"Acho que Portugal tem uma bipolaridade total"
O entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto é João Magueijo. O físico português fala-nos sobre o seu novo livro, ‘Olifaque’, mas também sobre a sua experiência como emigrante e sobre o contacto com as comunidades portuguesas em Toronto e Londres.
© Blas Manuel
País João Magueijo
Depois de ‘Bifes Mal Passados’, João Magueijo volta a debruçar-se sobre o tema da emigração. O seu novo livro, ‘Olifaque’, foi lançado há cerca de um mês. Escrito na língua falada pelos emigrantes, o emigrês, o livro centra-se na comunidade portuguesa de Toronto e, com humor, retrata os estereótipos dos emigrantes.
João Magueijo tem vivido principalmente em Londres nas últimas décadas, mas também esteve durante dois anos em Toronto. O físico é professor no Imperial College na capital inglesa e admite que escreve estes livros porque se fizesse só “ciência dava em doido”.
O Notícias ao Minuto falou com João Magueijo sobre a sua nova obra mas também sobre a sua experiência como emigrante e acerca do impacto que o Brexit vai ter. O autor também revelou a sua perspetiva sobre a atual situação de Portugal.
Em ‘Bifes Mal Passados’ pegou na sua experiência pessoal em Inglaterra. No ‘Olifaque’ também estão incluídas as suas experiências pessoais, mas dá-me ideia de que este livro oferece uma perspetiva mais geral das experiências dos emigrantes portugueses. Já tinha em mente escrever este livro depois do ‘Bifes Mal Passados’?
Sim, eles são parecidos no sentido em que isto vem das experiências pessoais. O ‘Bifes Mal Passados’ veio das experiências pessoais em Inglaterra, o ‘Olifaque’ das minhas experiências pessoais dos dois anos que vivi no Canadá e também em Inglaterra. Também tenho um certo contacto com a emigração portuguesa em Londres e há estórias aqui que na realidade passaram-se em Londres.
Foi um bocado um na sequência do outro. Comecei a escrever este livro na Albânia. Estava cansadíssimo depois do ‘Bifes’ por razões várias e decidi passar um mês na Albânia e foi aí que de repente começou a vir-me à cabeça aquela linguagem que falei durante dois anos, o emigrês. É uma língua linda para escrever ficção, para escrever um romance. E só mais tarde descobri que não sou a primeira pessoa a usar esta língua. Há uma peça de teatro do Onésimo, por exemplo. Tirando a peça de teatro, ninguém utilizou o emigrês como a língua do narrador. Um narrador que fale o emigrês acho que foi a língua a primeira coisa que me veio à cabeça depois do ‘Bifes’. O ‘Bifes’ também era um bocado convencional em termos de linguagem, ao passo que isto é algo totalmente radical e diferente em termos de linguagem.
Portanto o emigrês era indissociável desta ideia de escrever o ‘Olifaque’?
Sim, acho que tinha de se pôr na boca do narrador e acho que não podia ser um narrador culto, não há nenhuma embirração em particular com isso. O Pasolini, por exemplo, escreveu várias coisas lindas sobre os prostitutos em Roma e ele tinha um cuidado enorme em escrever em romanacci, que é o dialeto de Roma e que é completamente diferente do dialeto italiano. O narrador fala em italiano e os diálogos são em romanacci e, tal como neste livro, existe um glossário no fim, porque aquilo é um dialeto diferente. Acho importante por vezes pôr o narrador a falar na língua que as pessoas falam.
As pessoas acham que os emigrantes são culpados da miséria de onde saíram. E não são. Nós é que somosNo livro refere a “arrogância” na relação de Portugal com os emigrantes. Porque é que os portugueses de uma forma geral têm esta visão negativa dos emigrantes? Porque é que isso ainda acontece?
