"Queria estar enganado mas estou com muita apreensão em relação ao verão"
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o professor catedrático Domingos Xavier Viegas alerta para a "má preparação das pessoas" para enfrentar situações como a do incêndio de Pedrógão Grande.
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País Incêndios
O incêndio que deflagrou no passado sábado em Pedrógão Grande causou a morte de 62 pessoas. Outras 62 ficaram feridas e dezenas de pessoas tiveram de ser retiradas das suas casas.
Ao que tudo indica, o fenómeno das trovoadas secas esteve na origem dos vários focos do incêndio.
Mas o que são, afinal, as trovoadas secas? Como se irá desenvolver a situação nos próximos tempos? O que pode ser feito ao nível da prevenção?
Domingos Xavier Viegas, professor catedrático na Universidade de Coimbra e especialista em incêndios florestais, esteve à conversa com o Notícias ao Minuto e deu algumas pistas importantes para compreender o que se aconteceu na trágica noite de sábado.
Realçando que era "difícil prever o incêndio" devido à sua "propagação muito rápida", reconhece que é importante fazer mais ao nível da prevenção, uma vez que "há muito para fazer", nomeadamente "junto das pessoas".
O que causou a tragédia de Pedrógão Grande e o que ficou por fazer para que tal não acontecesse?
O que causou esta tragédia foi, naturalmente, um incêndio que se propagou de uma forma muito rápida e difícil de prever. Com os recursos atuais certamente que era difícil prever o incêndio. De um modo geral, falta fazer muito no campo de melhorar a comunicação entre as autoridades e a população, no sentido de advertir da possibilidade de ocorrência destas situações.
Na origem do incêndio estão apenas causas naturais?
Os índices que há levam a crer que terão sido [causas] naturais, neste caso uma descarga de trovoada, que terá causado vários focos de incêndio simultâneos e que também estiveram claramente no pressuposto desta propagação muito rápida. Também tínhamos situações de humidade muito baixa, de modo que qualquer foco de incêndio facilmente se propagava. Também a configuração do terreno, naquela região, é particularmente acidental.
O que está na origem das trovoadas secas e quais os cuidados que se exigem perante este fenómeno?
Como o nome indica, são situações em que há instabilidade na atmosfera, com alguma nebulosidade, carregada eletrostaticamente e que provoca descargas. Ao mesmo tempo, como a temperatura do ar é muito alta, qualquer precipitação que esteja associada a elas não chega a atingir o chão, ou seja, evapora-se entretanto. Em consequência disso, as descargas de trovoada que atingem o solo, ao chegarem à vegetação, podem facilmente dar origem a focos de incêndio.
É expectável que este fenómeno volte a acontecer nos próximos dias?
As indicações que tenho dizem que sim. Nos próximos dois ou três dias deverá haver este tipo de trovoadas. Felizmente, o que se está a verificar na zona de Coimbra, e em particular na zona do incêndio, é que a trovoada foi acompanhada de precipitação. Creio que se esta situação for alargada à grande área do incêndio pode, facilmente, inverter o mau rumo que as coisas estavam a tomar no final do dia de ontem e da madrugada de hoje.
Este fenómeno resulta das alterações climáticas?
Não resulta de alterações climáticas, porque já existia antes. As alterações climáticas vêm é potenciá-lo, ou seja, no sentido de tornar mais provável que este tipo de fenómenos ocorra. Com o aquecimento da atmosfera, há alteração da temperatura e da distribuição da precipitação e há, infelizmente, uma probabilidade cada vez maior de fenómenos extremos.
Ao nível da prevenção, o que é importante fazer e o que é que não está a ser feito como deveria?
Quando se fala de prevenção, temos a perceção de que se está a falar de prevenção na floresta. Isso sem dúvida que falta fazer, há muito para fazer e é necessário ser feito. Mas, na minha opinião, há algo mais importante: a prevenção junto das pessoas. É inaceitável termos este tipo de mortes no país, num espaço e num tempo tão reduzidos. Há uma má preparação das pessoas para enfrentar este tipo de situações, quando se pode fazer melhor.
Concretamente, o que se pode fazer?
Trabalhar com as comunidades locais, preparando-as para estarem mais auto defendidas, mais preparadas, mais capazes de resistir a este tipo de situações. Também com soluções tecnológicas, porque tendemos a improvisar e esquecemos que a técnica tem soluções, muitas delas que já existem e outras que são novas. Tem de se ir à procura disso e nós, infelizmente, temos alguma relutância em ir atrás de coisas inovadoras.
A responsabilidade será dos governos, das autarquias, dos municípios?
Existe uma enorme confusão na atribuição de competências e responsabilidades. As coisas passam de uns para outros e não se sabe bem de quem é a responsabilidade e quem é que faz ou não faz.
Como acha que a situação dos incêndios se irá desenvolver este ano, tendo em conta que ainda nem sequer entramos no verão?
Nenhum de nós tem uma bola de cristal, portanto não sabemos o futuro. Mas, baseado em análises que se têm vindo a fazer ao longo dos anos, há algumas semanas que venho a dizer que estou com muita apreensão relativamente a este verão. Teria todo o gosto em estar enganado, mas, infelizmente este começo que tivemos já torna este ano horrível, o que não é aceitável. Isto faz-me lembrar 2003 ou 2005 e já nesses anos se disse que a situação não se poderia voltar a repetir. Mas o que é um facto é que de um modo ou de outro estamos a continuar a ter anos desses.
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