"Proposta vai ao arrepio do combinado. Estamos siderados pela provocação"
No dia que antecede a reunião entre o Governo e os sindicatos representativos dos médicos, Jorge Roque da Cunha garante ao Notícias ao Minuto que não vai baixar os braços e adianta a nova greve deverá avançar no mês de setembro.
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País Jorge Roque da Cunha
O Sindicato Independente dos Médicos considera “ultrajante” a contraproposta que recebeu do Ministério da Educação em resposta às reivindicações da classe de profissionais. A ameaça de greve é agora mais premente.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o secretário-geral, Jorge Roque da Cunha, teceu duras críticas ao ministro Adalberto Campos Fernandes, a quem acusa de “incompetência” e de estar “inebriado com as sondagens” e frisa a possibilidade de os médicos avançarem com nova paralisação.
“Não há político que, por muito que bata com a mão no peito a dizer que adora o Serviço Nacional de Saúde (SNS), tenha tanto respeito e consideração pelos utentes como nós. Mas é a única forma que temos para negociar com o Governo”, justificou o representante dos médicos.
Proposta que sugere que os médicos com mais de 55 anos continuem a fazer urgência é lamentávelO Sindicato Independente dos Médicos não viu com bons olhos a contraproposta feita pelo Governo em relação às reivindicações dos médicos…
O que foi assumido pelo ministro da saúde e pelo primeiro-ministro no Parlamento, quando questionados pelos deputados Jerónimo de Sousa, Catarina Martins e Heloísa Apolónia, não está contemplado na contraproposta. Falo nomeadamente da redução da carga de trabalho dos médicos, que desde a troika ficou de ser reduzida progressivamente, da passagem das 18 para as 12 horas de urgência (libertando seis horas para cirurgias programadas e consultas que reduzam a lista de espera) e a redução do número de utentes por médico de família. Estas são matérias a que o Ministério da Saúde respondeu de forma positiva logo a seguir à greve. Acontece que agora essas matérias são mandadas para o ano 2021, dois anos depois de este Governo acabar a legislatura. E nenhuma das matérias que o Governo anunciou, nomeadamente os concursos de contratação de recém-especialistas, apoio às autoridades de saúde, é cumprida. E agora faz-nos uma proposta lamentável em que sugere que os médicos com mais de 55 anos continuem a fazer urgência.
O que é que vão transmitir ao Executivo na reunião de amanhã?
Depois da greve, demos ao Governo três meses – o que é mais do que tempo – para fazer uma proposta séria. Ao contrário do que estávamos à espera, esta é uma contraproposta que não tem qualquer sentido. Esperamos que amanhã o Governo diga que se enganou no documento que mandou para os sindicatos para que possamos negociar de uma forma séria. De outra forma, muito dificilmente poderá haver acordo e os médicos, contrariamente àquilo que é a sua vontade, irão ser mais uma vez empurrados para a greve por parte do ministério. Não é admissível que deem o dito por não dito.
O Sindicato dos Médicos Independentes é um sindicato de acordos. Nós já assinámos cerca de 35 acordos com governos dos vários partidos, governos regionais e parcerias publico-privadas. Este ministério, de uma forma inqualificável, apresenta uma contraproposta que vai ao arrepio de tudo o que tinha combinado connosco. Estamos perfeitamente siderados pela provocação que isso representa. Isso é ainda mais grave porque foi assumido pelo ministro da Saúde, na altura da greve, que concordava com uma parte das reivindicações. O secretário de Estado da Saúde ainda na passada segunda-feira disse que fariam sentido essas negociações. E nós nem pedimos para ontem, dizemos que quereremos o problema resolvido durante a legislatura [que termina em 2019].
Não há político que, por muito que bata com a mão no peito a dizer que adora o SNS, tenha tanto respeito e consideração pelos utentes como nós
Uma nova greve será a forma de luta mais eficaz para fazer com que o Governo ceda?
É sempre muito complicado para os médicos fazer greve, porque as pessoas são de alguma maneira prejudicadas e quem gosta dos utentes são os médicos. Não há político que, por muito que bata com a mão no peito a dizer que adora o Serviço Nacional de Saúde (SNS), tenha tanto respeito e consideração pelos utentes como nós. Sabendo que irá causar alguns constrangimentos, mas é a única forma que temos para negociar com o Governo, que proclama que é amigo dos trabalhadores e age em contrário. Esperamos que até lá o doutor Adalberto não fique inebriado com as sondagens que o colocam como o terceiro ministro mais popular do Governo e que se preocupe em resolver os problemas.
Já há data prevista para uma nova paralisação?
Temos de consultar os nossos órgãos. Vamos ter reunião amanhã com os ministérios da Saúde e das Finanças e depois iremos ter uma reunião com os nossos parceiros – a Federação Nacional dos Médicos. Às 16 horas, daremos uma conferência de imprensa no Sindicato Independente dos Médicos, na qual provavelmente daremos nota da data dessa paralisação.
Provavelmente, greve será durante o mês de setembroA greve acontecerá previsivelmente ainda durante o mês de agosto?
