"O Bloco de Esquerda não existe para fazer eternamente acordos com o PS"
Luís Monteiro, deputado do Bloco de Esquerda (BE), é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
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Política Luís Monteiro
Tinha (apenas) 22 anos quando chegou ao Parlamento. É o deputado mais novo da Assembleia da República depois do 25 de Abril e isso despertou, desde logo, o interesse e curiosidade da comunicação social. Encarou a entrada no Parlamento como uma oportunidade de "materializar" tudo aquilo que tinha vindo a pensar e a reivindicar desde tenra idade. O pensamento político, esse, está muito ligado à 'escola' feita em casa. As histórias que o bisavô lhe contara do tempo em que era "chamado à PIDE" e os clássicos do marxismo-leninismo que o tio lhe dera a conhecer foram as suas primeiras grandes influências. Atesta que prefere sempre a "independência do pensamento", para lá das comparações que possam ser feitas, físicas e/ou ideológicas, com outras personalidades. Quer mostrar que "os jovens também cá estão", que "têm uma palavra a dar e que podem realmente mudar as coisas". Garante também que nunca lhe fugirá o espírito de "revolta e combate", dentro ou fora do Parlamento.
No que toca à governação do país, Luís Monteiro deixa bem claro que o Bloco de Esquerda não se contenta com o conquistado até agora: "quer mais". E assegura que "o caminho pode ser de convergência", mas para isso o PS "precisa de desconstruir dogmas e deixar de estar tão agarrado à União Europeia".
Avisa ainda o deputado que o Bloco "não existe para fazer eternamente acordos com o PS". Luís Monteiro incorpora no seu pensamento uma visão lata da política, não sendo indiferente ao crescimento da extrema-direita, tanto na Europa como no resto do mundo, e por isso, defende uma aliança política e social, de Esquerda, a nível global, para combater políticas xenófobas, racistas e reacionárias. Por cá, ocupe que lugar ocupar, de uma coisa está certo: "O espírito de combate e revolta não vai fugir".
Há dois anos, ficou conhecido como o 'Pablo Iglesias do Porto'.
Não sei se sou [o Pablo Iglesias do Porto]. Fui eleito em 2015 e na altura uma jornalista apelidou-me com esse nome, talvez pelo cabelo comprido, mas mais do que tentar parecer-me com algum político agora mais conhecido, quero é também construir um espaço novo na política, garantir que o trabalho que faço no Parlamento é reconhecido principalmente pelas camadas mais jovens porque o meu ativismo sempre se centrou na questão dos jovens, dos estudantes, dos precários, daqueles que tiveram de emigrar. E, portanto, mais do que ter um apelido desta ou daquela figura mais conhecida, interessa-me construir coletivamente uma nova realidade.
Mas foi uma alcunha que pegou?
Na verdade, colou na altura. Foi mediático. Aliás, toda a minha eleição foi na altura mediática. Era o mais novo no Parlamento e isso gerou algum burburinho. É uma questão engraçada mas não é mais do que isso. Ou seja, interessa é olhar o conteúdo e trabalhar sobre ele.
Foi um 'rótulo' baseado não apenas no aspeto físico.
Foi especialmente por haver uma proximidade política, o Pablo Iglesias [do Podemos] não é propriamente uma pessoa de extrema-direita. É uma pessoa de esquerda, de um movimento novo que apareceu em Espanha, acho que houve ali uma conexão que ali se fez mas eu prefiro a independência do meu pensamento e a capacidade de criar uma política nova aqui.
Recorda-se do momento em que começou a ter consciência política?
Sim. Tenho uma família que parte dela teve algum ativismo político. O meu bisavô foi chamado à PIDE uma ou duas vezes, ele era funcionário da Alfândega do Porto. Suspeitavam que estivesse ligado a movimentos de Esquerda, que fosse um contestatário do regime salazarista. O meu bisavô, sim, é uma das grandes figuras que me marcou pelas histórias que me contava quando era mais novo. O meu tio fez muito ativismo político no 25 de Abril, é uma pessoa de Esquerda, pôs-me a ler os primeiros livros, os primeiros clássicos do marxismo-leninismo, parte deles construiu as bases do pensamento que eu hoje tenho, considero-me um socialista na verdadeira aceção do termo.