Existem os estereótipos, obviamente. Mas acho que sobretudo é o facto de as pessoas não estabelecerem uma relação causal entre os emigrantes e o que os levou a emigrar. As pessoas normalmente fogem de um trauma enorme, às vezes financeiro e muitas vezes pior do que isso. E acho que é essa ideia que tento transmitir com este livro. Existe de facto um trauma gigantesco. E as pessoas acham que os emigrantes são culpados da miséria de onde saíram. E não são. Nós é que somos. As pessoas dentro do retângulo é que são. Todos coletivamente e especificamente os políticos e as elites. Acho que há uma certa inconsistência em ter a atitude que se tem de chamar aos emigrantes parolos e olhar para eles como pessoas de segunda classe, quando no fundo há uma causa direta entre as atitudes que se têm cá dentro e as pessoas que saíram.
Quando um emigrante tem sucesso lá fora existe uma certa inveja. Utilizando o exemplo do futebol, vê-se isso com Mourinho, com Cristiano Ronaldo. Ou seja, há aquele elogio e um orgulho mas acompanhado de um certa inveja do sucesso que têm. Tendo vivido tantos anos em Inglaterra e dois anos no Canadá, os portugueses lá fora têm um orgulho maior dos outros portugueses?
Isso não podia ser mais verdade. Mas indo a um outro nível, acho que a atitude de desprezo que há em relação aos emigrantes é também uma atitude de ciúmes e de inveja. Portanto são pessoas que levaram um pontapé no rabo, que foram lá para fora e refizeram a vida. Que têm uns traumas enormes ligados à pobreza e, claro, quando voltam querem casas tipo ‘maison’, são basicamente exageros para mostrar que se tem dinheiro e que criam um sentimento ridículo de inveja aqui. No fundo, estão a tentar afugentar o fantasma da pobreza e isso é uma coisa muito triste. Podemos fazer humor com isso mas é um humor amargo porque as pessoas vieram do mais baixo que pode haver. As pessoas normalmente não emigram por prazer, é importante dizer isto. É muito raro. As pessoas emigram normalmente a fugir de situações muito complicadas e ter ciúmes de estas pessoas 'fazerem bem' como eles dizem, ‘to do well’, serem bem-sucedidas, é de uma hipocrisia e de uma arrogância extraordinária.
Portugal é muito bom a produzir uma elite cuja função é preservar-se. Não é fazer um serviço ao resto das pessoasNo livro também foca a questão da “arrogância” dos diplomatas portugueses no estrangeiro e de, se calhar, não estarmos muito bem representados lá fora. Porque é que isso acontece? Não deveria ser o oposto?
Devia. Há um incidente que eu refiro no livro, não interessa quem foi o embaixador que conheci uma vez, mas que estava ali com um ar de nojo total em relação aos emigrantes. Ninguém lhe pediu opinião sobre os emigrantes. O papel dele é representá-los. Se não gosta disso faça outro trabalho. E não queria identificar o embaixador, porque poderiam ser quase todos, se calhar. De certeza que não é só aquela pessoas que tem aquela atitude.
Este tipo de atitude revela-se, por exemplo, nos consulados. A maneira como o consulado de Londres funciona revela um desprezo total pelas pessoas que lá estão. Estão-se nas tintas. Primeiro é preciso registar-se na internet e depois aquilo não funciona. Temos de estar ali meia hora a preencher uma coisa na internet e depois não funciona. Depois, é preciso telefonar para marcar uma coisa. Podiam ao menos pôr na internet que só se pode marcar três meses antes e que já está tudo marcado. É em termos práticos destes que se revela uma atitude de desprezo total. Obviamente, se falar com qualquer embaixador e expuser esta situação, ele começa para ali a fazer um discurso que não é nada assim. É assim, eu quero lá saber o que ele pensa. A verdade é que o consulado é uma desgraça e revela desprezo pelas pessoas e pensar que as pessoas são de segunda classe e que podem fazer aquilo impunemente.
Não deveríamos ter o interesse em fazer com que os emigrantes mantenham um sentimento de proximidade com Portugal?
