"O CDS deve deixar de ser território de seitas, grupinhos e grupetas"
Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS, é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
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Política Ribeiro e Castro
Aos 63 anos, Ribeiro e Castro está de bem com a vida, mantendo-se ligado à política regional, a iniciativas de caráter cívico, ainda que sem deixar de refletir sobre a política nacional e a forma como esta deveria ser alterada para representar mais os cidadãos.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o antigo líder centrista recordou o passado e falou sobre o presente: do CDS, ao PSD, passando pela 'Geringonça', pelas autárquicas e até pela necessidade de alterar o modo de trabalhar do Parlamento.
Quanto a um eventual regresso à política nacional, Ribeiro e Castro assume que para isso é preciso ter condições de apoio político, algo que não teve e não tem.
No seio do partido, a chegada de Assunção Cristas à presidência centrista não foi uma surpresa. Na conversa não ficou esquecida a era pós-Portas e a forma como o partido tem mudado nos últimos anos.
Depois de ter liderado o CDS-PP e de ter deixado o Parlamento, quem é Ribeiro e Castro que ficou “livre como um passarinho”?
Deixei de ser deputado porque não acreditava na linha em que as coisas estavam a ser conduzidas e, infelizmente, as coisas correram como eu receava que acontecessem. Perdemos as eleições legislativas, formou-se a 'Geringonça' e perdemos as eleições autárquicas. A verdade é que, infelizmente, nas autárquicas, no conjunto do espaço do centro-direita o resultado foi pior do que em 2013, que tinha sido talvez um dos piores resultados em eleições autárquicas, mais no PSD do que no CDS. O CDS teve resultados em termos comparados positivos e teve um êxito extraordinário da líder do partido em Lisboa mas, no conjunto do país, o quadro político é negativo.
Iremos abordar esses temas, mas perguntava-lhe se há um Ribeiro e Castro antes e um outro depois da mudança?
Quanto a mim, sou sempre a mesma pessoa. Não fui sempre político, fiz atividade política logo a seguir ao 25 de Abril, respondendo ao sentimento de emergência cívica que aconteceu, depois afastei-me em 1983, com um curto intervalo que foi o apoio à candidatura presidencial de Freitas do Amaral, de que fui diretor e depois só voltei em 1998. Era autarca em Odemira, continuei até ao fim do mandato e fui agora candidato em Sintra, onde tivemos muito bons resultados. Não os que gostaríamos, que era vencer a câmara ao Partido Socialista, sabíamos que era muito difícil, mas estou orgulhoso do resultado obtido na lista do CDS para a Assembleia Municipal que era aquela que eu liderava.
Apesar de se manter na política local, não sente falta da vida política em termos nacionais, dos confrontos do dia a dia?
Para isso é preciso ter condições de apoio político e isso não tive e não tenho. Há bastante tempo que me tenho empenhado sobretudo em iniciativas de caráter cívico, portanto esse tipo de gosto, de desejo e de desafio, realizo, como já realizava na parte final da minha presença parlamentar, em combates cívicos e em artigos e opiniões, é uma forma de arejar o meu pensamento e dá-lo a conhecer. Escrevo sobre temas que me preocupam quando sinto necessidade ou o apelo para o fazer e tenho estado em alguns movimentos, como o 1.º de Dezembro, que desempenhou um papel muito importante para salvar o feriado dos feriados, o mais importante dos feriados nacionais e para inovar o tipo de comemorações do 1.º de Dezembro.
Tenho-me empenhado muito na reforma política que acho que é uma reforma estratégica. Eu e um grupo de 40/50 figuras portuguesas que assinou um manifesto por uma democracia de qualidade que foi apresentado em 2014, batemo-nos por essa reforma estratégica.
O Parlamento representa mais os chefes do que o povo. As pessoas votam com os pés, afastam-se e a abstenção tem crescidoO que entende estar errado para não se alcançar essa democracia de qualidade de que fala?
A forma como se degradou a escolha dos deputados. O Parlamento perdeu a capacidade de representação, representa mais os chefes do que o povo e é por isso que as pessoas se afastam das eleições. Como eu digo, as pessoas votam com os pés, afastam-se e a abstenção tem crescido.
Estamos a comemorar 20 anos de um momento decisivo porque foi feita uma revisão constitucional em 1997 que permitiu uma grande abertura do nosso sistema eleitoral para ir ao encontro dos eleitores mas depois essa porta foi fechada outra vez, esse processo legislativo foi gorado no dia 23 de abril de 1998, numa sessão parlamentar que fui reler há dias e, de facto, é a sessão mais funesta da democracia portuguesa, porque a Assembleia da República e os deputados têm a bola nos pés para marcarem golo e fazerem a reforma de que o país precisa e deitaram a bola para trás, trancaram, chumbaram na generalidade, o debate não seguiu sequer para a especialidade onde as divergências podiam ter sido acertadas.