Essa escola em casa, muito antes de lidar com o Bloco ou de fazer ativismo nas associações de estudantes. Muito antes disso, havia uma certa realidade, uma discussão política que se fazia em casa. E essas duas pessoas tiveram impacto nisso, sem dúvida. Mas a minha proximidade com a política - mais do que a consciência, o interesse - aparece no 9.º ano com a minha professora de História. Estávamos a dar o 25 de Abril, história do século XX, comecei a interessar-me. Estava muito atento, na altura, à luta dos professores, era uma questão do ensino que me interessava bastante, era muito crítico do sistema de ensino que nós tínhamos, daquilo que eu achava que falhava na escola pública. Estávamos em 2008, na altura daquelas grandes movimentações contra Maria de Lurdes Rodrigues. E isso despertou-me... houve ali um clique que me fez despertar o interesse para a política, comecei a olhar mais atentamente para o trabalho parlamentar, um bocadinho para a história dos partidos, e essa conjugação fez-me aproximar do Bloco, que era, e continua a ser, a força que representa melhor os jovens, um partido com uma nova geração de políticos e políticas e com um pensamento à Esquerda. Um partido que não tinha ficado agarrado a nenhum dilema da antiga União Soviética, mas que também não tinha perdido a sua identidade, um partido revolucionário e radical que nunca o deixou de o ser. Foi nessa altura que me aproximei do BE, inscrevi-me, fiz militância, mas mais do que isso a minha passagem pelo ensino secundário [na Escola Artística Soares dos Reis] marca uma passagem académica no mundo das artes, mas também uma passagem política e social. Fui presidente da associação académica [na Faculdade de Letras] durante três anos. E isso abriu-me os horizontes para o mundo do ativismo.
A partir daí foi um caminho aberto...
Foi um caminho aberto que eu próprio tive gosto em construir.
Tento mostrar que os jovens também cá estão, têm uma palavra a dar e que podem realmente mudar as coisasQuando, em 2015, chega ao Parlamento, com 22 anos, como se sentiu?
Senti que era a grande oportunidade de materializar tudo aquilo que tinha vindo a falar, pensar e reivindicar durante todos esses anos. Era acima de tudo o outro lado de uma imagem da Assembleia da República. Durante todos esses anos participei em manifestações, reivindicações, abaixos-assinados, contra muita coisa que tanto o governo da Direita como ainda o governo do Partido Socialista tinham desenhado para o país, para os jovens, para o massacre que tinha sido as políticas duríssimas da austeridade que levaram centenas milhares de jovens a emigrar. O tempo de agora estar no Parlamento é materializar todo esse projeto político alternativo que fui construindo na minha cabeça, construindo coletivamente. Assumi o mandato, independentemente da idade, com a maior das responsabilidades democráticas, políticas e institucionais.
Mas houve, por ventura de uma ala mais conservadora, quem demonstrasse não levar a sério um deputado tão novo? Isto é, alguma vez sentiu alguma espécie de crítica por causa da idade?
Havia sobretudo alguma estranheza por alguém tão novo chegar ao Parlamento, mas acho que isso rapidamente se desmistificou com o facto de eu ter assumido esta nova tarefa, este novo desafio, este serviço ao país com a maior das seriedades. A partir do momento em que o trabalho que faço, que o Bloco faz no Parlamento, é aceite como meritório, é aceite como justo, e é, acima de tudo, um trabalho esforçado, a forma como os outros olham para mim também acho que se altera. E a legitimidade na política é importantíssima. Não procuro legitimidade no vazio, mas é importante ganharmos o espaço e o respeito das outras pessoas e isso significa que, pelo menos, o nosso esforço é tido em conta. E isso é também das melhores coisas que eu retiro destes dois anos, o facto de não ter a pretensão de que vou alterar por completo a política em Portugal, mas acima de tudo ter a ambição de alterar um pouco a forma como a própria sociedade olha para os jovens. Tento, sobretudo, e dentro das minhas possibilidades e do trabalho coletivo do Bloco, mostrar que os jovens também cá estão, têm uma palavra a dar e que podem realmente mudar as coisas.