Este país é muito bom a produzir uma elite cuja função é preservar-se. Não é fazer um serviço ao resto das pessoas, não terem um pe oapel produtivo bviamente não será só a diplomacia. Os políticos devem ter um papel muito parecido.
Temos uma crise provocada pela especulação financeira dos bancos e quem é que paga? As pessoas com o salário mínimo
Nos anos de austeridade assistimos a uma nova vaga de emigração, nomeadamente com muitos jovens a saírem do país. Além da questão financeira, não terá sido também uma motivação para emigrarem um próprio trauma relacionado com o desgaste social provocado pelos anos de crise, duros, com alguns políticos a sugerirem que se calhar seria melhor as pessoas saírem do país?
Acho isso escandaloso. Quer dizer nós temos uma crise provocada pela especulação financeira dos bancos e quem é que paga? As pessoas com o salário mínimo e as pessoas que tiveram de emigrar. Uma vez mais, isso diz tudo sobre a atitude das nossas elites.
É engraçado, devido à crise a demografia da emigração dentro da Europa mudou um bocado. De repente começámos a ver enfermeiros, médicos e pessoas especializadas, jovens também, a saírem de Portugal porque a atitude do primeiro-ministro era ‘façam-se à vida’. Obviamente isto não aconteceu fora da Europa porque as pessoas só podiam exercer dentro da comunidade europeia. Em Toronto isto não se viu. Viu-se o resto. As pessoas que não tinham qualificações. E houve uma vaga enorme. Notou-se. Em 2015 houve ali um pico gigantesco de pessoas sem estudos e em situações muito difíceis, casos em que perderam tudo, os bancos levaram tudo.
Da última vez que fui ao hospital em Londres, os enfermeiros eram quase todos portugueses e é engraçado porque no fundo fomos nós que tomámos conta desta gente. Tudo o que foi o processo de formação desta gente foi feito em Portugal com dinheiro português e quem está a beneficiar é Inglaterra.
Estamos a criar uma situação ridícula para o país que é criar pessoas qualificadas e depois não as aproveitarÉ aquela questão de termos a geração mais qualificada e especializada de sempre e que está a ir lá para fora.
E isso vai ter consequências dramáticas no país. Também faço parte disso e não é trauma nenhum. Emigrei porque queria fazer cosmologia e não havia mestrados de cosmologia em Portugal. Fui lá para fora. Mas ninguém emigra por prazer. Adoro este país, adoro esta comida, este clima. Adorava viver aqui, mas não é possível. E da maneira que não foi possível comigo, há toda esta geração perdida que saiu e que tão cedo não voltará, se voltar. Estamos a criar uma situação ridícula para o país que é criar pessoas qualificadas e depois não as aproveitar.
['Olifaque' é o livro mais recente de João Magueijo e foi escrito em emigrês]© Blas Manuel
Porque é que adquiriu um maior sentimento de pertença a Toronto e à comunidade portuguesa de lá do que em Londres e à comunidade portuguesa local, se até vive lá há bastantes mais anos?
Acima de tudo, se socialmente esquecermos a questão mais recente dos enfermeiros e das pessoas qualificadas, quer dizer se formos olhar para as pessoas não qualificadas - e estamos a falar de muitas pessoas que nem tem a instrução primária -, o Canadá é um país muito mais positivo, no qual as pessoas trabalham muito mas recebem muito dinheiro também, e vivem bem. E depois não há estigma social contra isso. Uma pessoa que trabalhe muito e seja muito produtiva, eles querem lá saber se é pedreiro. De certa maneira, sociologicamente, o Canadá é socialismo. Economicamente não, mas sociologicamente é.
As pessoas em Londres vivem muito mal. Estão melhores do que estavam cá mas são muito mal pagas e as coisas são muito mais caras. Gosto muito das pessoas em Londres mas têm vidas difíceis, é uma coisa completamente diferente.
