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"A generosidade franca não existe. Essa hipocrisia diária aborrece-me"

Paulo Gonzo é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.

"A generosidade franca não existe. Essa hipocrisia diária aborrece-me"
Notícias ao Minuto

22/11/17 por Melissa Lopes

Cultura Paulo Gonzo

Nascido a 1 de novembro de 1956, mas não com o nome com que Portugal inteiro o conhece (essa é uma história que descobrirá mais adiante), Paulo Gonzo tem na sua bagagem mais de 40 anos de carreira que se iniciou com uma banda de ‘Blues’ em pleno período pós-revolução. Cantar ‘Blues’, naquele tempo e num país que acabara de sair das ‘masmorras’ de um regime ditatorial , “era uma coisa radical”.

O tempo, tal qual comandante da vida, fez rolar o “ciclo natural” das coisas. Da 'Go Graal Blues Band' saltou para uma carreira a solo. Deu voz (e alma) à ficção nacional, de tal forma que, ainda hoje, temas como ‘Jardins Proibidos’, ‘Dei-te Quase Tudo’ e ‘Sei-te de Cor’ são ainda, obrigatoriamente, tocados e cantados em cada espectáculo seu. 

Agora, e depois de ‘Duetos’(2013), Paulo Gonzo retorna em força com ‘Diz-me’, um disco que conta com participações de artistas como Jorge Palma, Raquel Tavares, Mario Biondi, Boss AC, The Black Mamba, Diego El Cigala e o músico Jack Daley, um disco editado em março deste ano, depois de um período particularmente trágico na sua vida. 

Serve de pretexto para esta conversa com o músico a canção ‘Quem sou’, o terceiro single a ser retirado de ‘Diz-me’ e o respetivo videoclipe, que conta com a participação de algumas pessoas portadoras de deficiência. A ideia do tema é “celebrar a liberdade de expressão, o respeito mútuo, a quebra de preconceitos e a inclusão. É sobre a aceitação das diferenças entre todos”. E é aqui que entra, não a crítica à sociedade, mas a chamada de atenção: somos um povo indiferente às pessoas. Aceitamo-las, por vezes, porque, aos olhos da sociedade fica bem fazê-lo. Por isso, lamenta: “A generosidade franca relativamente à disponibilidade para os outros, não existe”. 

Quanto ao país político, Paulo Gonzo "não se mete". Tece, contudo, rasgados elogios a Marcelo Rebelo de Sousa, de quem foi colega durante oito anos, no semanário Expresso. “É uma pessoa extraordinária” e “um exemplo”. “Aliás, devia ter uma banda”, sugere.

São já mais de 40 anos de carreira. Que balanço faz?

Bom. Muito bom! Com altos e baixos, é aquilo que se faz das vidas. Estou sempre à espera do que vai acontecer a seguir.

Acompanhou a transformação de Portugal no pós 25 de Abril. Como é que era ser artista naquele tempo em que cantava Blues, num país ‘pouco aberto’ a coisas novas?

Os tempos marcam sempre as situações e as coisas que vão acontecendo. A evolução é isso mesmo. Há pouco tempo não havia computadores, não havia CDs – o digital só veio depois - e as coisas faziam-se à mesma, com uma vantagem.

Qual?

Nessa altura tínhamos planos B, que hoje talvez muitos não tenham. Se houver um apagão, eu sei escrever uma carta, sei onde é que ela se mete, o que é um remetente e o que é um destinatário. E hoje em dia é complicado. Isto era uma graça, entretanto, para lhe explicar que não é tanto uma coisa do Paleolítico inferior.

Na altura não havia tudo, não havia telemóveis, havia os telefones fixos, as pessoas encontravam-se, e a vida era um pouco mais calma. Mas a apetência relativamente à música sempre foi grande. Bem sei que era uma altura complicada porque era um tempo de revolução e fazer ‘Blues’ era uma coisa muito radical. Havia muita música de intervenção. O Zeca Afonso gostava imenso de ‘Blues’ e gostava imenso de nós [a Go Graal Blues Band]. Na altura, eram os Trovante, nós, Arte e Ofício, Dantra, Heróis do Mar, os Xutos (apareceram ligeiramente mais tarde). Os preços eram outros, as condições eram outras. Era estranho porque não se ouvia 'Blues' em Portugal, ouvia-se muito pouco.

