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"Um euro investido no desporto vale muitos euros na sociedade"

Miguel Laranjeiro, presidente da Federação Portuguesa de Andebol, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto. Numa conversa sobre uma das modalidades mais praticadas em Portugal, abordou a dificuldade da seleção nacional em chegar a grandes competições internacionais e explicou o sucesso da formação portuguesa nos escalões jovens da equipa das quinas.

"Um euro investido no desporto vale muitos euros na sociedade"
Notícias ao Minuto

25/10/17 por Luís Alexandre

Desporto Miguel Laranjeiro

Em Portugal, o andebol é uma modalidade com uma dicotomia peculiar. Por um lado, é o segundo desporto com mais praticantes em território nacional. Por outro, é dos que menos mediatismo tem na televisão nacional, atrás de futsal, hóquei em patins e até mesmo do basquetebol. 

A juntar-se a isto há uma seleção nacional cuja formação já atingiu pódios em Europeus e Mundiais, ao contrário da equipa sénior, que já não marca presença numa grande competição desde 2006.

Em entrevista exclusiva ao Notícias ao Minuto, Miguel Laranjeiro, presidente da Federação Portuguesa de Andebol, dá a sua versão para a falta de sucesso nos grandes palcos, assim como aquilo que o organismo pretende fazer para que o indesejado cenário se inverta a médio-prazo.

Uma sociedade é avançada quando temos boas escolas, boas bibliotecas e bons hospitais, mas será mais rica se tiver diversidade desportiva

O andebol é um dos desportos mais praticados em Portugal mas dos que têm menos atenção mediática. Quais são para si as razões por trás desse fenómeno?

De facto, o andebol é a segunda modalidade mais praticada em Portugal, com cerca de 50 mil praticantes e 400 clubes dispostos por todo o país. Com uma distribuição geográfica mais ou menos equilibrada. Tem havido um grande esforço por parte desta direção em querer criar mais notoriedade, aliás temos vindo a trabalhar com a TVI24, que fez uma aposta nas modalidades. Queremos aumentar a nossa base de recrutamento um pouco por todo o território e a televisão é muito importante para chamar a atenção dos mais novos.

É verdade que temos tido destaque na comunicação social mas gostaríamos de ter ainda mais. Se for perguntar a outras federações, vai ver que todos vão dizer exatamente o mesmo. O serviço público televisivo tem de ter um papel importante no desporto. Diz-se que uma sociedade é avançada quando temos boas escolas, boas bibliotecas e bons hospitais, mas será mais rica se tiver diversidade desportiva. Se tivermos uma monocultura desportiva somos um país mais pobre. Quero que a paixão pelo andebol seja ainda maior e que continue a crescer como tem acontecido nos últimos anos.

Acredita que o facto de a seleção nacional sentir dificuldades em singrar nas competições europeias, poderá ter contribuído para um certo desinteresse por parte das televisões?

Isto é quase como uma 'pescadinha de rabo na boca', está tudo interligado, nós estamos a fazer uma grande aposta na modalidade, principalmente na seleção. Por exemplo, em janeiro, Portugal irá disputar a qualificação para o Mundial 2019 [que se realizará na Alemanha e Dinamarca] e temos uma grande confiança nessa possibilidade. É evidente que a participação de seleções nacionais em grandes competições, seja um Europeu, seja um Mundial, é muito importante para a divulgação da modalidade. No entanto, tenho de dizer que estamos determinados em conseguir marcar presença nas principais competições de andebol. Porém, é preciso referir que o sucesso e o mediatismo estão interligados, ou seja, se queremos aumentar a qualidade da seleção teremos de ter mais jovens a praticar o desporto, e para convencer esses ditos jovens é necessário o tal mediatismo.

Como tem acompanhado a evolução da modalidade ao longo dos últimos anos, em comparação com outras que também têm merecido grande destaque, como o futsal ou o hóquei em patins?

Costumo dizer que tudo o que for bom para as outras modalidades também é bom para o andebol. É verdade que as modalidades de pavilhão têm aumentado significativamente nalguns locais, mas eu não tenho nenhum problema com isso. Como já referi, somos a segunda modalidade mais praticada no país e temos tido um crescimento sustentado e consistente no andebol, que em muito parte da estabilidade que inúmeros clubes e associações têm dado. Tem sido uma espécie de alicerce do desporto. Aliás, basta olhar para as prestações de sucesso das equipas portuguesas nas competições europeias recentemente. Contudo, temos tido uma postura muito realista e com os pés assentes na terra, sem entrar em euforias.

Para nós, o país é uno. Um concelho do interior tem tanta importância como um concelho do litoral. Queremos levar o melhor do andebol a vários locais

Notícias ao Minuto© Blas Manuel

Quais são os principais objetivos da Federação em relação ao desenvolvimento do andebol?

