"Era conveniente termos um sistema de comunicações que não falhasse"
Fernando Lopes, presidente da Câmara Municipal de Castanheira de Pera, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
© Câmara de Castanheira de Pera
País Fernando Lopes
O dia 17 de junho ficará na história de Portugal devido a uma tragédia sem precedentes. Incêndios sem paralelo devastaram a região Centro do país, particularmente os concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Góis. Mais de 200 pessoas ficaram feridas e 64 pessoas perderam a vida, incluindo um bombeiro da corporação de Castanheira de Pera.
Mais de uma semana depois da tragédia, são muitas as questões sobre o que esteve na sua origem e a resposta dada no terreno. O que correu mal naquele dia? Como se explica a propagação das chamas? A Estrada Nacional 236-1 foi ou não cortada?
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, Fernando Lopes, presidente da Câmara Municipal de Castanheira de Pera, localidade que foi devastada pelas chamas, admite que ainda não tem resposta para tudo o que se passou. Diz que o “balanço final do combate aos incêndios é extremamente negativo”, porque o fogo “surpreendeu tudo e todos”. No entanto, considera que o combate foi o “possível”, tendo em conta os meios existentes.
O autarca admite que a Estrada Nacional 236-1 pode não ter sido cortada a tempo e deixa ainda críticas ao SIRESP, reconhecendo que algo correu mal.
Fernando Lopes realça o empenho do Governo e a onda de solidariedade da sociedade civil no apoio à população, mas confessa que há muita coisa que ainda tem de ser feita. É necessário, sublinha, um “apoio de forma sistemática e continuada”, nomeadamente na questão de apoio psicológico às vitimas.
Mais de uma semana depois da tragédia de Pedrógão Grande e Castanheira de Pera, que balanço faz do combate aos incêndios?
É uma questão muito difícil. O balanço que podemos fazer do combate aos incêndios não é muito objetivo. O combate foi o possível, com os meios que tínhamos. Mas, de facto, o balanço final é extremamente negativo porque houve uma conjugação de fatores que contribuiu para que o combate ao incêndio fosse extremamente desigual. Por um lado, os fatores do clima foram excecionais e, por outro, os meios que tínhamos à nossa disposição eram relativamente poucos para as necessidades.
O fogo evoluía a uma velocidade de cinco metros por segundo, 300 metros por minutoO que correu mal naquele sábado, dia 17 de junho?
Eu não sei o que falhou. O fogo surpreendeu-nos a todos e tínhamos muito fogos ativos na região, o que determinou que os meios estivessem todos muito divididos. Como deve calcular, a mobilização de meios foi feita mas, naturalmente, demora imenso e o fogo não espera nestas situações. A velocidade do fogo, além de ter surpreendido tudo e todos, era demasiado elevada para poder esperar que os meios se deslocassem no terreno.
Era conveniente que tivéssemos um sistema de comunicações que não falhasse
Na origem do incêndio tem-se falado muito na questão das trovoadas secas, de condições meteorológicas excecionais. Para além disso que fatores aponta para que o fogo tenha assumido uma dimensão tão grande?
Os principais fatores foram aqueles que nos foram transmitidos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que nos deu conta de fatores excecionais que contribuíram para que houvesse uma propagação [das chamas] mais rápida do que o normal. Segundo o IPMA e a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), o fogo evoluía a uma velocidade de cinco metros por segundo, o que corresponde a 300 metros por minuto. Um fogo destes é extremamente veloz e não sei se há muitos meios que o consigam travar. Eu próprio andei no fogo e notei um vento e uma temperatura anormais.
Quando chegou à zona do incêndio, o que lhe passou pela cabeça?
Dar o meu melhor contributo para ajudar as populações. Cedo percebi que não se tratava de um fogo normal.
Vi um fogo anormal, devastadorMesmo com mais meios à disposição, acha que seria possível controlar o fogo, tendo em conta as dimensões excecionais?
Não sei se era ou não possível. O que eu posso dizer é que vi um fogo anormal, devastador, que galgava terreno sem que ninguém o conseguisse travar.
O Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) tem sido alvo de fortes críticas. Numa situação daquelas, como é que um sistema de comunicações pode falhar?
Não lhe sei dizer. Era conveniente que tivéssemos um sistema de comunicações que não falhasse. Nesse dia, os telemóveis falharam. Primeiro falhou uma rede, a seguir outra... Aquilo que pude observar é que, de quando em vez, a rede do SIRESP bloqueava. Agora, se o SIRESP teve outro tipo de falhanços, eu não vi. Apenas vi que de vez em quando bloqueava e interrompia as comunicações.