O Canadá é realmente o paraíso da emigração. No livro há a piada de que a Austrália é o paraíso do povo, que é uma estória um bocado comprida. Mas acho que o Canadá de certa forma é um paraíso do povo. Mais de metade das pessoas em Toronto nasceram fora do Canadá. Os emigrantes acabaram de chegar e estão completamente inseridos e dão-se bem. Os canadianos dizem que os americanos pedem às pessoas para perderem as origens, para serem americanos. Ao passo que os canadianos não o fazem. Deixam as pessoas serem o que são, desde que se insiram e que haja tolerância.
No Canadá parece haver mais facilidade de acolhimento. O Justin Trudeaux tem dado esse exemplo. Atualmente na Europa parece haver uma maior intolerância, a extrema-direita está a crescer. Também se sente uma maior imposição da sociedade britânica para que os emigrantes se adaptem mais?
Há imensa xenofobia em Inglaterra e acho que esta estória do Brexit tem vindo a exacerbar isso. O Canadá, de facto, é um país de emigrantes e que encontrou uma identidade nessa multiculturalidade e na tolerância entre as várias pessoas. Tem passado por fases melhores, fases piores. Houve uma altura em que havia famílias de acolhimento. Há uma compaixão daquelas pessoas pelos refugiados mas também um esforço para inserir as pessoas na comunidade. E, no fundo, em criar uma economia à volta disso. Isto cria uma imagem de paraíso da emigração, que Inglaterra não tem. A Europa se calhar também não tem. O sonho europeu está um bocado problemático…
Tem tido uma boa experiência como emigrante?
Não me posso queixar. Cientificamente sou um produto do sistema inglês e nunca teria feito o que fiz se estivesse em Portugal. O ‘Bifes Mal Passados’ é irónico. Aquilo é uma carta de amor e ódio ao país. A comida é horrível, o clima é horrível, as pessoas, coitadas, têm de se desenrascar de maneira que são uns alcoólicos totais. Não há outra maneira de sobreviver. Aquilo é uma forma de inverter as posições, está escrito numa linguagem de livro de viagens vitoriano. Normalmente, é o bife a andar pelo mundo e o resto são raças inferiores. Ali, é o português a fazer o mesmo papel e os bifes são a raça inferior. Mas no fundo isto é um instrumento retórico.
Não me posso queixar da forma como Inglaterra me tratou, mas uma pessoa passa-se com aquilo, é demasiado. Não é agradável viver em Inglaterra mesmo tendo a motivação que eu tenho, que é o facto de o meu trabalho ser feito todo à base de coisas que só podem acontecer ali.
Acho que Portugal tem uma bipolaridade total. Passam do maníaco-depressivo a um estado de euforiaApesar de os emigrantes manterem os seus hábitos, tradições, de criarem estas comunidades, os portugueses têm uma boa capacidade de adaptação? Melhor do que outras comunidades?
As portugueses adaptam-se em todo o lado. Aliás, a linguagem deste livro é mesmo isso, as pessoas desenrascarem-se de uma maneira ou de outra.
É uma marca portuguesa? Muitas vezes é elogiada a capacidade de os portugueses se desenrascarem melhor do que os emigrantes de outros países.
Remédio têm eles. Não acho que sejam os únicos. Em Toronto é uma coisa geral. Tem a ver com a emigração. Não é uma questão de nacionalidades, tem a ver com as pessoas que emigraram. Desenrascaram-se e adaptaram-se, às vezes com dificuldade.
Portugal está a beneficiar de uma vaga de turismo que é prostituição económica, é a maneira mais fácil de vendermos o país Como vê a situação em Portugal atualmente? A ideia que passa é que estamos melhores.
Acho que Portugal tem uma bipolaridade total. Passam do maníaco-depressivo a um estado de euforia. Se as coisas estão a correr mal, está tudo a correr mal e é o fim do mundo. Se começam a correr bem, somos os maiores. Acho que Portugal está a beneficiar de uma vaga de turismo que é uma coisa ilusória e que pode desaparecer de um momento para o outro e que é prostituição económica, porque é a maneira mais fácil de vendermos o país. E resolvermos um problema económico não resolve as coisas que estão lá por trás, no âmago da questão. Portanto, acho que o que está a acontecer agora tem o risco de ser uma coisa muito temporária. Estamos com este extâse e de repente saímos da crise sem perceber que os problemas estruturais não foram realmente resolvidos.
