"Armas não serão para consumo interno. Não se justifica maior alerta"
Portugal “não ficou bem visto na fotografia” e é possível que venha a haver “reservas na partilha de informação com as autoridades portuguesas”. O furto de material de guerra em Tancos leva a que se tirem algumas lições, alerta o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT).
© Global Imagens
País António Nunes
Granadas, explosivo plástico, cartuchos, fio de ativação por tração e outro material de guerra com grande poder de destruição foi furtado, há precisamente uma semana, de um paiol do Exército português em Tancos, no distrito de Santarém.
O crime, admite o presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), só foi possível devido ao incumprimento do plano de segurança nas instalações militares. A ação terá sido “muito bem planeada e estudada” e o destino das armas será, vaticina António Nunes, o crime organizado.
“Eu não tenho o entendimento de que este furto seja para consumo interno. Material como este é para colocar nas redes internacionais de tráfico de armamento”, afirmou, em entrevista ao Notícias ao Minuto, o especialista em segurança, convicto de que “o aumento do nível de segurança só se justifica se houver informações muito precisas de que o material tenha ficado em Portugal”.
Como é que se explica que tenha ocorrido um furto desta dimensão em instalações militares numa altura em que os países da Europa estão tão alerta no que toca à segurança?
O que nós entendemos é que, se tivessem sido cumpridos todos os protocolos de segurança que existem, provavelmente não estaríamos a falar sobre este assunto. Alguma coisa deixou de ser cumprida para que tal pudesse acontecer. Sabemos que pelo menos o sistema de videovigilância estava desligado e isso facilitou a penetração nas instalações militares. Além disso, ao não ter ficado registada tal penetração, torna-se mais difícil fazer a investigação. Há algumas medidas que estavam previstas e que não estavam ativadas.
Além do sistema de videovigilância, de que outras medidas estamos a falar?
Eu não posso dizer quais são as medidas em específico, porque os planos de segurança destas estruturas são confidenciais. Em todo o caso, em termos teóricos, estas instalações têm câmaras de vigilância, têm vedações, têm eventualmente alarmes, têm patrulhamento móvel e patrulhamento fixo, que depende de caso a caso e de plano a plano. Há um conjunto de medidas que as transformam em instalações seguras. Se ocorreu uma situação como esta, de certeza absoluta que não houve o cumprimento integral do plano de segurança para as instalações. Mas só o inquérito pode determinar isso, é prematuro estamos a avaliar em concreto. Sabemos que houve uma quebra de segurança, isso sim, porque senão teria sido detetada a intrusão, algo que não aconteceu.
De certeza absoluta que não houve o cumprimento integral do plano de segurança
Tendo em conta a conjugação de fatores, parece-lhe provável que o furto tenha decorrido de uma fuga de informação ou até coordenação com militares do Exército?
Responder a essa pergunta é especular. O que dá a entender, em termos teóricos, é que pode ter havido alguma fuga de informação interna. Se ela foi intencional ou ocasional não sabemos. Podem ter sido dadas informações ocasionais, podem ter sido militares que já passaram pela base, pode ter havido observação sobre a forma como se fazem os patrulhamentos, pode ter havido recolha de informação por via indireta (que tenha sido comentada noutros serviços). Repare que já circulava uma série de documentos a dizer que as câmaras estavam desligadas em vários serviços.
É evidente que um furto desta natureza, em que não houve confronto físico com ninguém, foi muito bem planeado e estudado. É muito difícil falar sobre isto neste momento, com um inquérito ainda a decorrer. O que sabemos é que houve instalações militares das quais foi furtado equipamento e que Portugal deveria ter implementado medidas para que tal não ocorresse. É nisso que nos devemos centrar. Pode ter sido possível por haver falta de recursos humanos, ou falta de recursos materiais, ou porque não houve implementação adequada dos planos de segurança… Agora o inquérito o dirá. Mas, que há responsabilidades, há.
Pode ter havido alguma fuga de informação interna. Se ela foi intencional ou ocasional não sabemos
Considera que devem ser tiradas consequências políticas e a nível das chefias do Exército?
Isso não é uma matéria que preocupe o OSCOT, isso deixamos para os políticos. O que nos preocupa é que a segurança de Portugal esteja em primeiro lugar, seja um pilar e seja atendida. Há armamento que pode ser usado em guerras ou ataques terroristas, nas redes internacionais de tráfico de armas. Queremos pedir ao Governo que tome medidas para que casos como este não aconteçam. Porque os gastos em segurança nunca podem ser considerados uma despesa, mas um investimento. Em causa está a defesa dos nossos cidadãos. Há opções políticas que vêm de há uns anos a esta parte, que não têm a ver só com este Governo mas com vários governos. É isso que nós queremos discutir, um Portugal seguro em que os cidadãos acreditem que têm instituições.