Mas havia quem gostasse …

Claro. E fiz o primeiro [espetáculo no] Coliseu em 1979 esgotado, só a tocar 'Blues'. 

Como é que passa de uma banda para uma carreira a solo?

Esse processo foi complicado, mas, como em tudo, isso foi um ciclo natural. As coisas acabam, porque o tempo encarrega-se depois de recompor. Com uma banda a responsabilidade é dividida por todos. Quando assumi uma carreira a solo, tive de arcar com todas as coisas às costas.

As coisas boas e as coisas más.

As coisas boas e as coisas más. Assinei pela CBS [que é hoje a Sony Music], em 1985, 86. Fiquei até hoje. Houve uma escolha de repertório, de músicos. Passaram por mim centenas de músicos. Toda a minha escola é de blues e isso nota-se nos instrumentos que escolho para as canções e nos arranjos que faço e que não deixou de ser moda. Blues é uma escola. 'Blues' é uma base para a música, para 'Pop', 'Rock, Soul',...

Notícias ao Minuto'Diz-me' é o novo disco de Paulo Gonzo, lançado em março© Blas Manuel

Em que altura da sua vida decidiu que queria e que ia ser músico?

Isso não me lembro [risos].

Não sou cantor na conceção da palavra. A carteira profissional é de instrumentista de harmónica. Isto de cantar é uma invenção minha

Nasceu consigo?

Foi um acidente de percurso. Não sou cantor na conceção da palavra. A carteira profissional é de instrumentista de harmónica. Isto de cantar é uma invenção minha. E eu ainda não sei cantar. Ainda estou a aprender e hei-de sempre aprender.

Aconteceu por acaso?

Aconteceu. Estava, na altura, na escola de artes António Arroio e conheci aí os que viriam a ser os músicos da Go Graal. Uns tinham vindo das ex-colónias e eram já bons guitarristas, tinham excelente material que cá não existia ainda. Juntámo-nos e criámos a banda em 1976. Marcámos ali posição em termos de som, aquilo era uma coisa muito alternativa. Hoje, a Go Graal é considerada uma banda de culto.

O João Allain, que era muito brincalhão, pôs-me o nome de Paulo Gonzo por causa daquele peru e das galinhas. Adorávamos os 'Marretas'

O país inteiro conhece-o como Paulo Gonzo. Poucos saberão que se chama Alberto Ferreira Paulo. Como e porquê Paulo Gonzo?

Foi na altura em que fizemos o primeiro Coliseu, em 79. Inscrevemo-nos na Sociedade Portuguesa de Autores. Foi anunciada a composição da banda e o João Allain, que era muito brincalhão, pôs-me o nome de Paulo Gonzo por causa daquele peru e das galinhas, sabe? Nós adorávamos o 'Muppet Show' [os 'Marretas']. Quando somos miúdos e nos põem uma alcunha e nós embirramos, é mesmo essa que fica e temos de aceitar. E eu tive de aceitar.

Disse uma vez numa entrevista que um disco tem um prazo de validade que é normalmente de um ano. Mas há músicas suas que têm vidas.

Prazo de validade, não quis dizer isso assim. De um disco para o outro o 'decay' é de um ano, ano e meio. Entre dois discos são para aí três anos. É preciso compor, mostrar e vender e depois pensar no outro.

Como é que se sente com o facto de ainda lhe pedirem para cantar ‘Jardins Proibidos’?

Não é pedir. Sou obrigado a cantar. Essa e o ‘Sei-te de cor’ e o ‘Dei-te quase tudo’. Porque se não, não acabo os espetáculos.

Mas é uma coisa que faz com prazer?

Com prazer, claro. Essas músicas estão sempre a ser reinventadas, isso é que é extraordinário. Nunca cantei nem gravei uma música obrigado. São músicas que fazem parte das pessoas. Não sou só eu. Os Stones também, o Bob Dylan também, toda a gente.

E ainda bem.

Claro. Porque nós vivemos de pessoas e isso é gratificante. Era mau se isso não acontecesse. Os ‘Jardins’ é uma música sem tempo.

Atualmente, a sua música ‘Sem Ti’ dá voz a uma novela da TVI, 'A Herdeira'. E antes, tantas outras. Que papel tem a televisão na projeção da música e dos artistas?

No meu caso, devo dizer que foi um pouco ao contrário.

A música é que popularizou a novela?