Queremos e precisamos de alargar esta base de praticantes, um aspeto que tem sido trabalhado numa espécie de triangulação, com ajuda das autarquias, com os agrupamentos escolares e com os clubes. Com este triângulo, temos estado a trabalhar com notório sucesso. Além disso, tem havido uma distribuição diversificada por todo o território nacional de eventos de grande importância para o andebol português, como o caso da Taça de Portugal ou da Supertaça. Para nós, o país é uno. Um concelho do interior tem tanta importância como um concelho do litoral. Queremos levar o melhor do andebol a vários locais, que muitas vezes estão esquecidos. Por exemplo a Supertaça, entre o Sporting e o ABC Braga, foi realizada num território do interior do país. A grande ambição que gostaria de concretizar é que todas as regiões tivessem as mesmas hipóteses e condições de singrarem, o que iria ajudar a modalidade a crescer ainda mais.

Portugal nunca conseguiu conquistar um título importante na modalidade. Aliás, mais recentemente, a equipa das quinas falhou o apuramento ao Europeu de 2018. O que é preciso ser feito para inverter este ciclo?

Estamos a fazer o nosso caminho. Portugal tem vindo a subir no ranking europeu, muito por culpa dos jogadores que partiram para grandes ligas europeias, como Alemanha ou Polónia, e estamos cada vez mais perto de virmos a participar num grande evento. Reunimo-nos recentemente com o executivo da Federação Europeia de Andebol e, nas conversas que tive com ele, disse-me que Portugal está a criar as condições necessárias para que a seleção nacional possa integrar o lote das grandes seleções europeias. Todavia, é preciso ver que, quando estamos a falar de apuramentos, principalmente na Europa, as seleções têm uma grande tradição no andebol, o que torna a nossa vida mais complicada. Aliás se olharmos para a história, nas últimas décadas, assistimos a grandes potências na modalidade a dividirem-se e a formarem outras grandes seleções, como o caso da antiga Jugoslávia.

O melhor resultado de sempre da seleção sénior foi em 2000, altura em que terminou no sétimo lugar. No entanto, nas camadas jovens, já conseguimos atingir o pódio por três ocasiões (em 1992, 1994 e 2010). Por que razão não existe uma transição capaz de aproveitar as qualidades dos jovens?

Essa é uma questão importante. De facto, ainda hoje participamos em competições europeias e mundial continuamente e as camadas jovens, principalmente os júniores, tem tido resultados bastantes positivos. O problema é que há países que têm mais competição interna e  têm clubes que gostam de fazer transitar imensos jogadores para as equipas séniores, mas, em Portugal, nem sempre temos capacidade de fazer essa transição, esse dito aproveitamento.

É imperativo que temos de continuar apostar na nossa formação de qualidade, temos tido a preocupação, junto com o comando técnico da seleção, de escolher os melhores das camadas jovens e começar a colocá-los aos poucos em jogos dos séniores. O processo de renovação é muito importante. A melhor forma de explicar esta lacuna é o facto de termos menos profissionalismo em comparação a outras Ligas europeias, pelo que os jovens acabam por dar maior foco à vida académica ao invés da desportiva. Porém, há um exemplo de sucesso em Portugal: o ABC, que se juntou à Universidade do Minho e conseguiu compatibilizar o estudo com o desporto, levando a que menos jovens desistam da competição. Mais universidades e clubes deveriam seguir o mesmo caminho, penso que seria muito positivo.

O andebol é conhecido por ser uma modalidade bastante forte nos países nórdicos e eslavos. No entanto, no sul da Europa, a vizinha Espanha, onde o futebol mais reina e o andebol é o terceiro desporto mais praticado, não deixa de arrecadar títulos importantes. Por que motivo não acontece o mesmo no nosso país?

Espanha tem uma dimensão um bocadinho diferente da nossa e já foi melhor do que é agora. Mas com a realização dos Jogos Olímpicos em Barcelona, em 1992, houve uma forte mão e interesse do Estado e até mesmo da sociedade espanhola em redor do desporto e da sua prática, o que acabou por colocar o nosso país vizinho no topo em diversas modalidades. Foi construída uma forte cultura desportiva e isso é muito importante. O desporto é a única atividade humana que consegue conciliar, em simultâneo, dimensões importantes. como as questões da saúde, de igualdade, de coesão social e de formação cívica. Por exemplo, os jovens entram no pavilhão, vestem o equipamento e todos passam a ser iguais. O desporto é um elemento fundamental para uma sociedade e é por isso que digo que um euro investido no desporto vale muitos euros na sociedade. Na sua maioria, as pessoas anónimas que têm grande amor ao andebol são o alicerce disto tudo. Dão as suas noites e os seus fins de semana à modalidade, é de louvar. O desporto não é aquele jogo importante ao sábado ou ao domingo, é bem mais que isso.

