"Concertos e festivais foram dos primeiros a trazer este fluxo turístico"
A uma semana do arranque da 11.ª edição do NOS Alive, o entrevistado do Vozes Ao Minuto de hoje é Álvaro Covões, o homem forte da promotora Everything Is New.
© Global Imagens
Cultura Álvaro Covões
É um dos principais promotores de espetáculos de música ao vivo em Portugal. A sua promotora Everything Is New tem uma carteira de concertos recheada para os próximos meses e tem sido responsável pela vinda de grandes nomes da música mundial ao nosso país, tais como Muse, Guns N’ Roses, Adele, AC/DC ou Depeche Mode.
Com mais uma edição do NOS Alive à porta, o Notícias Ao Minuto não podia perder a oportunidade de falar com Álvaro Covões sobre o festival e o reconhecimento que o mesmo tem alcançado internacionalmente, sendo considerado atualmente um dos melhores da Europa e do mundo.
A descentralização da indústria de organização de espetáculos, o turismo e o momento da economia nacional foram outros dos temas abordados.
Quais as suas expectativas para a 11.º edição do NOS Alive? O cartaz conta com nomes fortes com Foo Fighters, Depeche Mode ou The Cult
A expectativa é que seja mais uma grande edição, repleta de grandes concertos e que o ambiente seja como tem sido até agora, fantástico, de gente bonita, que se vem divertir e que vai levar uma boa recordação, não só do NOS Alive e do Passeio Marítimo de Algés, mas desta região de Lisboa e muitos até de Portugal.
Temos noção que muita gente gostaria de ir ao festival mas não tem a mínima condição de comprar o bilheteAs vendas de bilhetes no estrangeiro diminuíram face ao ano passado porque os portugueses compraram mais bilhetes este ano.
Em termos de vendas no estrangeiro estávamos alinhados com o ano passado quando vendemos 32 mil bilhetes, mas como esgotámos três meses antes... Portanto, não vendemos só 21 mil. Não há mais bilhetes para vender. Eu não tinha dúvida nenhuma de que íamos chegar aos 30 mil bilhetes outra vez, mas os portugueses felizmente também não se deixaram surpreender como no ano passado e o festival é feito acima de tudo para os portugueses, como é óbvio.
Nós procurámos o mercado internacional porque todos sabem que os grandes festivais nunca tinham esgotado. Nunca nenhum grande festival esgotou os dias todos e, portanto, a única forma que nós vimos, desde a primeira edição, de poder esgotar o festival era de complementar os portugueses com os estrangeiros. Nós temos a população que temos e temos as dificuldades económicas que temos, que é a parte mais triste. Temos noção que muita gente gostaria de ir ao festival mas não tem a mínima condição de comprar o bilhete e, por isso, é que gostamos de incentivar a atividade económica para que um dia todos tenham capacidade para comprar bilhete. E se calhar assim até podemos fazer dois fins de semana como faz Coachella, ou duas cidades como fazem em Reading e Leeds.
O nosso grande desafio é tentar surpreender o público mundial com pequenos pormenores que nunca ninguém teveO NOS Alive já é considerado um dos melhores festivais de verão do mundo. É possível fazer crescer ainda mais o festival?
A maior parte dos grandes festivais do mundo têm a dimensão que têm há muitos anos e o nosso grande desafio é manter este patamar e tentar surpreender o público mundial com pequenos pormenores que nunca ninguém teve, como a zona de grávidas que nós fomos o primeiro festival do mundo a criar, o acãopamento que criámos este ano, o bilhete conjunto para dois festivais, que foi uma ideia portuguesa, e que foi criado pela primeira vez no mundo. É um conjunto de pormenores que nos faz ser diferentes. Além de termos o privilégio de ter acreditado sempre que o nosso país é um país lindo, fantástico, que as pessoas são maravilhosas, a nossa gastronomia é única, a nossa luz é inacreditável, as nossas praias são como são. Nunca ninguém tinha vendido Lisboa como um destino de praia, nós começámos a vender o NOS Alive como um festival onde se podia ir à praia de manhã e se calhar fomos a primeira marca portuguesa a fazer uma campanha de outdoors no metro de Londres como fizemos este ano. Nós sempre investimos desde a primeira hora na internacionalização de um evento que foi construído para ser o melhor festival português e de preferência o melhor festival da Europa e do mundo.
