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"Quando não houver desejo de reinvenção estaremos mais próximos da morte"

Miguel Guedes é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"Quando não houver desejo de reinvenção estaremos mais próximos da morte"
Notícias ao Minuto

20/10/17 por Pedro Filipe Pina

Cultura Miguel Guedes

Antes de tudo havia o rock. E mais de 20 anos depois, para lá de tudo, o rock continua.

Os Blind Zero atuam esta sexta-feira na Casa da Música, com álbum novo para mostrar: 'Often Trees'. Será "um concerto especial", diz-nos Miguel Guedes, voz dos Blind Zero que nos últimos anos se tornou também uma voz mediática, quer como comentador desportivo, quer como cronista atento à atualidade.

São várias as facetas de Miguel Guedes que conhecemos e quando lhe perguntamos como é que se organiza o tempo para tanta coisa, admite-nos que nem sempre é fácil e que há uma relação com o relógio e o seu tempo que é preciso melhorar. Mas acrescenta logo de seguida entre risos que "há vidas piores".

Ao oitavo álbum, os Blind Zero embrenharam-se numa floresta sonora, "iluminada por luz artificial", metáfora para a vida e para a música, logo ela, que por vezes nos dá a sensação no dia-a-dia de que somos "invadidos" por ela. Mas não tirámos o tempo suficiente para, de facto, a ouvir. E conhecer.

"'Often Tree' é um álbum muito noturno"Os Blind Zero têm álbum novo, 'Often Trees'. A que se deve a escolha deste nome?

As árvores têm sido um elemento muitíssimo recorrente no universo dos Blind Zero e dão-nos uma belíssima metáfora para uma data de situações da nossa vida. Pela sua robustez, pela sua natureza selvagem mas podável e pela forma como podemos subir a elas e ganhar uma outra perspetiva da vida. Este disco é colocado muito entre as árvores, com pessoas à procura de uma nova dimensão, numa floresta que nós imaginamos à noite, iluminada por luz artificial. E essas são personagens que, no fundo, buscam ver algo que não lhes surge naturalmente. Nesse sentido é um álbum muito noturno.

Houve aqui alguma necessidade de reinvenção?

Há sempre. E quando isso não acontecer estaremos muito próximos da morte. Nós temos o privilégio de fazer discos e lançá-los e fazer concertos. Num momento artístico como este, com 20 e tal anos de percurso, se cedêssemos à tentação de nos repetir e não tentássemos criar também para nós soluções novas, e atrativas, estaríamos próximos do momento onde estaríamos seguramente infelizes em relação àquilo que estaríamos a fazer.

Notam-se mudanças na sonoridade.

Os nossos dois últimos discos, o 'Luna Park' e o 'Kill Drama', foram discos mais próximos do pop-rock e com um sentido de facilidade e de aprendizagem mais imediata. E nós agora queríamos fazer algo diferente, que convocasse uma atenção diferente, que nos transportasse para um imaginário que sempre esteve presente nos Blind Zero, algo perturbado a nível psicológico, mas que aqui funcionasse um pouco como um todo. Julgo que o 'Often Trees' se ouve como uma obra inteira e as canções são dificilmente divisíveis.

O álbum saiu no passado dia 6 de outubro, como tem sido a reação dos fãs nestas primeiras semanas?

Tem sido tão boa como foi a receção dos fãs às canções novas que íamos tocando nos concertos, antes da edição do 'Often Trees'. E é engraçado: as pessoas vinham ter connosco um pouco com a mesma reação que tinham quando há 20 e tal anos editámos o 'Trigger'. Nós tocávamos aquelas músicas muitas vezes em concertos e as pessoas tinham uma dimensão afetiva muito forte com as canções, só porque as ouviam ao vivo. E sentimos o mesmo agora. As pessoas vinham-nos dizer 'estas músicas são novas mas é algo diferente, é algo que mexeu comigo'. Independentemente de ser melhor ou pior, julgo que quando as pessoas se sentem tocadas por algo que ainda desconhecem, com que tiveram só um primeiro contacto, isso é muito positivo. E com este disco tem-se revelado o mesmo tipo de reação. Há uma espécie de reivindicação de paternidade por parte de muitas pessoas que sentem este disco como seu.

"Fomos a primeira banda rock português a cantar em inglês a vender massivamente. Depois outras vieram"Os Blind Zero fazem parte de uma lista de bandas, como os Silence 4 ou os The Gift, que foram dos primeiros portugueses a atingir sucesso por cá cantando em inglês. A escolha da língua sempre suscitou algumas críticas. Como é que foram esses primeiros tempos, da escolha do inglês à aceitação do público?

Foi algo que nos era completamente natural, não faria sentido ser de outra forma. Esteticamente e do ponto de vista musical o que estávamos a fazer era muito próximo da cultura anglo-saxónica. Nós todos falamos em português e amamos e odiamos em português. Nunca foi nenhuma vontade de internacionalização. Claro que sempre houve essa vontade de tocar para mais pessoas, mas foi sempre uma questão estética e uma que se arrasta até ao dia de hoje sem nenhum tipo de arrependimento. Na altura fomos a primeira banda rock português a cantar em inglês a vender massivamente. Depois outras vieram, com esse ou maior sucesso. A língua é um elemento fundamental na cultura de cada país e cada povo, mas está longe de esgotar a cultura de um país.