[O autor critica a atitude arrogante de alguns diplomatas portugueses no estrangeiro]© Blas Manuel
A nível social já saímos do terceiro mundo que por vezes refere?
Houve agora esta situação dos incêndios. É este tipo de coisa. O que é que aquelas pessoas vão fazer? Vão emigrar ou vão ficar no meio dos escombros? Vai haver suporte para isto? Vamos ver o que acontece. Há pessoas que são velhas demais para emigrar agora mas a questão é o impacto que isto vai ter. Terceiro mundismo no fundo é isto também. Isto acontece porquê? Porque há imensos eucaliptos. Também há eucaliptos na Austrália, vieram de lá. Portanto é natural haver fogos mas é raríssimo haver pessoas a morrer com este tipo de concentração e as pessoas são tratadas como deve ser a seguir. São reembolsadas pelo Estado. Ao passo que numa situação destas estou mesmo a ver o que vai acontecer. ‘Façam-se à vida. Emigrem’.
As pessoas não estão muito preocupadas mas se calhar deviam estarQue impacto é que o Brexit pode ter na comunidade portuguesa?
As pessoas não estão muito preocupadas mas se calhar deviam estar. São 300 mil portugueses mais ou menos que estão a viver em Inglaterra. É um bocado esquisito porque há 50 mil ingleses a viver no Algarve. Estão reformados, na sua maioria. A pergunta que eu faço é: vamos fazer uma daquelas trocas de populações que se faziam entre a Turquia e a Grécia? As pessoas têm razões para estar preocupadas porque o governo não tem dado garantias nenhumas. Estão a usar as pessoas como moeda de troca.
As pessoas que conheço que mais estão mais preocupadas com o Brexit são ingleses porque metade não votou naquilo. Estão em pânico. Como o Imperial College e outras universidades. Se três milhões de pessoas de repente saírem do país como é que vai ser? A economia vai entrar em colapso total. Um dos mitos que eles gostaram de propagar durante a campanha, que ‘eles vêm aqui roubar-nos os empregos’. Não é nada disso. Os ingleses não querem fazer aqueles trabalhos ou então não são qualificados para os fazer. É uma situação um bocado estranha para Inglaterra.
Essa é a minha questão seguinte: que impacto vai ter para Inglaterra?
É um problema de demografia também. A maior parte das pessoas que votou já é mais velha e quem vai apanhar com as consequências não são aquelas que votaram pelo Brexit, são as pessoas mais novas e que vão ter um problema gravíssimo. Não vão ter esta liberdade que todos temos de andar pela Europa. Isto vai criar problemas a uma nova geração que vê angs coisas de uma maneira muito mais global e onde o movimento das pessoas é mais importante do que era antes. É um bocado triste que as pessoas que votaram no Brexito tenham feito por xenofobia, mas vêm de comunidades onde não há estrangeiros. É uma imagem mítica criada pelo UKIP e coisas dessas. E no fundo há um UKIP em cada inglês. Há ali qualquer coisa culturalmente mesmo nas pessoas que se acham de esquerda. Há algo francamente defensivo, francamente colonial. Até a maneira como eles dizem emigrantes – expats. Eles são expats. Quer dizer um ‘bife’ cá fora é um expat, uma pessoa de classe inferior que está lá dentro é um emigrante.
Sou otimista mas não sou ingénuo e não tenho sentimentos épicos de voltar para cá e de mudar coisasHá ainda esperança num volte-face, numa solução diferente?
