ideia de haver uma fogueira, com 12 ou 20 metros de altura, que há relatos contraditórios, dentro do espaço, arrepia-me.

É sempre um risco.

E é logo a coexistência de uma fogueira com 40 botijas de gás butano dentro do espaço. Não quero crer que a Direção-Geral do Património, que é dirigida por uma pessoa altamente competente, Paula Silva, estivesse a par destas circunstâncias. Ela nunca autorizaria nada assim. Se as circunstâncias foram como as que foram relatadas, algo escapou ao controlo do IGCP. Não posso de maneira nenhuma concordar com extremos desta natureza. Sou favorável à partilha do património, na medida em que deve ser vivido, mas dentro das regras que permitam que ele perdure, para que possa ser partilhado por muito mais séculos.

As notícias que vieram a lume sobre o Mosteiro dos Jerónimos e contratos paralelos são muito preocupantes. Está também a decorrer um inquérito e teremos de esperar para ver. Não há decisões antecipadas à Justiça.

Continuo a fazer muita asneira nas redes sociaisEm 2015, numa entrevista ao Canal Q, descrevia-se como infoexcluída. Em 2016 foi criticada pelas críticas que tinha feito a uma jornalista do Público. Ainda se sente infoexcluída no que às redes sociais diz respeito?

Continuo a fazer muita asneira nas redes sociais [risos]. Tenho de aprender rapidamente a ser mais eficiente porque a literacia digital é indispensável hoje em dia. Ainda por cima é um bom instrumento para difusão de mensagem política. Esse episódio foi tonto, ou melhor, menos feliz, mas continuo a achar que eu tinha toda a razão no meu desabafo e até a Entidade Reguladora da Comunicação se pronunciou a meu favor. Mas as redes sociais são um pau de dois bicos.

Como assim?

Também têm consequências negativas nas relações entre as pessoas. Há o homo sapiens e o homo conexus e nós hoje em dia somos o homo conexus. Através destes gadgets por vezes esquecemo-nos de ser pessoas que se relacionam entre si. Quando nos relacionamos entre nós, incidentes como esse do meu tweet não existem, porque olhamos nos olhos uns dos outros e percebemos o que queremos dizer. Torna-se muito mais sensitivo, muito mais claro. Acho que nada substitui a relação entre as pessoas e, francamente, ninguém tem cinco mil ou dez mil amigos. É mentira. Ninguém tem e amigos assim não substituem dois ou três bons amigos. Continuo com reticências e se calhar vou tê-las sempre, mas reconheço a importância das redes sociais.

A política por vezes é injusta, suga energias e dá pouco em troca no sentido em que por vezes é um trabalho inglórioA música sempre fez parte da sua vida. Além de professora no Conservatório, é também pianista. Tem saudades de atuar?

Tenho muitas saudades. Olho para o piano todos os dias, está ao meu lado ali no gabinete, passo-lhe a mão [fazendo o gesto]. Tenho pena. A política por vezes é injusta, suga energias e dá pouco em troca no sentido em que por vezes é um trabalho inglório. E isto não tem a ver com resultados de eleições, tem a ver com a capacidade de concretizar. Curiosamente, tenho sido mais recompensada do ponto de vista de concretizar ideias na Assembleia da República como deputada, com uma série de propostas que hoje são lei graças à minha iniciativa, o que me dá orgulho, do que quando estive no Governo.

É com muito gosto e muito bem acompanhada que me vejo entre ex-ministros que trabalharam com José SócratesFoi ministra do segundo Governo de José Sócrates. Não teme que o processo que envolve o antigo primeiro-ministro funcione como uma associação negativa à sua candidatura?

Olhe, é com muito gosto e muito bem acompanhada que me vejo entre ex-ministros que trabalharam com José Sócrates. Recordo António Costa, o grande primeiro-ministro que hoje temos e que está a ensinar a direita como é que se governa o país e se dá a volta à austeridade. Também Mariano Gago, o grande introdutor da ciência enquanto estratégia de desenvolvimento em Portugal, uma referência condicional e internacional. Augusto Santos Silva, um ministro dos Negócios Estrangeiros que tem qualificado a intervenção externa portuguesa como poucos e que tem o respeito internacional dos seus pares... Isabel Alçada, Pedro Marques, Vieira da Silva, o grande ministro do Trabalho que tem merecido elogios. Bem, podia fazer uma lista interminável de grandes nomes da política portuguesa que foram ex-ministros de José Sócrates. Meu caro, como lhe dizia, estou muito bem acompanhada e com muito gosto.

Mas sente uma necessidade de afastamento de José Sócrates? 

De forma alguma. Todos os nomes que mencionei são de grande relevância política e competência nas suas áreas, e não se sentem, tal como eu não sinto, afetados por isso. Sócrates foi um primeiro-ministro com créditos firmados em muitas áreas. Ainda hoje lhe devemos, por exemplo, uma estratégia para as energias verdes que é elogiada internacionalmente. Deixemo-nos de perseguições ad hominem e assuntos laterais. Quero qualificar-me pelo que proponho para Cascais, e julgo que tenho matéria mais do que interessante e abrangente para ser avaliada do que por isso.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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