E mostrar que não estão assim tão afastados da política como se diz e se pensa?
Sim. Os fenómenos da campanha do Bernie Sanders, do People for Bernie, da capacidade de chegar às camadas de jovens por parte do Corbyn na Inglaterra, ou a própria campanha que o Melenchón fez junto dos mais desfavorecidos, dos estudantes, dos precários, só demonstra que os jovens estão preocupados com o seu futuro e que estão preocupados com o futuro coletivo do seu país, da Europa, da sua geração. Por vezes, nem sempre os agentes políticos conseguem falar para essas camadas. A partir do momento em que conseguimos fazer isso, as pessoas juntam-se aos movimentos, à política, veem que alguém está preocupado com a sua situação e que espelha aquilo que viveram ou vivem nesse momento.
Talvez seja do interesse do poder estabelecido afirmar que os jovens estão afastados da política e colocados um pouco à margem, não?
Nos últimos anos assistimos a uma burocratização excessiva e agressiva da política, da ideia do que são os políticos, das instituições democráticas. Se perguntarmos hoje o que se passa, ou que decisões a Comissão Europeia tem, pouca gente saberá responder. E digo isto para jovens e não jovens. Não estou aqui colocar uma questão geracional. Este afastamento da política, dos espaços de decisão política das pessoas, a quem na verdade esses espaços deveriam diretamente responder, fez com que fenómenos como Trump, Marine Le Pen e outros extremismos de Direita que vão aparecendo na Europa, ganhassem espaço. As políticas neo-liberais não resolveram a crise, antes agravaram, abriram portas a uma das maiores crises - se não a maior crise que tivemos do capitalismo até hoje, a maior crise sem precedentes do ponto de vista de cortar, queimar horizontes de futuro para os mais jovens, daqueles que hoje querem ter uma vida, abriram a porta a uma nova extrema-direita.
Que estava adormecida.
Que estava adormecida e que apareceu com uma narrativa sinistra e que se não há alguém do outro lado da barricada, com uma proposta forte, popular, de Esquerda, alternativa e radical, estamos perante um perigo iminente que precisa de ser combatido com propostas que abram os horizontes e que provem que é possível viver melhor do que aquilo que os nossos pais e avós viveram.
Se existe algum tipo de amargura parlamentar é uma amargura de querer maisE desilusões no Parlamento, já acumula algumas? Isto é, a vida parlamentar era exatamente aquilo que esperava ou já teve alguns desencantos?
Devemos afastar-nos dos encantos e dos desencantos. O Parlamento espelha também aquilo que são as relações de força existentes no momento. Temos hoje uma nova conjuntura em Portugal, nunca tinha acontecido um acordo com o Partido Socialista e os partidos à sua Esquerda. Faremos o balanço disso. Conseguimos, em parte, travar o empobrecimento que os anos da austeridade, da troika e do governo da Direita impuseram ao país, mas está muito por fazer. É importante também conceber teoricamente e construir na prática uma alternativa mais forte. O Bloco de Esquerda não existe para fazer eternamente acordos com o Partido Socialista. A conjuntura assim o impôs e nós não faltámos às nossas obrigações de expulsar o governo da Direita do poder e garantir uma solução governativa dentro do quadro que saiu das últimas eleições. Mas queremos mais, não podemos continuar a admitir que, em nome de um combate desenfreado e cego ao défice, continuemos a capitular no que toca ao investimento que é preciso fazer nas escolas, na contratação de mais professores, de mais funcionários, de obras, de redução do número de alunos por turma, de garantir que o combate à precariedade é feito com investimento público, criação dos postos de trabalho para que também aqueles que emigraram, se assim o entenderem, possam regressar ao seu país. Há um conjunto de muitas matérias que estão hoje em confronto.