Hoje o sistema político é facilmente capturado, muita da corrupção que existiu e se instalou tem a ver com isso. Nós não seríamos tão corruptos se o nosso sistema eleitoral fosse diferente e houvesse capacidade de controlo pelos deputados e através dos deputados pelos eleitores sobre a forma como o sistema funciona. Há muitas coisas que aconteceram em Portugal que não teriam acontecido se o nosso sistema eleitoral fosse diferente, porque está a capturar a partir de cima. O nosso sistema político é muito uma democracia ketchup, como as garrafas 'top-down', em vez de ser 'bottom-up', uma democracia é de baixo para cima.
O nosso sistema proporcional é bom, não queremos passar para um sistema maioritário, só que pode ser melhorado através de um sistema misto. É um sistema inspirado no sistema alemão, adaptado às circunstâncias e às realidades portuguesas e é um sistema muito livre, como vimos nas últimas eleições da Alemanha, que é o sistema mais aberto e mais livre que conheço. E é um sistema que garantiu progresso à Alemanha, estabilidade política, capacidade de concertação política ao longo dos anos.
O nosso sistema político é muito uma democracia ketchup, como as garrafas 'top-down' em vez de ser 'bottom-up'. Democracia é de baixo para cimaE funcionaria em Portugal?
Sim, não tenho dúvida nenhuma sobre isso. Nós não somos mais burros que os outros, o que é burro é manter um sistema que manifestamente funciona mal e no qual as pessoas se afastam e votam cada vez menos. Portanto, é preciso introduzir reformas que, não distorcendo a representação política, e até a tornando mais justa, não podem ser feitas contra os pequenos partidos, isso seria um desastre, seria batota, mas mantendo a justiça da representação, dê mais poderes aos eleitores e menos aos diretórios. Os partidos têm a sua função, nós não somos contra os partidos, estes são essenciais, mas têm de ser representativos. E a política, como digo muitas vezes, é representativa porque é de representação política, não teatral, isto não pode ser apenas um teatrinho.
Voltando à questão do CDS, o partido está, neste momento, a viver uma era pós-Paulo Portas. O que ficou de bom e de mau dos anos em que Portas esteve à frente do CDS?
O partido esteve muitos anos no poder mas acho que fez pouco. Comparando os anos em que esteve no poder recentemente e no passado, no tempo da Aliança Democrática (AD), o legado do CDS é agora mais fraco do que foi nessa altura.
À parte da lei das rendas e pouco mais, que apesar de aspetos críticos foi uma grande reforma feita no arrendamento, não me recordo de grandes transformações positivas que tenham ficado e há uma enorme frustração quanto à reforma do Estado. Acho que o fracasso quanto à reforma do Estado é um legado muito negativo desse tempo, porque o CDS, historicamente, é um partido muito crítico e alternativo, votou contra a Constituição. Muitas das coisas que se passaram negativamente para o país, são coisas que o CDS preveniu várias vezes que iriam acontecer e, portanto, é uma enorme frustração que, quando teve a oportunidade de mostrar e construir um modelo diferente tenha fracassado. Creio que isso é uma grande frustração que sinto como membro do CDS. Para o país seria um grande legado se o CDS tivesse sido o obreiro dessa reforma tão importante para Portugal.
Também creio que o partido se tornou muito fechado, não somos diferentes dos outros. Acho que os partidos do poder - PS, PSD e em menor grau o CDS - desenvolveram uma cultura interna muito decadente e muito negativa, que tem a ver com os defeitos do sistema eleitoral que há pouco referi. A meu ver, só será possível regenerar os partidos se mudarmos por completo a cultura política interna de escolha dos candidatos e isso depende da escolha dos candidatos. Enquanto for assim, os partidos têm muitos carregadores de andor, essa é uma cultura interna dominante e creio que isso é um limite à capacidade de crescimento do partido e que se reflete nas dificuldades que o CDS tem, por exemplo, em disputar eleições locais.
Creio que é muito importante abrir o partido, que o partido deixe de ser território de tribos, de seitas, de grupos, grupinhos e grupetas e que tenha uma forma de respiração e de relação com a política mais aberta.