Exato. E que fez espoletar a ficção em Portugal, porque, até à altura, isso não existia. Os ‘Jardins’ e o ‘Dei-te quase tudo’ já eram conhecidos por nove milhões de pessoas, já tinha vendido sete platinas, quando fui contactado pelo José Eduardo Moniz. A ficção em Portugal era muito pobre. A ficção nacional tem expressão com essa música, depois, mais tarde, era o título genérico da novela. Fiz também todos os temas para todas as personagens. A seguir veio outra novela com o genérico ‘Dei-te quase tudo’. Nunca me encomendaram um tema para uma novela, exceto para ‘Amor Maior’, onde há uma parceria com a Raquel Tavares, que eu não conhecia.

Foi muito complicado lidar com o sucesso de 'Jardins Proibidos'. Quase não tinha vidaComo é que lidou com o sucesso de ‘Jardins Proibidos’?

Foi muito complicado. Quase não tinha vida, era um bocado autómato. Fiz 260 e tal espectáculos num ano e meio, pelo mundo inteiro. Tínhamos de ter umas notas, uns papéis, no backstage a dizer em que cidade e país estávamos. Houve um mês em que fiz 26 espectáculos. Sempre com vinte e tal pessoas atrás. Ao fim desse tempo tive de fazer uma pausa, umas férias que já não tinha há oito anos e recuperei porque já estava a ter um esgotamento.

Tem saudades dessa vida?

Eu faço essa vida. Agora mais calmamente.

Irrita-o quando se referem a si como cantor de baladas românticas?

Não. Por que razão isso havia de me irritar?

 Todos cantam baladas. Só as mentes pequeninas é que não sabem o que é que isso quer dizer

No sentido em que é mais associado a uma parte mais comercial?

Então vou-lhe perguntar: Acha o Jagger um músico comercial? Canta baladas. Acha Bob Dylan comercial? Canta baladas. Acha o Kravitz um músico comercial? Canta baladas. Acha o Clapton comercial? Canta baladas. Todos cantam baladas. Só as mentes pequeninas é que não sabem o que é que isso quer dizer. E comercial é depreciativo? Não. Porque se não venderem eles não fazem música. É tudo ao contrário. A não ser que eu faça uma música de manga de alpaca, que faça aquilo só para mim, uma sequência de acordes, aquilo a que chamam alternativo e depois a Sony diz: ‘Oh Paulo, pode arranjar outra função? Nós não precisamos de si aqui’. A música é para que chegue a todas as pessoas. Esse princípio está esgotado. Há uns tempos, os jornalistas falavam muito nisso em tom depreciativo. Vieram a reconhecer que é idiota. Hoje não o dizem porque têm vergonha. 

Há pessoas que se reveem em mim, umas casaram por causa de mim, e tiveram filhos, outras separaram-seDe que forma as suas músicas tocam as pessoas?

As músicas só têm relevância quando não passam despercebidas às pessoas. Fazer música implica uma responsabilidade social enorme. Porque está imediatamente associado e ligado de forma umbilical às pessoas em geral. Há pessoas que se reveem em mim, umas casaram por causa de mim, e tiveram filhos, outras separaram-se.

É uma grande responsabilidade.

É. Dou alegria às pessoas quando estão em momentos menos bons, ou em momentos muito bons. Quando me dizem que a música faz parte das suas vidas só me sinto orgulhoso. Eu e todos os músicos, porque a música têm uma função social muito importante. É uma situação muito emocional que mexe com a vida das pessoas. A arte, regra geral, é tudo aquilo que unifica as pessoas por uma causa boa, que não faz mal a ninguém e que eleva a autoestima e que a faz melhorar os pensamentos. Só me sinto orgulhoso.

Houve uma altura em que não conseguia raciocinar. Houve ali um buraco negro mentalO facto de ter vivido momentos trágicos, a morte do seu pai e depois da sua namorada, influenciou o processo de criação das músicas?

Nem conseguia. Houve uma altura em que não conseguia raciocinar. Nunca tinha passado por essa situação e foram coisas muito seguidas. Houve ali um buraco negro mental. Sou muito espontâneo a compor, posso não pensar em nada, mas sei que vai surgir porque me sinto bem, está tudo bem. Tenho essa espontaneidade há muitos anos. Pego na guitarra e componho em meia hora três músicas, por exemplo, e depois desenvolvo. Naquela altura, não. Houve um vazio. O que, agora ao longe e a frio, acho normal. Mas eu não estava habituado a isso.