Era bom. No princípio pensei que ia ser uma coisa tipo Noruega, uma solução cosmética. Mas a verdade é que eles tentaram levar aquilo a sério. Vão tornar Inglaterra numa ‘offshore’, que é a única solução. Se eles fazem um hard-Brexit não estou a ver como é que aquilo vai sobreviver sem ser realmente numa situação em que Inglaterra seja uma ‘offshore’ e funcionar financeiramente nesse sentido. Vamos ver. Há muita gente que tem a esperança que como isto está a ser tão complicado, não vai acontecer. Mas não sei. No fundo o problema disto é que os assuntos não estão a ser tratados pragmática e ideologicamente. Estão a ser tratados por políticos que estão a promover carreiras à custa disto e isso é sempre um problema nestas situações. E vê-se claramente como estão a realinhar as opiniões e as posições para promover carreiras. Devia ser proibido os políticos fazerem carreira de políticos. Deviam ser pessoas que não querem ser políticos a serem políticos e assim resolviam-se os problemas do mundo, mas infelizmente não é assim.
Admite regressar a Portugal, vir trabalhar para cá no futuro?
Acho muito pouco provável. Sou otimista mas não sou ingénuo e não tenho sentimentos épicos de voltar para cá e de mudar coisas. As pessoas que conheço e que tentaram mudar as coisas voltando para cá acabaram por ser absorvidas pelo sistema. Não é muito fácil mudar, nomeadamente, a ciência em Portugal. E o que tem resultado são projetos de raiz. Não é tanto tentar mudar o que existe mas fazer coisas novas. Acho que a fórmula exata é essa. Coisas novas e abertas ao mundo, competitivamente. A pouca investigação em Portugal que tem funcionado tem seguido estes dois preceitos. Não é o melhor da rua ser o diretor, é abrir aquilo ao melhor do mundo.
No discurso de encerramento da Web Summit Marcelo Rebelo de Sousa abordou a questão da revolução científica. Como o João, há vários cientistas portugueses muito bem sucedidos lá fora. Não deveríamos criar lugares para estas pessoas cá?
Mas lugares para quê? Para as pessoas virem para cá e deixarem de fazer ciência? O problema é esse. As pessoas não querem cá o lugar, querem o ambiente. Querem um grupo como têm lá fora. Nas áreas experimentais será diferente, mas nas áreas teóricas os colegas são importantíssimos. É a caixa de ressonância de ideias que leva a novas ideias. Por exemplo, recentemente dei um seminário sobre algo que não tenho a certeza, é trabalho que ainda estou a fazer. E tenho colegas muito espertos. Os gajos chegaram ali e começaram a escaqueirar aquilo tudo mas por curiosidade, não é por maldade. E aquilo é altamente útil. Ter ali uma pessoa a desmontar aquilo e faz-nos ver as coisas de ângulos diferentes e torna o argumento muito mais robusto assim. O que eu quero aqui não é uma posição, é esse ambiente. Mas esse ambiente é uma coisa que se constrói, não com uma posição nem com duas, mas com uma tradição, com um grupo de pessoas. Com décadas e décadas desse ambiente. E não é aquilo que se encontra nas universidades cá. As pessoas têm uma carga horária tão grande que depois não fazem investigação.
Gostava de voltar mas não é mesmo possível. Estranhamente consigo trabalhar em Roma porque de uma maneira ou de outra criou esse ambiente. Portanto, como tenho problemas de saudades da cultura mediterrânea é para onde vou.
Já tem alguma ideia para um futuro livro?
Não, quando se acaba um livro ficamos extenuados e não queremos fazer mais nada. Basicamente, faço estas coisas por uma questão de equilíbrio mental. Se eu só fizesse ciência dava em doido. Gostava de escrever sobre Itália a certa altura, escrever sobre a minha experiência italiana. Itália é um país que conheço por dentro muito bem. Se vai ser o tema do meu próximo livro, não sei, talvez. É um país muito interessante e para mim tem sido uma forma de sublimar as saudades de Portugal e de ser capaz de trabalhar ao mesmo tempo.
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