Quais são os próximos objetivos da seleção, depois de ter falhado o Europeu?

Em janeiro, no norte do país, estaremos a disputar o apuramento para o play-off do Mundial 2019, onde teremos pelo caminho a Polónia, o Kosovo e Chipre. Queremos passar e marcar presença no tão desejado torneio, esse é o nosso grande objetivo agora.

Será possível vermos num futuro próximo a seleção chegar a finais em competições de grande envergadura?

Essa é a ambição máxima. Há países que fizeram o trajeto que estamos agora a fazer há muitos anos, ou seja, o sucesso é algo que é construído com tempo, não surge de repente. Por exemplo, França tem um trajeto de 30 anos de trabalho, não apareceu do nada. Não podemos pedir a um país de menor expressão um repentino sucesso. Aquilo que tenho vindo a prometer é trabalho, trabalho e mais trabalho, e é assim que vai continuar. Além disso, a ambição também é muito importante para o crescimento e é isso que também tento passar ao nosso selecionador nacional e a todos os seus intervenientes. Portugal, em futebol, foi campeão europeu no ano passado, mas, até lá, ninguém os questionou sobre o facto de nunca terem vencido um troféu de relevo, isto porque houve um trabalho a ser feito ao longo dos anos.

"Os interesses dos clubes portugueses são sempre o nosso foco, não há que enganar"

Notícias ao Minuto© D.R Notícias Ao Minuto

Este ano assistimos a uma situação polémica em que o ABC garantiu um lugar na EHF Cup mas decidiu desistir da competição por falta de dinheiro. Isto é uma realidade comum nas equipas portuguesas?

Não é, nos últimos anos isso não tem acontecido. Agora, é uma decisão do próprio clube, fez a sua avaliação e chegou à conclusão de que era melhor não ir. Não questiono nem discuto a situação porque não estou dentro do assunto. O ABC é um clube de grande relevo em Portugal, que ganhou vários títulos, e não tenho mais nada a acrescentar.

Existe algum apoio por parte da Federação nestes casos extremos?

No que diz respeito às competições europeias, há naturalmente uma aproximação entre a Federação Portuguesa de Andebol e os clubes nacionais, principalmente quando necessitam de interagir com a Federação Europeia. No entanto, há sempre coisas que não conseguimos controlar, como é normal. Mas os interesses dos clubes portugueses são sempre o nosso foco, não há que enganar.

O que poderá ser feito para impedir que tal situação se repita?

Os clubes, quando atingem determinado patamar, sabem que as competições europeias têm regras, exigências e obrigações para com a Federação Europeia. No nosso caso, o que podemos fazer é dialogar e negociar alguma situação em concreto.

Este ano, o Sporting está de volta à Liga dos Campeões e tem tido resultados interessantes, acredita que a principal competição europeia de clubes poderá ter um dia um vencedor português?

Nós ficamos sempre contentes quando os clubes portugueses fazem uma boa campanha nas competições europeias e torço sempre pelos nossos clubes. Faço questão de ir aos jogos e mostrar o meu apoio publicamente. E o Sporting, com o novo pavilhão, tem todas as condições para criar grandes festas para o andebol.

A construção do pavilhão João Rocha poderá ajudar de certa forma a desenvolver a modalidade?

Tem havido, ao nível europeu e nacional, uma melhoria das arenas, dos pavilhões, e de facto é muito importante que os clubes percebam que, hoje, as pessoas têm um nível de exigência maior do que há 30 anos quando assistem a um espetáculo desportivo. Tudo o que sejam espaços novos, como o caso do pavilhão João Rocha, vêm ajudar a modalidade a progredir.

Ulisses Pereira foi o seu antecessor na Federação. Os últimos quatro anos que o dirigente passou no organismo deixaram-lhe uma boa herança?

Houve um trabalho de estabilização do universo do andebol português, que creio que foi muito importante. Nós, para construirmos alguma coisa, precisamos de alguma serenidade e confiança na instituição. É nas suas bases que estamos a tentar projetar a modalidade. Mas é necessário recordar e frisar que, durante os piores anos da crise financeira, os apoios ao andebol foram cortados e é sempre muito difícil trabalhar nessas condições.

E quanto ao seu mandato, qual é o balanço que faz?

Tem sido muitíssimo gratificante ao nível humano e muito por ajuda da direção, que tem elementos de grande experiência e profissionalismo. Além disso, a oportunidade de conhecer pessoas apaixonadas pelo andebol em todo o país obriga-me a dizer que o balanço tem sido positivo. Eu, como presidente não-profissional. tento sempre estar presente um pouco por todo o país e conhecer os indivíduos por trás da verdadeira essência do andebol, aqueles que dão tanto à modalidade e, na maior parte das vezes, não recebem dinheiro por isso, mas que apenas se movem pela paixão.

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