Notícias ao MinutoPaulo Gonzo passou por uma fase difícil após a morte do pai, em 2013, e da namorada, em 2015© Blas Manuel

Como é que lidou com esse vazio?

Lidei mal. Esperei. O tempo encarregou-se disso. E a música ajudou imenso mas ainda demorou algum tempo. Era suposto o disco sair muito mais cedo e não consegui, não tinha nada para mostrar.

Depois foi de repente que saiu desse buraco negro?

Um dia, pus uma guitarra ao pé de mim e aquilo saiu. Foi um sinal, destapou um bocadinho da tampa. Gravei até com o telefone e fui dormir depressa para acordar depressa, para perceber se aquilo era bom ou não, e era. Depois desenvolvi. Encontrei-me, sem querer, com o Jorge Palma no lançamento de um livro e perguntei-lhe se queria fazer o texto porque queria distanciar-me das palavras. E ele aceitou. Esse foi o primeiro single e isso espoletou tudo o resto. Saíram para aí umas 20 músicas. Fiquei muito feliz. Entretanto, fui aos espetáculos porque estavam agendados e tinha de os fazer. Mas a partir daí comecei a ter noção outra vez. Os que fui fazendo enquanto estava nesse processo letárgico, nem me lembro deles.

Apagou-os da memória?

É extraordinário. Sei que fui para um sítio, que fiz aquilo, nem datas nem sítios. Só me estou a aperceber agora que estamos a falar nisso. As coisas que você instintivamente recusa, ou não codifica, porque não eram boas. O ser humano é extraordinário. E depois as coisas lá recomeçaram outra vez. E estou muito feliz.

Estou farto de ver, chateia-me, que as pessoas sejam indiferentes umas às outrasEsta música, agora, ‘Quem Sou’ tem uma mensagem implícita: A vida tem de ser celebrada apesar da dura realidade que cada um de nós tem como prova constante. Esta mensagem parte da sua experiência vivida?

Parte. Por acaso estou farto de ver, chateia-me, que as pessoas sejam indiferentes umas às outras. Eu acho muito normal porque viajo imenso e porque conheço milhares de pessoas, todas diferentes. Vou a Nova Iorque e vejo pessoas com cinco olhos, três pernas, quatro mamas, verdes, amarelas, cor de rosa, pintadas, judeus, tudo, para mim é normal. Mas em Portugal isso não existe. Ainda não existe. É um povo, nesse aspeto, muito indiferente às pessoas e muito atrasado. Há algumas coisas em que é muito bom, quando há uma prova de solidariedade. Mas se calhar também porque é mediatizada.

Como foi agora com o drama dos incêndios.

Eu faço isso há anos. Eu, pessoalmente. E nós, músicos e artistas. E isso nem sempre é contabilizado. Acho que existe, às vezes, até um aproveitamento dessas histórias. As pessoas têm de fazer isso todos os dias. Por exemplo, em relação a um deficiente. É muito bonito para as câmaras naquela altura, mas ele nunca fará parte do círculo de amigos que você tem. Porque as pessoas não têm paciência para ele. É o gajo que é diferente. Isso é verdade e as pessoas recusam-se a aceitar que é. Mas é. De vez em quando esquecemo-nos. Nem é de propósito. Depois aceitamos porque aos olhos da sociedade também é chato não os aceitar. Essa hipocrisia diária é uma coisa que me aborrece. Isto não é nacional, mas aqui há um certo pequeno burguesismo e uma altivez relativamente a isso. A generosidade franca não existe relativamente à disponibilidade para os outros.

Existe só aquela que é mediatizada?

Não é isso que estou a dizer. É mais fácil quando ela é mediatizada, porque é normal, as pessoas têm acesso a mediatização. Reparar nos problemas. São pessoas que andam e comem, podia ser um filho seu. Às vezes, escondem-nos [os deficientes] até. Sabe que isso é verdade. É um bocado essa mensagem, não é mais do que isso. Eu não sou arauto, nem tenho pretensões. Posso chamar a atenção desta maneira, mas não é com um lado muito paternalista, que eu isso não quero. As pessoas é que são responsáveis pelos atos que praticam. Têm o direito a ser indiferentes, mas eu também tenho o direito a mostrar.