Se existe algum tipo de amargura parlamentar é uma amargura de querer mais, acho que essa é que é a principal mensagem que gosto de passar. O Bloco de Esquerda quer mais, quer fazer mais no país, quer fazer mais no Parlamento e quer ter mais força. Se nós com 19 deputados alterámos as regras do jogo e expulsámos o governo da Direita, então precisamos de mais. Queremos construir mais movimento social. Romper com lógicas de tratados orçamentais da Europa, que é uma das grandes linhas divisórias entre nós e o PS. Queremos pôr em causa o diretório europeu. Só assim é que vamos conseguir construir um país diferente, com dignidade para quem trabalha e quer viver cá. Mesmo para uma ideia de esperança no futuro para as camadas mais jovens, é preciso uma política bem diferente daquela que está a ser seguida, mas o caminho faz-se caminhando. A vida é feita de espaços de intervenção, de prática e de ação, mas também de intervalo, para balanço. Acima de tudo, não podemos parar.
O nosso plano para o país é diferente do do Governo minoritário do PSÉ um balanço positivo o que faz desta solução governativa?
O balanço que podemos fazer destes dois anos de governação é positivo até porque o ponto de comparação é extremamente negativo. O Bloco de Esquerda não fica preso às conquistas que fez, pressionando o PS. Relembremos que o PS queria congelar o valor das pensões e não tinha um programa de combate à precariedade na Função Pública, e foi justamente a conjuntura que proporcionou a pressão do Bloco de Esquerda. Mas não ficámos contentes por si só com essas conquistas. O nosso plano para o país é diferente do do Governo minoritário do PS. No que é que consiste esse programa do Bloco para o país? O nosso programa para o país é uma transformação radical da sociedade. Cortar com o diretótio europeu e construir uma realidade diferente em Portugal com todos e com todas que o queiram construir connosco.
Parece-lhe que o PS continuará a ceder a essas pressões do Bloco?
Isso terá de perguntar ao PS e não a um deputado do Bloco de Esquerda. Mas acho que acima de tudo, a mensagem que posso deixar é que o Bloco não vai ficar amarrado aos dogmas do PS nem às imposições que o Governo e o PS coloca a si próprio. Mário Centeno e António Costa colocaram a si próprios um conjunto de imposições europeias, querem ir além do Tratado Orçamental e o Bloco de Esquerda não entra nessa ladainha, nem vai fazer um jogo do diretório europeu. Há um acordo para a existência de um governo minoritário do PS, há negociações para o Orçamento do Estado (OE2018) e nós cá estaremos para garantir que a Direita não volta ao poder.
Começaram as negociações para o Orçamento do Estado de 2018. Catarina Martins avisou que este é um "orçamento de escolhas e não de restrições", estando na primeira linha a baixa no IRS. António Costa já disse que tem intenção de aumentar número de escalões para reduzir o imposto para famílias mais desfavorecidas. O Bloco aceitará, por exemplo, negociar um valor da baixa do IRS que se situe entre os 200 milhões, com que o Governo se comprometeu no PEC, e os 600 milhões que o BE exige?
O caminho trilhado até ao momento teve um principal objetivo: resgatar o país do empobrecimento. O aumento das pensões, a devolução da sobretaxa, o retorno de importantes medidas de ação social deram corpo a esse objetivo. Para 2018, o Bloco quer fazer cumprir medidas do acordo que foi assinado com o Partido Socialista e não desistirá de lutar por todas as prioridades que tem vindo a colocar em cima da mesa. A integração de todos os professores precários, investir nos serviços públicos, o desagravamento fiscal do bolso de quem trabalha e tem menos em Portugal. Para isso, a questão do IRS é fundamental. Estamos neste momento em negociações e, por isso, não posso adiantar números concretos, o OE é negociado como um todo e, daí, a geometria ser mais complexa do que isso.
Que outras questões dão corpo ao pacote de "escolhas" que o BE exige para o OE2018?
As negociações fazem-se à porta fechada e só assim é que faz sentido. Quando a primeira versão do OE for apresentada pelo Governo minoritário do PS, aí sim, estaremos em condições para falar mais detalhadamente de números e medidas em concreto.
A mim o que me parece é que Marcelo extravasa as suas funções. Respeito pela divisão de poderes tem de se manter intacto e isso parece estar um pouco esquecidoComo avalia o papel do Presidente da República no panorama político?