O Estado infelizmente tem pessoas que acham que são donas de tudo e a sociedade civil que quer fazer, que quer correr o risco financeiro, às vezes tem dificuldades
Considera a opção de fazer mais um festival ou, como disse, a aposta passa por ter mais um fim de semana?
Temos de analisar os produtos e os projetos caso a caso. Se nos aparecer uma situação que faça sentido, avançamos. Mas tem de haver um racional de investimento, tem que haver um cálculo de risco. Um segundo fim de semana, eventualmente, seria mais difícil porque era preciso haver pelo menos mais um grande festival em Espanha que fizesse o mesmo, para fixar as bandas na região mas acho mais difícil pelo calendário dos festivais. Os festivais estão muito colados, cada festival está no seu fim de semana. Nós estamos no segundo de julho seguindo uma lógica internacional que não somos nós que definimos. Temos de estar alinhados porque os artistas quando decidem vir fazer festivais fazem um roteiro e vão aos grandes festivais.
Quando iniciou o projeto da Everything Is New um dos objetivos a que se propôs foi o de dar a possibilidade aos portugueses de terem concertos com mais frequência, quase todos os dias, como acontece noutros países. De certa forma esse objetivo foi concretizado?
Foi um esforço que todos os produtores fizeram ao longo dos anos de criação de públicos, ao contrário de outros setores dos espetáculos ao vivo. É com muita tristeza que vejo os números de bailado, da ópera e outros espetáculos ao vivo a caírem porque tem de se fazer um esforço de criação de públicos, mas esse tem de ser um esforço coletivo. Um esforço dos operadores, de privados e também do setor público. E nós de facto nesta tipologia de concertos e festivais conseguimos fazer um esforço e atingimos um patamar de nível internacional. Conseguimos que os espetáculos entrassem no cabaz básico de necessidades dos portugueses e isso é importante. Faz bem ir ver um espetáculo. Nós ouvimos as pessoas dizerem assim: ‘Já não vou ver um concerto há algum tempo, tenho que ir’. Porque é bom, liberta. Os números são muito claros sobre o crescimento dos espetáculos de música ao vivo, até mesmo em anos de crise e mesmo com o aumento do IVA. É extraordinário. Como o Estado consegue cobrar suplementarmente um imposto porque se recusa a fazer a sua atividade sem criar públicos…
Nunca ninguém valorizou o facto de Portugal estar em praticamente todas as tournées de grandes artistasSente que é agora mais fácil trazer a Portugal grandes nomes da música devido ao vosso know-how e à vossa experiência?
Isso é fruto de uma classe e de uma indústria que é de primeiro mundo. A indústria de espetáculos em Portugal, desde a gestão de espaço ou salas, até às empresas de equipamentos, de som, de luz, vídeo, os técnicos, os produtores de espetáculos, todas as pessoas que trabalham neste setor têm um nível profissional de tal ordem que foi o fator essencial, associado a termos conseguido criar públicos, para pôr Portugal no mapa dos concertos. Se nós pensarmos que todos os grandes espetáculos trazem os equipamentos por estrada, e se percebermos minimamente de logística e de geografia, percebemos que Portugal é um país ultra-periférico. A cidade mais próxima de Lisboa ou do Porto está a 600 quilómetros de distância. A partir de Barcelona todas as cidades estão a 100/200 quilómetros.
O esforço suplementar e os custos de chegar aqui são violentíssimos e foi graças a esta indústria que nasceu muito da sociedade civil e que se fortaleceu. E este é um bem que nunca ninguém valorizou. Nunca ninguém valorizou o facto de Portugal estar em praticamente todas as tournées de grandes artistas. E se nós pensarmos que eles só fazem 20 ou 30 datas e que há milhares de cidades na Europa, alguma coisa conseguimos de valor. Isto é de um valor incalculável. E nunca ninguém mencionou quanto é que isto vale! Se nós pensarmos só no fator dos milhares de fãs destes artistas que sempre que vão ver uma tournée destes artistas vêem lá Lisboa, Porto ou Portugal, quanto é que isto não vale? Este é um dos fatores fundamentais para que no mundo se conheça Lisboa e Porto. Muito mais do que a campanha do Turismo de Portugal. E nunca ninguém deu valor a isto.