Esta música em particular é, então, uma espécie de crítica à sociedade?

Não. É uma chamada de atenção. Cada um põe o chapéu como lhe serve. A minha função é essa. Não estou a mostrar a ninguém que sou obrigado a mostrar isto. Parte de mim. Parte da consciência de cada um, a minha é esta. Podia estar indiferente e não fazer este vídeo. Mas como sou sensível a estes problemas, porque conheço o país e as pessoas, eu sei. E porque não este assunto? Continua a haver racismo? Claro que continua.

As pessoas não são pares de sapatos. ‘Aquele não porque é feio’. ‘Aquele não porque é estranho’. NãoNão evoluímos assim tanto quanto julgamos?

Não, não. Acho até que regredimos um pouco. E isso é resultado de um comodismo material e intelectual. A minha vida não faz sentido sem existir e coabitar com o outro. Não faz. Hoje escolhemos o sapato à nossa medida, é isso? As pessoas não são pares de sapatos. ‘Aquele não porque é feio’. ‘Aquele não porque é estranho’. Não. Depois as pessoas têm medo e receio de serem confrontadas que eles dizem entre aspas deficientes mas depois são mais inteligentes que eles. Quando nós nos queixamos que temos problemas, e não o são na verdade, quando comparados com os de outras pessoas. Essas pessoas [os deficientes] estão habituadas a resolver milhares de problemas todos os dias, a todo o segundo, por exemplo, quem anda de cadeira de rodas. São muito mais enérgicos do que aqueles que se acomodam à sua boa vida.

E, no entanto, essas pessoas que resolvem milhares de problemas todos os dias são excluídas da sociedade.

É isso. O ser humano às vezes é muito estúpido e muito idiota.

Acha que o país dá o devido valor aos artistas nacionais?

Isso não me compete a mim dizer. Quando as pessoas gostam de mim, sinto-me muito recompensado. Não sou muito bonito, mas sou uma pessoa interessante e afável [risos].

E no que diz respeito à parte política …

Não me meto.

Agora, felizmente, temos um grande Presidente que dá cartas e que mostra como é andar na estrada. Aliás, Marcelo devia ter uma bandaNão se mete?

Quer dizer, tudo é política. Mas não me meto. Estou cá há muitos anos e já vi passarem vários ministros da Cultura. Eu não, continuo cá. Não me vou meter porque estou cansado. Realmente a cultura é um bocado opaca e muito pequena relativamente àquilo que são as necessidades do país. Uma coisa é certa: um país sem cultura não é um país, é uma coisa obsoleta. Tem de ter referências para perceber quem é.

Na parte artística não tenho grandes razões para estar feliz. Mas, às vezes as instituições políticas lembram-se dos músicos. Agora mais porque há mais necessidade. Os músicos nunca tiveram uma razão muito feliz para estarem felizes. Porque não têm apoios, somos considerados uns gajos independentes que são agradáveis nalguns momentos e que são porreiros. Mas não. Somos os mais ostracizados no que diz respeito às condições. Pagamos impostos e descontamos mais do que todos os outros. Pagamos os instrumentos como se fossem coisas de luxo, mas são instrumentos de trabalho. Nunca nos queixamos muito. Agora está melhor, mas não me queixo muito. As pessoas têm de ter alguma consciência de que, quando precisam de nós, existimos.

A seguir aos espetáculos, fico sempre a ouvir as pessoas. Dizem-me ‘diga lá em baixo que precisamos disto e daquilo’. Comento às vezes com alguns amigos meus políticos que nós ouvimos aquilo que eles deveriam ouvir. Porque nós é que andamos na estrada, eles, muitas vezes, não saem do gabinete. Agora, felizmente, temos um grande Presidente que dá cartas e que mostra como é andar na estrada. Aliás, o Presidente devia ter uma banda.

Como assim?

Bom, já cantamos os dois. O ‘Dei-te Quase Tudo’, mas ainda não era Presidente [risos].

Pois. Foram colegas no semanário Expresso, inclusive.

É verdade. Já o conheço há muitos anos. É uma pessoa extraordinária e uma pessoa que, felizmente, dá cartas ao mundo naquilo que é ser Presidente de pessoas. É estar com elas. É um bom exemplo para encerrar o tema das pessoas de que falava há bocado. Obrigado, Marcelo.

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