Foi divulgado o conteúdo das 'caixas negras' do SIRESP, que dão a entender que houve falhas na resposta. Houve populações que ficaram sem receber qualquer ajuda, que ficaram isoladas?
Muitas pessoas e muitas aldeias ficaram isoladas por falta de meios, por um lado, e por outro porque não se conseguia passar. Não foi uma situação nada, nada fácil.
Não sei se a EN 236-1 foi ou não cortada a tempo
Há alguma confusão relativamente ao facto de a Estrada Nacional (EN) 236-1 ter ou não sido cortada.
É uma estrada que serve várias localidades. Sei que, a determinada altura, a estrada foi cortada. Não sei se foi ou não a tempo de evitar todas aquelas vítimas. Nem lhe sei dizer de onde vieram aquelas vítimas. É o que lhe digo, este fogo surpreendeu tudo e todos. Provavelmente, ninguém esperaria que ele se propagasse a tamanha velocidade e, portanto, admito que a própria estrada não tenho sido cortada a tempo. Oiço pessoas a dizer que sim, oiço pessoas a dizer que não... Só a GNR é que tem essas informações.
Pediu que a EN 236-1 não fosse apelidada de"estrada da morte". Como gostaria que ficasse conhecida?
Olhe, como sempre foi: Estrada Nacional 236-1. Que não tivesse qualquer espécie de conotação negativa.
Reconheço que existe alguma necessidade de apoio psicológico em Castanheira de PeraGonçalo Conceição, que morreu a tentar salvar um casal no meio das chamas, tornou-se no rosto da coragem no combate aos incêndios. Como analisa o trabalho dos bombeiros?
Foi um trabalho de primeiríssima qualidade. Aliás, outra coisa não seria de esperar, porque os bombeiros de Castanheira de Pera sempre se têm distinguido e têm um caráter altruísta muito grande. Pensam nos outros antes de pensarem em si.
Na segunda-feira, o líder do Partido Social Democrata (PSD), Pedro Passos Coelho, fez declarações, tendo mais tarde pedido desculpa por elas, onde referiu que houve pessoas que "puseram termo à vida" devido à falta de apoio psicológico. Como interpreta estas duras acusações?
Não comento as afirmações do líder do PSD, apesar de reconhecer que existe alguma necessidade de apoio psicológico. Temos alguns profissionais em Castanheira de Pera mas precisamos desse tipo de apoio de forma sistemática e continuada. Já reportamos essa situação e sabemos que hoje [quarta-feira] a equipa de técnicos vai ser reforçada com pelo menos mais uma pessoa que vai prestar esse tipo de apoio.
Faço votos para que o apoio seja rápido e efetivoTem sentido o apoio necessário da parte do Governo?
Sim, o Governo está muito empenhado. Temos tido várias reuniões com vários ministros. [Hoje] O primeiro-ministro vai deslocar-se a Pedrógão Grande para uma reunião com os cinco presidentes das câmaras mais atingidas pelo fogo - Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Góis e Pampilhosa da Serra. O primeiro-ministro tem demonstrado apoio e o trabalho que temos de fazer agora é o levantamento no terreno, a vários níveis, para reportar estragos e prejuízos ao Governo. Faço votos para que o apoio seja rápido e efetivo.
Que soluções tem, neste momento, para dar uma resposta adequada à população de Castanheira de Pera?
Temos um conjunto de voluntários no terreno a dar apoio em termos de alimentos, roupa, eletrodomésticos e mobiliário. Estamos ainda numa fase muito fresca e estamos a organizar-nos da melhor forma possível para não descuidar da população.
Quero acreditar que esta onda de solidariedade também se estenderá ao turismoRelativamente à sociedade civil, o que pode ser feito para ajudar?
Devo dizer que está a haver um grande empenhamento de todos e estamos a notar, em Castanheira, Figueiró e Pedrõgão, uma onda de solidariedade gigantesca. Desde a organização de espetáculos ao transporte de bens. Temos recebido de tudo nos nossos pontos de recolha.
Teme que a tragédia afaste o turismo de Castanheira de Pera?
Quero acreditar que esta onda de solidariedade também se estenderá ao turismo e que as pessoas, manifestando a sua solidariedade, não vão deixar de vir a Castanheira de Pera. A Praia das Rocas, um dos principais atrativos turísticos da região, já foi reaberta na segunda-feira.
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