"O material nos paióis tem utilidade. Nós não guardamos lixo"
António Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
© AOFA
País António Mota
Existe material de guerra que desapareceu dos paióis de Tancos. Responsabilidades apuradas até agora? Apenas cinco comandantes exonerados, e que entretanto já regressaram aos cargos, e os consequentes pedidos de demissão de dois tenentes-generais.
Para António Mota, a situação é “grave” e, por isso, se se apurar que a culpa é de militares estes devem ser punidos.
Quanto ao material, obsoleto ou não, a verdade é que foi feito para matar e, defende, é como os iogurtes: deve consumir-se até uma data, mas se for consumido uns dias depois não há problema.
O que é que aconteceu em Tancos?
Uma situação grave que não deve acontecer. Poder pode, tanto que pode que pelos vistos aconteceu, mas não deve. Independentemente de se dizer que as armas já estariam obsoletas ou para abate, situações como esta não podem de forma nenhuma acontecer.
Mas como se explica o desaparecimento do material?
Há várias teorias. Uma aponta para que tenha havido furto, outra aponta para que não tenha havido furto nenhum porque o material não terá chegado a entrar nos paióis – terá sido desviado antes de chegar a entrar nas instalações militares – e outra ainda aponta para a possibilidade de ter havido um desacerto nas contagens do material utilizado em exercícios.
De quem é a responsabilidade neste caso?
Bom, tenha havido furto ou não a verdade é que o material desapareceu e, por isso, há que apurar o que aconteceu e ir até às últimas responsabilidades. E se houver pessoal militar que tenha responsabilidade direta, por incúria, por ação ou omissão, naturalmente que deve ser punido e para nós, AOFA, isto é claro. Mas também há responsabilidades de âmbito político.
O material militar tem, como qualquer produto, um prazo de validade. É como os iogurtes
Mesmo que o material esteja obsoleto representa um risco para a segurança dos cidadãos?
Representa um perigo. O material militar tem, como qualquer produto, um prazo de validade. É como os iogurtes: deve consumi-los de preferência até, mas se os comer uns dias depois não vão fazer mal. Com o material militar é a mesma coisa. Enquanto está na validade absoluta está completamente operacional, quando já não está continuamos a utilizá-lo nos nossos treinos porque continua a rebentar e a disparar tiros. Aliás, 60 anos depois ainda estão a ser desativas bombas da Segunda Guerra Mundial exatamente porque representam um perigo.
Pode dizer-se que este material pode ser utilizado num atentado?
Pode sim. Quer seja antigo ou recente, uma coisa é certa: desapareceu e isto é grave porque estamos a falar de material militar e todo o material militar é feito para matar. E se estava nos paióis é porque ainda tinha utilidade até porque não se guarda lixo nos paióis, guarda-se material que está perfeitamente operacional e que está a entrar na fase de obsolescência.
Quer seja antigo ou recente, uma coisa é certa: desapareceu e isto é grave porque estamos a falar de material militar e todo o material militar é feito para matar
O desaparecimento deste material justificaria um aumento do nível de segurança em Portugal?
Sinceramente penso que não. O aumento do nível de segurança tem muitas implicações e até custos financeiros estrondosos. Aliás, desapareceram armas do regimento de comandos há uns anos – metralhadoras operacionais – e não se subiu o nível de segurança. Depois disso desaparecem armas da polícia e não houve motivo para se aumentar o nível de segurança. A minha opinião é que não faz sentido aumentar o nível de segurança.
E a demissão do ministro da Defesa? Faria sentido?
Nós não pomos em causa pessoas. Nós pomos em causa políticas. Se saísse de lá o doutor Azeredo Lopes, o ministro seguinte iria seguir as mesmas linhas. Por isso, para estarmos com o mesmo tipo de políticas não faz sentido demitir o ministro. E provavelmente isso não vai acontecer.
A exoneração dos cinco comandantes fez sentido?
O estatuto dos militares das Forças Armadas prevê que o Chefe do Estado Maior de cada ramo possa nomear, exonerar ou afastar temporariamente comandantes. Ninguém pôs em causa quando os comandantes foram nomeados porque o Chefe do Estado-Maior do Exército tem legitimidade para o fazer, por isso porquê colocar em causa as exonerações? O senhor general sabia perfeitamente que, ao tomar esta decisão, esta teria, além dos efeitos diretos, efeitos colaterais.
Que efeitos colaterais?
Uma generalidade dos militares sente que, de alguma forma, aqueles cinco camaradas estavam a ser injustiçados. Eu não duvido que o senhor general considerou que aquela era o melhor para o Exército. Se é discutível? É. Se houve pessoas sacrificadas? Houve, foram aqueles cinco camaradas.
E quanto aos pedidos de demissão do comandante de Pessoal do Exército e do comandante operacional das Forças Terrestres?
Quer um, quer o outro explicaram que tomaram essa decisão porque estavam em desacordo frontal com a decisão do Chefe do Estado-Maior em exonerar os cinco comandantes.
Acabaríamos todos a rir se se concluísse que não foi furtado porque, ou não entrou nos paióis ou entrou e já foi gastoÉ expectável que se venha a assistir a mais demissões ou exonerações?
Espero que não. Já chega e sobra. O que se espera é que rapidamente a justiça se possa apurar, mas também esperamos que não se esqueça que acima de tudo estão as opções políticas tomadas ao longo dos últimos anos e que levaram as Forças Armadas a este estado.
O coronel Vasco Lourenço avançou com uma teoria de que não terá havido qualquer furto, que este tenha sido encenado…
Não vou comentar a posição do coronel. O que posso dizer é que a teoria por ele [Vasco Lourenço] avançada é a de que estamos perto das eleições autárquicas e, por isso, há que atacar o Governo e, para isso, arranja-se tudo e mais alguma coisa. Pode ter toda a razão ou não. Mas qualquer uma das três hipóteses pode acontecer – furto do material, material que não chegou a entrar nos paióis porque foi desviado durante a carga e material que foi utilizado nos treinos e não foi contabilizado. E até acabaríamos todos a rir se se concluísse que não foi furtado porque, ou não entrou nos paióis ou entrou e já foi gasto.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui
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