"Depressão só com calmantes é como tentar curar pneumonia com aspirina"
Álvaro de Carvalho, diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde (DGS), é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
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País Álvaro de Carvalho
Recentemente, o tema da depressão e da Saúde Mental voltou a surgir nas notícias de forma dramática após a morte de Chester Bennington, um dos vocalistas dos Linkin Park. O suicídio do artista trouxe ao espaço mediático a ameaça silenciosa da depressão e do efeito paralisante que pode ter na vida profissional e social de uma pessoa. Mesmo que não seja claro.
Álvaro de Carvalho, diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde (DGS), falou com o Notícias ao Minuto sobre a Saúde Mental em Portugal. Sobre a falta de informação que ainda existe, “sobretudo nas faculdades de Medicina, entre as gerações mais velhas de médicos”, e do urgente que se torna a devida articulação entre equipas especializadas em Saúde Mental e cuidados de saúde primários, principalmente nas zonas mais isoladas.
O também coordenador do Plano Nacional de Prevenção de Suicídio (2013 – 2017) sublinha, no entanto, que estão a ser dados passos importantes nesta área. Destacou, por exemplo, o protocolo com o Ministério da Administração Interna (MAI) com relação aos casos de suicídio nas forças de segurança.
A depressão e o suicídio voltaram estes dias às notícias na sequência da morte de Chester Bennington, um artista norte-americano. Acha que a sensibilidade em torno deste tema contribui para a estigmatização da doença?
O problema é que não contribui só para a estigmatização, contribui para o risco de imitação, ou seja, do efeito Werther. Por isso é que há normas da Organização Mundial de Saúde (OMS) que estão traduzidas para português pela Sociedade Portuguesa de Suicidologia que recomendam à Comunicação Social, não que trate com modo de censura, mas sim com pinças este tipo de notícias, quando se trata de figuras públicas.
Segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), Portugal tem a quarta taxa mais alta de prevalência de perturbações de humor, sendo que aqui as perturbações depressivas têm a maior expressão. Continua este facto a ser explicado com a crise?
Não, há várias coisas. No Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental os trabalhos de campo foram realizados no último trimestre de 2008, primeiro de 2009, portanto, no início da crise. Nem sequer traduzem ainda as consequências da crise, embora tenha aparecido agora um outro trabalho que atualiza estes dados e que mostra que houve um agravamento das taxas sobretudo de depressão e de ansiedade. A questão não tem a ver com a crise, tem a ver com fatores vários que não estão muito bem explicados.
É um aspeto cultural?
É possível, mas não há estudos concludentes que nos permitam tirar conclusões.
Há pouca informação de alguns médicos em relação a este tipo de patologias. Não valorizam alguns sintomasEm média, as pessoas com depressão demoram quatro a cinco anos, dependendo dos casos, a ir ao médico depois de aparecerem os primeiros sintomas. Porque é que acha que isto acontece?
Acho que isso acontece, em primeiro lugar, por uma coisa que disse, que é o estigma. Por outro lado, porque há uma falta de informação crónica, sobretudo nas faculdades de medicina, portanto, entre as gerações mais velhas de médicos, que não recebiam uma sensibilização e uma informação adequada em relação às perturbações mentais. E também porque a articulação entre os serviços de Saúde Mental e os cuidados de saúde primários tem-se vindo a desenvolver mas ainda é muito incipiente. O trabalho de sensibilização e de formação nem sempre se tem verificado.
Os maiores números de suicídio em Portugal situam-se faixa etária acima dos 65 anos, com maior taxa de suicídios por mil habitantes no centro do país e no Alentejo, zonas muito isoladas. Acha que os centros de saúde nestas zonas, a primeira linha de cuidados, estão devidamente preparados?
Já há alguns centros de saúde, pelo menos no Alentejo, que têm equipas, não só no âmbito da Saúde Mental mas no âmbito da atividade dos cuidados primários em geral, que visitam regularmente as pessoas que vivem sozinhas, nomeadamente as pessoas idosas. Isto já acontece há alguns anos e portanto essa informação em relação aos médicos dos centros de saúde existe até porque são conhecidos, infelizmente, os números dramáticos de suicídios em determinadas zonas dessas regiões.
O que se passa é que, como lhe dizia no início, por falta de investigação, não está bem caracterizado como é que alguns desses suicídios se concretizam porque, de acordo com relatos de colegas meus que trabalham nessas zonas, muitas vezes as pessoas aparentemente têm uma atitude na vida integrada e nada levaria a esperar que cometessem suicídio. Mas a maioria dos suicídios de facto verifica-se em pessoas que vivem sozinhas e têm doenças crónicas incapacitantes.
Acha que este estigma que estávamos a falar em torno das doenças mentais continua a ser um fator na prioridade que é dada à doença em termos sociais e políticos?
Seguramente que sim, associado à pouca informação de alguns médicos em relação a este tipo de patologias. Não valorizarem alguns sintomas.
Infelizmente, Portugal é dos países da Europa em que se prescrevem mais benzodiazepinas, mais tranquilizantes, muitos deles por problemas de sonoConsidera que é fácil menorizar alguns sintomas de pessoas que possam estar a desenvolver um estado depressivo?
Sim, até porque muitas vezes a depressão manifesta-se mais por sintomas orgânicos, físicos, do que propriamente por sintomas emocionais.
Como por exemplo?
As pessoas queixam-se de problemas digestivos ou de problemas de tensão arterial, portanto, não se pode fazer uma leitura imediata dos sintomas, tem de se ter tempo para fazer uma história clínica da pessoa e tem de se perceber em que contexto é que esses sintomas aparecem.