O que aconteceu é injusto, porque os nossos militares são reconhecidos nacional e internacionalmente como bons militares, com prestações de serviço de altíssimo gabarito. Vimos isso internamente nos incêndios de Pedrógão Grande e vê-mo-lo externamente nas missões que fazem em todo o mundo, onde são sempre louvados. E hoje temos uma instituição militar manchada por uma situação que pode nem ter nada a ver com a instituição militar em si.
Temos de pensar como é que Portugal tem de olhar para a sua segurança. Portugal tem de afetar verbas, tem de afetar recursos humanos, tem de fazer reestruturações, mas não pode colocar as questões de segurança em pé de igualdade com outras que podem sofrer cortes, reduções e não transformações.
Que opções políticas dos últimos anos não vê com bons olhos?
Todos nós vimos as reduções drásticas que a maior parte dos organismos do Estado sofreu nos últimos anos. Se houve cortes, é natural que haja alguns reflexos. Nos últimos sete ou oito anos, todos sofremos com os cortes efetuados e com a pressão que houve sobre o país para a redução das despesas.
Material como este é para colocar no crime organizado
A que riscos é que Portugal está sujeito depois de um roubo desta dimensão?
Eu não tenho o entendimento de que este furto seja para consumo interno. Material como este é para colocar no crime organizado, nas redes internacionais de tráfico de armamento. Provavelmente, o risco mantém-se igual ao que era anteriormente.
É prudente, assim, não aumentar o nível de alerta de segurança no país?
Eu acho que é prudente tentar descobrir o que se passou, identificar quem cometeu o crime e recuperar, se for possível, o material desviado. Essa é que é a prioridade. O aumento do nível de segurança só se justifica se houver informações muito precisas de que o material tenha ficado em Portugal, o que não me parece que tenha acontecido.
Não me passa pela cabeça que tenha sido um grupo terrorista a fazer o assalto para se autoabastecer, mas é possível que se possa abastecer de forma indiretaTeme-se que o armamento chegue às mãos do grupo de terroristas, nomeadamente o Estado Islâmico. Tem também este receio?
Eu tenho praticamente a certeza absoluta de que todo o material foi entregue ao crime organizado. Mas isso não invalida que os grupos terroristas lho comprem para se abastecer. Não me passa pela cabeça que tenha sido um grupo terrorista a fazer o assalto para se autoabastecer, mas é possível que se possa abastecer de forma indireta.
O Exército optou por não divulgar a lista completa de material furtado para não alarmar a população e para não prejudicar a investigação. Considera que a divulgação da listaa nos deixa mais vulneráveis?
Não nos deixa mais vulneráveis, mas pode prejudicar as investigações e cria um certo alarme público de que não havia necessidade. Bastar-nos-ia saber que material de guerra foi furtado de uma arrecadação militar para nos deixar preocupados, não precisávamos de pormenores. A partir deste momento, quem fez o furto já percebeu que nós estamos preparados para identificar todo o tipo de material. As cautelas são agora redobradas para o esconder e para o manter. Além disso, há agora outro conhecimento público, o que pode criar alguns apetites internacionais de aproximação a grupos criminosos para disputar o material.
É normal que não fiquemos muito bem na fotografia. Partilha de informação com as autoridades portuguesas pode sofrer alguma reserva
Portugal ficou mal visto internacionalmente com este furto?
Não ficou muito bem visto, como deve compreender. Até que haja uma explicação cabal sobre esta situação, os nossos parceiros interrogam-se. Até porque aquilo que veio na comunicação social é que isto foi possível porque não estavam a ser adotadas as normas de segurança mínimas necessárias. É normal que não fiquemos muito bem na fotografia.
Que repercussões podem advir desta situação?
Pode ter algumas repercussões no sentido de a partilha de informação com as autoridades portuguesas sofrer alguma reserva, pelo menos até que possamos dar algum sinal de que é possível reestabelecer a confiança com os nossos parceiros.
Há lições a tirar de tudo o que acontecer?
Como lhe disse, o Governo deve tomar a segurança como uma prioridade nacional e fazer uma reflexão muito grande sobre todas as questões da segurança, seja do SIRESP, seja dos paióis militares, seja dos paióis das forças e serviços de segurança, seja da organização e segurança do Estado, para que os cidadãos se sintam confortáveis e sintam que o Estado os defende.
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