As figuras também falam por si. Todos os Presidentes da República criam uma imagem diferente, cumprem as funções de uma forma diferente. A mim o que me parece é que Marcelo extravasa as suas funções. Não é da sua função pré-negociar ou colocar em cima da mesa aquelas que são matérias que competem ao Governo minoritário do PS e aos partidos à sua Esquerda negociarem ou não, conversarem ou não. Seria importante garantir que, do ponto de vista institucional e do ponto de vista político, nós país, nós Parlamento, Governo, e partidos de Esquerda não estejamos dependentes - e da parte do Bloco de Esquerda nunca estaremos nessa ratoeira - das escolhas, dos anseios e de leituras políticas que Marcelo Rebelo de Sousa faz da atual situação política. Até porque o respeito pela divisão de poderes tem de se manter intacto. E isso parece, não estar em perigo, mas estar um pouco esquecido.
Essa intervenção terá que ver com a veia de comentador que Marcelo tem?
É uma leitura política e ideológica que Marcelo Rebelo de Sousa faz da sua posição enquanto Presidente da República. Marcelo não passou de comentador televisivo para Presidente. Tem uma carreira política desde a sua juventude, nunca deixou de ser político nem de fazer política, aliás, talvez tenha sido a partir da sua participação política como comentador televisivo que mais ganhou notoriedade.
Em que situações concretas Marcelo interferiu demasiado quando não o devia ter feito?
Tivemos a questão da TSU (Taxa Social Única), há um ano. Mas tivemos outras, não vou estar aqui a particularizar. Parece-me acima de tudo que parte dos recados que Marcelo gosta de deixar é desnecessária porque nos cabe a nós, Governo e partidos à Esquerda, fazer essa gestão.
Parece-me que André Ventura é um tubo de ensaio que o PSD quer experimentar em Loures e retirar ilações disso para o país
Tem estado na ordem do dia o discurso da Direita por muitos considerado de tom racista e xenófobo. Tudo começou com a entrevista de André Ventura, candidato do PSD a Loures, ao Notícias ao Minuto em que o mesmo teceu comentários considerados racistas sobre a comunidade cigana. Passos Coelho não lhe retirou apoio político, como fez o CDS, e inclusive no Pontal optou por um discurso mais à Direita, por alguns considerado racista e xenófobo. Como comenta esta opção do PSD?
Acima de tudo é uma jogada de desespero. A Direita está desesperada, está de cabeça perdida, não tem proposta política, perde o seu tempo de antena a falar do desastre dos incêndios, das mortes e da lei da nacionalidade. Isso acima de tudo espelha o período de desnorte completo em que a Direita se encontra, não só o PSD como o CDS.
Naquilo em que a Direita cortou, e que muito por pressão dos partidos de Esquerda e do BE em particular, este Governo conseguir repor esses cortes e desses rendimentos que foram roubados. Em tudo o que a Direita privatizou, este Governo não o fez e o Bloco tem lutado para combater nomeadamente as PPP [Parecerias Público Privadas]. Em todos os números a Direita falhou, os próprios números que se auto-impôs falharam, fizeram quatro orçamentos retificativos. A governação da Direita foi desastrosa e, neste momento, a oposição não tem proposta alternativa para apresentar. Isso abre portas a que rapidamente procurem o caminho mais fácil.
Estamos ainda muito em cima do acontecimento para fazer uma análise mais detalhada e clínica, mas parece-me a mim que esta não retirada de apoio à candidatura de André Ventura é acima de tudo um tubo de ensaio que o PSD quer experimentar em Loures e retirar ilações disso para o país. Seria muito negativo que o maior partido da oposição, com as responsabilidades ou irresponsabilidades que tem vindo a assumir no país, entrasse numa deriva ao nível das piores políticas 'Trumpistas' ou de Marine Le Pen e com tudo de mau que tem esta extrema-direita xenofóbica, racista, homófobica, misógina. Estaremos cá para combater tudo isso.
O Partido Socialista patina nas autárquicas de Loures dizendo que dá apoio e depois retiraDe que forma?