Os Blind Zero já foram uma das grandes novidades do rock em Portugal e entretanto passaram mais de duas décadas, o que nem sempre é fácil de ver no mundo da música. Já se sentem veteranos no meio?

Não, não nos sentimos veteranos, mas sentimos que há um percurso que felizmente aconteceu e pelo qual estamos gratos e felizes, com a dose de arrependimento e de felicidade de termos feito tanta coisa. E é um arrependimento que vem da experiência, que todos maturamos, e é bom sentir que a nossa música tem maturado connosco.

Neste concerto na Casa da Música vão tocar o álbum na íntegra.

Sim, pela primeira vez no nosso percurso vamos tocar um disco inteiro, do início ao fim, num só concerto. Acho que nunca tocámos todas as músicas de um disco num só espectáculo. Por isso é mesmo um concerto muito especial e sentimos que estas músicas têm uma tradução muito forte ao vivo e não queremos deixar de tocar nenhuma delas. Acredito que será um momento único, pois num concerto que não o da apresentação do disco dificilmente poderemos voltar a repetir esta graça. 

E que expectativas têm para este concerto, mais logo no Porto e num espaço como a Casa da Música?

Na noite da Passagem de Ano, na Avenida dos Aliados, tivemos um enorme concerto, com 150 mil pessoas que lá foram passando ao longo da noite. E o regresso aos concertos no Porto, agora num ambiente fechado, para cerca de 500 pessoas, com este disco, é um sabor completamente diferente e muito importante para nós. É quase fundamental para nós apresentar este disco no Porto e com este acrescento de afeto de ser numa casa tão bonita e emblemática como a Casa da Música. Mas sobretudo é a primeira vez que nós vamos abrir as portas desta nossa floresta em particular, do 'Often Trees', e queremos dar a conhecer todos os cantos dessa floresta iluminada.

"Somos quase invadidos por tanta música, mas acho que a conhecemos cada vez menos"E como ouvinte, há algum projeto de rock português que te tenha chamado a atenção nos últimos tempos?

Sim, há muitos, no rock e não só. Há coisas extraordinárias que estão a acontecer. Não gostaria de estar a individualziar nomes, porque há muitos, mas alguns até têm tocado connosco, como os You Can’t Win, Charlie Brown. Mas há tantos, vive-se um momento extraordinário mas é pena que dificilmente consigamos ouvir música nas televisões e nas playlists normais das rádios. Bem, na verdade acho que ouvimos tanta música, somos quase invadidos por tanta música, mas acho que a conhecemos cada vez menos. 

Cantor, cronista, comentador desportivo, jurado na televisão, licenciado em Direito. Se eu não conhecesse o Miguel Guedes e perguntasse o que fazia da vida, qual seria a resposta?

[Risos] Eu nunca procurei ter uma dimensão unidimensional ou fazer uma só coisa, acho que não me sentiria bem. As coisas vão acontecendo muito naturalmente. Nós temos uma opinião sobre algumas coisas, interessamo-nos por outras. E às tantas as pessoas pedem-nos uma opinião amplificada, e é só isso. Felizmente que exerço muitas das coisas que mais gosto da vida, apesar de isso ser um bocadinho difícil em termos da gestão de tempo, como já se confirmou hoje... [risos] 

(a entrevista decorreu por telefone e um pouco mais tarde do que a hora marcada, depois de um mini-concerto dos Blind Zero na redação do Jornal de Notícias e antes de outros compromissos)

... mas é uma enorme felicidade. 

Mas há aqui um pouco de workaholic a funcionar, não? Como é que a família e amigos lidam com tanta correria?

Acho que há vidas piores, sabes [risos]. Eu penso sempre nos embarcadiços e na malta que está no mar, e nos caixeiros-viajantes, e na muita malta que está demasiadamente menos vezes com as pessoas com quem gosta de estar. Eu queixo-me de tempo mas a culpa é toda minha, não é do tempo, eu é que tenho de perceber como é que o relógio se ajusta ao meu tempo particular. Mas sou muito feliz a fazer o que faço. Confesso que talvez devesse ter um pouco mais de tempo para pausas, mas lá iremos.

 E com os Blind Zero, tem sido uma gestão de tempo difícil nestes últimos anos?

Com os Blind Zero há sempre uma gestão de difícil porque nós não temos tempo. Felizmente nós podemos dar-nos ao gozo de fazer o que entendemos, quando entendemos. Se não editamos discos, não editamos; esperamos. Já tivemos períodos de quase cinco anos entre discos, acho que não é o desejável, mas aconteceu. Agora tivemos dois, três anos entre o último disco e este álbum. Não temos nenhuma pressão, fazemos rigorosamente o que queremos, sabendo que isso por vezes implica algum adiamento. Mas foi também esse adiamento que nos permitiu fazer este 'Often Trees'.

A dada altura nós deitámos fora um conjunto de canções que estavam a fazer um outro disco e que por ventura nos ia causar arrependimento. Por isso temos esta visão de podermos fazer quando entendermos e ganhar tempo para olhar para o que estamos a fazer com uma perspetiva crítica, e se acharmos que não é algo de urgente, paramos. E depois voltamos e já estamos diferentes.

Os Blind Zero atuam esta sexta-feira à noite na Casa da Música, no Porto, num concerto de apresentação do novo álbum, 'Often Trees'.

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