Porto não tem uma infraestrutura à altura de receber um evento como a EurovisãoO passo seguinte nesta indústria em Portugal é a descentralização?
Os espetáculos em primeiro lugar precisam de massa crítica de público, portanto precisam de estar em áreas como a Grande Lisboa e o Grande Porto. Depois Portugal, por acaso, está muito bem organizado geograficamente. Se dividirmos o país em metade, temos Lisboa e temos o Porto. O fator de proximidade de Lisboa, porque está a 230 quilómetros do Algarve e a 300 quilómetros do Porto, cria uma ainda maior centralidade para Lisboa. E temos de associar as infraestruturas. Eu curiosamente vi algumas declarações de que o Porto não estava interessado em receber a Eurovisão. Não disseram bem a verdade, o que deviam ter dito é que o Porto não tem uma infraestrutura à altura de receber um evento como a Eurovisão e portanto isso faz com que determinados eventos não possam acontecer no Porto. E quem diz o Porto, diz outras cidades. E isso é uma grande dificuldade. Nós quando vemos grandes espetáculos de arena, indoor de grandes dimensões, de grandes produções só acontecem em Lisboa porque é a única com infraestruturas de grandes dimensões que temos. A descentralização está ligada a isto, embora claro que a massa humana que garante a viabilidade financeira dos espetáculos é fundamental.
O tema do IVA nos espetáculos às vezes é preocupante porque o Estado financia teatros públicos mas o acesso a esses teatros leva com mais 13% em cima. Estranho, não é?
Mas acha possível contornarmos estas questões e termos mais cidades a receberem mais espetáculos?
Já temos. Mas acima de tudo é como digo, precisamos de ter espaços para isso. Já começa a haver. Guimarães tem uma infraestrutura, o Pavilhão Multiusos.
Mantém o projeto para ter um multiusos junto ao Tejo para receber até outros eventos? Alguma previsão para a conclusão deste projeto?
Neste momento estamos na fase de conclusão do projeto de arquitetura. Portanto depende de um formalismo.
A Everything Is New quer diversificar. Apostar mais em exposições, por exemplo. É o próximo passo?
Nós andamos sempre à procura de projetos que nos apaixonem, que tenham interesse e que possam ter público e ser um conteúdo relevante para atrair públicos. Temos andado um pouco por todo o lado desde que nos deixem fazer. Às vezes não nos deixam. Este ainda é um país onde há uma linha muito rigorosa, que separa a sociedade civil do Estado. O Estado infelizmente tem pessoas que acham que são donas de tudo e a sociedade civil que quer fazer, que quer correr o risco financeiro, às vezes tem dificuldades. Estamos com esperança de que estas mentalidades mudem, mas é difícil.
Temos sentido muita dificuldade de fazer mais exposições, muitas vezes queremos fazer parcerias com o Estado e portanto também dependemos da boa vontade de eles quererem ou não. Não queremos o dinheiro do Estado mas existem barreiras. É o que temos. Por isso é que estivemos 27 anos sem ter uma exposição das jóias da Coroa. A mim ninguém me consegue explicar porquê. Agora dizem-me que é por uma questão de segurança porque houve muitos assaltos. Mas porquê? Para isso é que existem equipamentos de segurança. Mas a verdade é que não se expôs. Eu não consigo entender como é que um país que precisa de fazer render os seus ativos tem as coisas fechadas. O tema do IVA nos espetáculos às vezes é preocupante porque o Estado financia teatros públicos mas o acesso a esses teatros leva com mais 13% em cima. Estranho, não é? Qual é que é a diferença? Mantemos o IVA à taxa reduzida e dá-se menos dinheiro a esses teatros. Não devia ser a atitude mais coerente? E assim andávamos todos ao mesmo nível porque a sociedade civil não recebe nada do Orçamento de Estado para organizar espetáculos, ao contrário do Estado.
Eu faço algum barulho, mas somos poucos a fazer barulho. Temos de lembrar que o povo é que é soberano, não são os partidos nem os políticos
É um defensor das parcerias público-privadas. Essa pode ser a solução para a cultura? Abrir a cultura aos privados?