Provavelmente, será durante o mês de setembro, por ser necessário o pré-aviso de 10 dias. Será em princípio de dois dias que não sejam colados ao fim de semana. Será previsivelmente numa terça e quarta-feira ou numa quarta e quinta-feira.
O bastonário da Ordem dos Médicos apoia os sindicatos nesta matéria. Miguel Guimarães disse há dias que há médicos a trabalhar em condições deploráveis, em exaustão e com sintomas de depressão. É uma realidade de que também se dê conta?
O ministério faz tudo para que os médicos saiam do SNS
É uma realidade evidente e o ministro da Saúde está farto de saber isso. É natural que médicos que durante 30 anos fazem dezenas de noites, fins de semana e dias de descanso que não são gozados de forma integral necessitem de cabeça fresca. Em vez disso, o ministério faz tudo para que os médicos saiam do SNS. Os dados de exaustão são perfeitamente evidentes, todos os estudos apontam nesse sentido.
Quando se assinou o acordo para que cada médico de família tivesse 1.900 utentes, foi no princípio de passar para os 1.500 depois de a troika sair do país. A mesma coisa em relação ao número de horas de urgência. Isto faz-nos pensar que o ministério não está de boa fé. Somos um sindicato de acordos, mas não podemos permitir que o Ministério da Saúde seja pouco sério e não negoceie connosco de uma forma correta.
A falsa urgência técnica não é uma falsa urgência para uma pessoa
Uma das vossas reivindicações é a redução do número de utentes por médico de família. Mas em Portugal ainda há 800 mil pessoas sem médico atribuído. Considera que é exequível?
No prazo de dois anos, vão concluir a especialidade cerca de 600 médicos de família, o que, multiplicado por 1.900 utentes, é mais do que um milhão de utentes sem médico. Por isso, de uma forma faseada é perfeitamente possível que daqui a dois anos todos os portugueses tenham médico de família atribuído. Isto se houver inteligência e capacidade de organização por parte deste Governo. Mas, pela incompetência que tem demonstrado até agora, tenho dúvidas. Há dois meses que podia haver cerca de 400 mil pessoas com médico de família, porque os médicos concluíram a especialidade, mas continuam à espera do concurso. No ano passado, a 1 de agosto, os médicos de família que tinham acabado a especialidade já estavam a trabalhar. É incompreensível, o senhor doutor Adalberto Campos Fernandes já por três vezes anunciou no Parlamento a contratação destes médicos.
Nos últimos anos, temos assistido ao caos nas urgências no período mais rigoroso do inverno. Os cuidados primários não conseguem dar resposta às necessidades dos utentes ou será a mentalidade dos portugueses que ainda tem de mudar?
Sabe que essa história da mentalidade é muito discutível, uma pessoa quando tem um problema quer resolvê-lo. A falsa urgência técnica não é uma falsa urgência para uma pessoa. O que nos parece é que, com esta atitude de inação, o Ministério da Saúde atual está a permitir que os especialistas saiam. A cada dia que passa estão a sair para o privado e para o estrangeiro recém-especialistas. A juntar com os médicos que passam à reforma, criam uma severa dificuldade para o SNS.
Gestação de substituição é uma solução mais fashion e curiosa. Mas ministério não devia procurar a árvore e esquecer-se da floresta
Como olha para a recente legislação em torno da gestação de substituição? De que forma o SNS tem de se adaptar a mudança?
O Ministério da Saúde não responde de uma forma séria e correta para a questão dos casais heterossexuais inférteis, quanto mais para a gestação de substituição. Em vez de se procurar coisas menores em termos de frequência e de importância, devia perceber seriamente as dificuldades dos casais heterossexuais que são estéreis e querem ter filhos. O ministério deveria conhecer o país em que vivemos e não procurar a árvore e esquecer-se da floresta. Claro que é uma matéria com interesse, é até uma solução mais fashion e curiosa, mas mais premente são os milhares de pessoas que têm dificuldade nos serviços públicos de ter acesso às técnicas de procriação medicamente assistida. É uma fatia muitíssimo maior da população e os serviços de fertilização do país deviam ser mais apoiados.
A eutanásia tem levado a uma intensa discussão pública. A Ordem dos Médicos considera que poderá haver um choque com o código deontológico dos médicos. Partilha desta opinião?
A eutanásia não é uma questão de índole sindical. Teremos a possibilidade de fazer os debates todos, mas é naturalmente contra o código deontológico e somos totalmente contra à promoção da morte ao invés de se criar condições para uma morte com dignidade. Esta não é tanto uma opinião sindical, mas a opinião pessoal de um médico.
Eutanásia vai contra o código deontológico dos médicosConsidera que há grande probabilidade de a maioria dos médicos declarar objeção de consciência?
A discussão está a decorrer, haverá certamente uma conclusão e veremos qual é a atitude individual dos médicos. Vamos ver se o poder legislativo avança nesse sentido ou não. O bastonário tem sido muito claro em relação a essa matéria e eu concordo com ele. O Sindicato Independente dos Médicos não quer envolver-se nessa matéria.
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