Mais do que fazermos uma leitura daqueles que por desespero político ou por tentarem caminhar num caminho muito pantanoso, parece-me importante fazer uma leitura de quem são os forças e os movimentos à Esquerda que melhor combatem estes novos fascismos e este novo reacionismo que tem surgido na Europa e no mundo. Parece-me a mim que uma resposta radical popular à Esquerda que é a melhor maneira de responder ao problema. O Partido Socialista patina nas autárquicas de Loures dizendo que dá apoio e depois retira. Se fizermos uma leitura mais alargada, olhando para o fenómeno Mácron e Hillary Clinton, não tiveram capacidade de combater tanto Donald Trump e Marine Le Pen. Isto mostra que o centrão político esboroou-se, na sua capacidade de reinventar ideologicamente, está agarrado a uma ideologia neoliberal que faliu. Só uma alternativa muito consistente à Esquerda dará garantias de um combate anti-fascista, por uma sociedade livre e democrática.
Candidatos com o discurso como o de André Ventura podem colher frutos, no caso, capitalizar votos em Portugal?
Até agora, havia até muita gente que fazia uma análise de que a extrema-direita não vai entrar em Portugal, temos um país de brandos costumes e estamos mais ou menos imunes a esse tipo de fenómenos. Veremos. Não lhe queria dar assim uma importância muito grande, acho que vai ser derrotado nas eleições.
A entrevista que a secretária de Estado Graça Fonseca deu, assumindo ser homossexual, fez correr alguma tinta na semana passada. Casos como este provam que o país ainda é muito preconceituoso ou, pelo contrário, são um sinal claro de que os tempos estão de facto a mudar?
Acho que são as duas coisas. As coisas estão a mudar e ainda bem que estão. As alterações legislativas que foram conseguidas na área dos direitos individuais, a possibilidade de casamentos homossexuais, a adoção, tudo isso são passos civilizacionais gigantes. Se podemos descansar na forma? Não. O trabalho contra todo o tipo de discriminações, contra o preconceito, seja ele racial, homófobico ou de que tipologia for, precisa de ser combatido no dia a a dia. Porque o preconceito é político mas acima de tudo cultural. E numa sociedade patriarcal, capitalista, muitas vezes, conservadora, é preciso não desistir de nenhuma dessas lutas e é preciso compreender que os preconceitos ainda existem, estão enraizados na nossa sociedade e precisam de ser combatidos. A coragem da secretária de Estado é de louvar e é a prova, olhando para as reações mais à Direita que existiram, de que precisamos de continuar a expor o problema. Não estamos livres de retrocessos nem estamos com o problema resolvido.
Não podemos desvalorizar a telenovela de Trump seja com a Coreia do Norte, seja a novela com o Médio Oriente
Voltando a Trump, uma figura cuja ideologia o parece preocupar. Como acompanha o desenrolar da política atual da Casa Branca?
Trump é uma figura sinistra. Não devemos fazer duas coisas: desvalorizar o poder que tem, está à frente da maior potência mundial, com capacidade para abrir guerras, com uma capacidade económica e financeira gigante, tem ao seu dispor meios que mais nenhuma potência mundial tem. Em segundo lugar, é um erro de análise achar que Trump é burro, desconhecedor da realidade. Não. Há um projeto político, há uma nova Direita que está a ocupar o espaço dos neo-liberais que falharam as suas políticas. Essa nova realidade mais conservadora, mais reacionária, mais racista, mais xenófoba está a tomar o poder não só nos EUA. Um dos pontos fundamentais da política 'Trumpista', além de tudo o que de mau está a acontecer na política interna dos EUA, desde desemprego, pobreza, precariedade, é a política da guerra, que é aquilo que marca grande parte das administrações norte-americanas e que vai marcar a política de Trump.
Não podemos desvalorizar a telenovela seja com a Coreia do Norte, seja a novela com o Médio Oriente, porque na verdade o que está por trás disso é uma política de guerra agressiva, de armamento. É preciso um grande movimento mundial contra mais política de guerra norte-americana e contra a política de agressividade sobre os povos.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.
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