Essa é a solução para fazer de Portugal um país rico. Em todos os setores. O Estado não tem obrigação empresarial. A pior coisa que se pode fazer é vender património. Tem é de se fazer render o património e nada melhor do que fazer parcerias com privados e quanto mais o Estado conseguir rentabilizar o património que tem, mais receitas tem e com isso mais bem-estar consegue dar ao povo. Eu não sei o que é que eles discutem na Assembleia da República, mas maior parte das coisas são banalidades. E o que é realmente importante tem pouco foco. E nós estamos aqui resignados. Eu faço algum barulho, mas somos poucos a fazer barulho. Temos de lembrar que o povo é que é soberano, não são os partidos nem os políticos. E eu sou de Direita, imagine se fosse de Esquerda...
A questão do turismo é muito importante para si. Como tem visto o crescimento do turismo no país nos últimos anos?
Quando a Troika entrou em Portugal escrevi uma carta sobre esse tema, porque percebi que o Governo ia estrangular a economia e o caminho a seguir tinha de ser forçosamente o corte da despesa porque não podíamos de modo algum travar o consumo, e a dizer uma coisa muito importante. Devido ao desequilíbrio da balança de pagamentos temos uma obrigação de aumentar as exportações e qual é que é a indústria que pode duplicar as vendas? Turismo. Temos os hóteis, temos ao aeroportos, temos as estradas, temos tudo. Só temos é que trazer gente. Escrevi a carta naquela altura. Não adiantou muito porque subiram os impostos à mesma. Temos um projeto nacional a sério para o turismo? Não temos.
Ainda há muito a fazer para melhorar?
Não é melhorar. Temos é de otimizar, temos de ter uma estratégia nacional para o turismo e nós não temos uma estratégia. Temos de aumentar o investimento, isto não é só ganhar dinheiro.
Os concertos e os festivais não vêm com este fluxo turístico. Foram dos primeiros a trazer este fluxo turístico, enquanto conteúdos
Trabalhou nos mercados financeiros. Como tem acompanhado o recente crescimento da economia portuguesa? É um bom sinal para a indústria de organização de eventos?
Nós andamos a disputar o dinheiro disponível com os restaurantes, com os bares, as agências de viagens, as livrarias, portanto quanto melhor estiver a economia mais dinheiro disponível há e mais clientes temos. Sempre fomos uns grandes defensores do crescimento económico porque assim vivemos com mais tranquilidade, vendemos mais.
O que acha deste otimismo renovado que parece existir agora nos portugueses?
Nós sempre fomos capazes de fazer tudo, os portugueses esquecem-se de algumas coisas que já fizemos. Um povo que foi capaz de se meter num barco, atravessar estes mares violentos e conquistar o mundo, o que é que não é capaz de fazer? Temos falta de auto-estima. A mim diziam-me que era impossível fazer um festival e trazer estrangeiros, organizar concertos e trazer estrangeiros a Portugal. Nada mais errado. Ainda agora os Guns N’ Roses, 20 mil pessoas vieram de fora. Nós só lhes temos de dizer ‘venham que vão gostar’. E gostam mesmo. E voltam e querem voltar. E há uma coisa muito importante. Os concertos e os festivais não vêm com este fluxo turístico. Foram dos primeiros a trazer este fluxo turístico, enquanto conteúdos. Eu lembro-me quando ainda era sócio na Música no Coração, no primeiro Super Bock Super Rock, no primeiro dia tínhamos não sei quantos espanhóis a dormir à porta, acampados. Foi aí que eu disse assim. ‘Espera aí. Está aqui o segredo para complementar o que falta em Portugal, que é gente’. Em Portugal temos um problema de gente. Não há gente, não há mercado, não há dimensão. Se eles lá fora conseguem, nós não conseguimos? Claro que conseguimos e aqui estamos.
Há algum cantor, alguma banda de que goste e que quisesse trazer a Portugal e que ainda não tenha conseguido?
Acho que talvez o único que não tenha vindo tenha sido o Tom Waits. Foi uma pena. Nunca vieram a Portugal os Queen, os Beatles, mas de resto já vieram todos. Tivemos cá os três tenores, separadamente mas vieram cá os três. Do meu gosto pessoal gostaria de ver, nem que fosse só para assistir ao concerto, o Tom Waits.
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