Em Lisboa, por exemplo, há um enorme desafio à estrutura do partido. Assunção Cristas teve um resultado extraordinário, um concelho em que tivemos um resultado melhor do que em 1976, que já tinha sido um resultado muito bom, e Assunção Cristas deixou esse legado para o futuro, seja ela ou outra pessoa, se daqui a quatro anos voltar a haver uma coligação em Lisboa, será indiscutivelmente liderada pelo CDS.
E por falar em Assunção Cristas, como é que viu a sua chegada à liderança do CDS?
Não foi uma surpresa, era uma coisa mais ou menos anunciada que ela seria uma provável sucessora de Paulo Portas, com o seu apoio.
Se havia pessoas que antecipavam a seguir às autárquicas vir acertar contas, tiveram de adiar o calendário e meter esses acertos na sacolaMas teve uma ascensão muito rápida dentro do próprio CDS, é a pessoa certa para estar à frente do partido?
É quem o partido escolheu, apoiou, teve um ano muito desafiante, enfrentou umas eleições que no CDS são difíceis. Não teria feito exatamente como ela fez, mas não interessa. Agarrou o desafio de Lisboa e teve um resultado que eu creio que a blinda significativamente na direção. Se havia pessoas que antecipavam a seguir às autárquicas vir acertar contas, tiveram de adiar o calendário e meter esses acertos na sacola.
Assunção Cristas fez um grande trabalho de formiguinha ao longo de vários meses, até queixando-se de que a comunicação social cobria pouco, mas o facto é que foi acumulando capital. Quando chegou à campanha era preciso mostrar jogo e Assunção Cristas e o CDS tinham jogo para mostrar e os outros não tinham e isso notou-se muito.
Cristas conseguiu um resultado muito positivo e histórico em Lisboa. Os louros são do CDS ou podem ser atribuídos também à escolha do PSD?
Não foi só isso. Foi todo um processo completamente desastrado do ponto de vista político, primeiro uma grande hesitação pública do PSD quanto à estratégia a seguir, se há apoio a Assunção Cristas ou se há candidato próprio. Depois, a dificuldade da escolha de candidato e também um processo público. E, depois, uma guerra civil geral na cidade de Lisboa, que se manifestou incluindo no último dia de campanha eleitoral quando uma candidata a vereadora ataca violentamente a cabeça de lista eleita pelo partido. É uma coisa pior do que as lutas históricas do PS em Matosinhos, nunca vi uma coisa assim.
O espaço PAF (PSD/CDS) fez um grande erro que, aliás, continua ainda a fazer, a seguir às eleições legislativas, que é a ideia a que chamo burla autoinduzida de que ganhámos as eleições
Olhando em termos nacionais, o PSD fez uma aposta fraca para as últimas autárquicas?
O espaço PAF (PSD/CDS) fez um grande erro que, aliás, continua ainda a fazer, a seguir às eleições legislativas, que é a ideia a que chamo uma burla autoinduzida de que ganhámos as eleições. Esta ideia é falsa, é errada. Foi apropriada também por comentadores e jornalistas que a reproduzem e que, de alguma forma, ajudam a que este logro que é um veneno no espaço eleitoral do PSD e do CDS tenha continuado.
Em nenhum país do mundo ter 38% é uma vitória eleitoral. Como tal, é preciso ter uma maioria parlamentar. Se nós tivéssemos vencido as eleições estávamos a governar, se não estamos a governar é porque não ganhámos as eleições, como dois e dois são quatro. O facto de não estarmos a governar é a contra-prova de que não ganhámos as eleições.
António Costa também não ganhou as eleições, é um facto. Às vezes acontece assim, às vezes não é possível tirar de uma eleição quem é o vencedor das eleições, depende das condições políticas. Quem é força minoritária no Parlamento só ganha as eleições quando consegue gerar condições ou tolerância que consiga transformar essa minoria numa maioria. Normalmente são partidos colocados numa posição central do sistema político.
O PSD e CDS sabem, pelo menos desde 1979, quando fizemos a AD, que o espaço à direita do PS só governa quando tem maioria absoluta no Parlamento. Por isso é que fizemos a AD e listas conjuntas na AD. Onde é que nos esquecemos disto?
Creio que esta questão envenenou o ambiente político em Portugal. Há pessoas no espaço da PAF que continuam a repetir este erro, há pessoas dentro da PAF, como é o meu caso, que estão conscientes de que isso é um erro. E todo o resto do país percebe que isso é um disparate. Se nós quisermos essas vitórias vamos perder até ao fim dos nossos dias porque isso não é uma vitória em nenhuma parte do mundo.