Tem de haver acompanhamento maior de cada paciente?
Sim, sobretudo mais aprofundado. É como em relação às alterações do sono, infelizmente, Portugal é dos países da Europa em que se prescrevem mais benzodiazepinas, mais tranquilizantes, muitos deles por problemas de sono e as alterações de sono podem ser um bom indicador de estados depressivos graves.
Foi desaconselhada a prescrição desse medicamento, pelo menos em volume.
Sim, sim.
Mas em Portugal subiu imenso o consumo de antidepressivos [32% nos últimos cinco anos].
Sim, mas os antidepressivos – até ver – não está em níveis de risco. As benzodiazepinas, os calmantes, sim. Enquanto os antidepressivos precisam de 15 dias para responder, um calmante responde imediatamente. Se se for apenas atrás do calmante, e ainda por cima se depois criar habituação e for aumentando a dose, está a esconder o problema de fundo. É mesma coisa se tiver uma pneumonia e tomar só aspirina. A pneumonia vai-se desenvolvendo porque a pessoa controla a febre mas depois a doença base acaba por se agravar.
As forças de segurança são grupos sociais particularmente vulneráveis pelo contacto com as armas de fogoDisse anteriormente, numa entrevista, que os psicólogos podem ter uma leitura muito superficial e pouco científica da depressão. O que é que queria dizer com isso?
Não me lembro de ter feito essa afirmação, isso tanto se passa com os psicólogos como com os médicos. Eu fui muito claro e isso foi retirado do contexto, aquilo que disse foi que tal como há médicos que abordam estas questões apenas por sintomas também há psicólogos com a mesma atitude.
O suicídio em Portugal afeta as pessoas mais idosas mas há um ligeiro crescimento nas pessoas que ainda estão em vida ativa. Como se justifica esse crescimento?
Qualquer dado epidemiológico precisa de um intervalo de quatro/cinco anos para nós percebermos a tendência e esses dados que está a referir, que mostram um crescimento nos grupos etários menos idosos, só se verificam nos últimos dois/três anos e mesmo assim com flutuação por isso ainda não podemos tirar conclusões. Admitimos que possa ter a ver com a crise mas ainda não se podem tirar conclusões.
Com a chegada das redes sociais, os adolescentes e jovens assistem a fenómeno de isolamento que antes não acontecia com tanta prevalência. Isto acabou por dar terreno a situações como a do jogo da Baleia Azul. A que é que os pais devem estar atentos nesta nova realidade das redes sociais?
Devem estar atentos exatamente àquilo que disse, a questão da solidão na adolescência não é de agora, é de sempre. Agora o que há com as redes sociais é, eventualmente, uma possibilidade de os adolescentes tentarem estabelecer relação com quem os ouça. Portanto, se essa relação tiver um fundo perverso, como aconteceu nesse contexto da Baleia Azul, pode originar consequências dramáticas.
Aquilo que os pais, os educadores, devem sobretudo procurar é, em qualquer idade, não só na adolescência, ter uma vida o mais interativa possível, respeitando a autonomia tanto das crianças como os adolescentes, estando atento ao modo como eles estão e evitando que fiquem dependentes das redes sociais.
É coordenador do Plano Nacional de Prevenção de Suicídio (2013 – 2017). É possível fazer um balanço?
É possível fazer um balanço. Em primeiro lugar, pela primeira vez em Portugal existiu um plano com esse objetivo, que procurou sensibilizar a opinião pública e os profissionais para o tema.
Em segundo lugar, isso levou a que houvesse mais discussão, mais atenção a essas questões e foi possível, por exemplo, como consequência disso, apoiarmos um programa da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, o + Contigo, de prevenção de suicídio em meio escolar, que tem sido difundido por várias áreas do país, incluindo as regiões autónomas.
Por outro lado, o facto de a comunicação social ter começado a interessar-se por este tema é um sinal positivo. Assim, numa avaliação muito empírica, é o que eu posso dizer de imediato.
Houve, entretanto, um protocolo com o Ministério da Administração Interna a propósito das forças de segurança que são grupos sociais particularmente vulneráveis pelo contacto com as armas de fogo.
No caso das forças de segurança, registaram-se alguns casos sucessivos…
Sim, como é costume, o tal efeito Werther.
Será, porventura, mais fácil esse efeito ter lugar nas forças de segurança por serem meios mais fechados?
Não só por causa disso. Têm acesso a armas de fogo.
De que modo servirá o protocolo com o Ministério da Administração Interna para contornar essa situação?
Foi aberta uma via verde em que os serviços de psicologia de saúde da PSP e da GNR podem enviar diretamente para os hospitais os casos que consideram de risco.
A OMS estimou que existam mais de 300 milhões de pessoas no mundo com depressão. São números preocupantes?
Com certeza. São números preocupantes, não só pelo sofrimento que expressam como também – está mais do que confirmado – a depressão é uma das principais causas de perda de produtividade, responsável pela eficiência profissional, e pelo isolamento social.
Em Portugal, o que ainda falta fazer, neste âmbito?
Falta fazer muito. Em primeiro lugar, dar continuidade ao Plano Nacional de Suicídio. E encontrar estratégias que permitam uma sensibilização da opinião pública e dos profissionais de saúde para estas temáticas. Por outro lado, é fundamental desenvolver a articulação entre as equipas comunitárias de Saúde Mental e os cuidados de saúde primários. Pressupõe uma articulação ativa e permanente entre uma estrutura especializada, que são as equipas de Saúde Mental, e as equipas dos cuidados de saúde primários.
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