Creio que os nossos porta-vozes se agarraram demasiado a esta ideia e isso passa e transmite a imagem de maus perdedores e muitas vezes isso prejudicou a intervenção política dos nossos líderes. Mesmo quando dizemos coisas com razão as pessoas dizem 'lá estão eles, ressabiados'.
Isso distraiu-nos da necessidade de irmos buscar uma maioria a seguir. Eu, se fosse líder do PSD ou do CDS, a coisas que procuraria eram ter uma vitória indiscutível nas eleições autárquicas, que o PSD e o CDS conquistassem mais câmaras que o PS, e que o PS perdesse dez ou vinte câmaras, em vez de ganhar dez como aconteceu.
Se tivéssemos cumprido as receitas da Grécia, como muitos do PS queriam, como o Bloco exigia e como o PCP impunha, o país estava desgraçadoE isso era possível na atual conjuntura política?
Era perfeitamente possível, mas não se podia fazer o outro discurso porque afasta muito eleitorado. Acho que o PSD e o CDS têm um legado extraordinário e capital de crítica ao PS brutal. Acho que todo o trabalho de reequilíbrio financeiro é um legado brutal que o PSD e o CDS deixam. Portugal foi resgatado pela troika pelo PS e depois por nós e a troika foi-se embora porque nós cumprimos, não houve cá segundos resgates. Se tivéssemos cumprido as receitas da Grécia, como muitos do PS queriam, como o Bloco de Esquerda exigia e como o PCP impunha, o país estava desgraçado. Portanto, o país deve à coragem do PSD e do CDS o equilíbrio em que entrou.
Mas o PSD e o CDS deviam ter continuado juntos nessa jornada pós-eleitoral?
Não, deviam era ter feito a estratégia do mapa cor-de-rosa, brincando com o mapa cor-de-rosa da história de Portugal, que eram os 150 municípios que o PS tinha vencido em 2013, definir 40/50 prioridades onde se iam acertar tiros, com a meta de tirar 20/30 câmaras. Se assim fosse, o PS perdia as eleições, a 'Geringonça' perdia as eleições e hoje o quadro político do país seria bastante diferente.
Não é que as eleições autárquicas ditem a maioria política em Portugal, mas seria completamente diferente o ambiente político em Portugal se isso tivesse acontecido. Não sei se aconteceria ou não, mas o que devíamos ter feito era lutado por isso e acho que renunciámos a fazê-lo.
O CDS pode e deve aspirar a ser o maior e melhor partido português. Temos é de ter unhas para tocar essa violaFala muitas vezes em ‘nós’, referindo-se à PAF, isso vai contra a ideia que Assunção Cristas passa de que o CDS pode ser uma alternativa ao próprio PSD?
Não, falo à PAF porque é a circunstância. Mas acho muito bem que o CDS siga o seu próprio projeto, o enuncie e que tenha uma ambição de liderança. O CDS pode e deve aspirar a ser o maior e melhor partido português.
Não é uma ambição exagerada?
Não, temos é de ter unhas para essa viola.
E que unhas são precisas para tocar essa viola?
Talento, generosidade, muita generosidade cívica, abertura, genuinidade, abrir o partido, arejar o partido, abrir portas e janelas, sermos autênticos na representação, não sermos, como disse há pouco, um partido de grupos, grupinhos e grupetas. Portanto, sermos um modelo no conjunto dos partidos políticos, que as pessoas percebam. Não temos de reproduzir os defeitos dos outros, temos de ser um contraste face aos defeitos dos outros e mostrarmos de facto que temos mais qualidade. Não quer dizer que é para andarmos todos de bibe e bem comportados, não. O debate democrático tem as suas regras, mas os debates internos nos partidos e as lutas têm de ser para escolher e não para excluir. É preciso que as pessoas nos procurem, as pessoas novas, e que gostem do que encontrem.
Hoje, muitos jovens têm uma certa alergia à política e dizem mal dos seus colegas que foram para a política. Quando eu era jovem não era assim, era um tempo de grande fascínio pela política, paixão, fazia-se política por todo o lado. Hoje não. Também é verdade que o espírito de causas baixou um bocadinho nos jovens, estão mais preocupados com as suas vidas, em muitos casos, mas quem tem essa generosidade muitas vezes realiza noutro tipo de movimentos ambientais, culturais, cívicos e foge um bocadinho à política.
As juventudes partidárias têm aí um papel fundamental?
Sim, mas também precisam de uma reforma. Escrevi um livro chamado 'As jotas e os pontos nos is', que tem algumas das minhas reflexões sobre as reformas que as 'jotas poderiam fazer para não serem uma escola dos aspetos mais negativos, mas pelo contrário serem uma escola de virtudes cívicas.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.
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