"Merecia e tinha capacidade para continuar a treinar o FC Porto"
Em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, José Peseiro assume a responsabilidade por algumas "escolhas menos boas" feitas no Dragão e, embora lamente a "instabilidade competitiva e a nível de recursos" do futebol português, verbaliza o desejo de voltar a trabalhar no nosso país, em "clubes que possam lutar por títulos".
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Desporto José Peseiro
Regressado a Portugal, após uma experiência nos Emirados Árabes Unidos, ao comando técnico do Al Sharjah, José Peseiro falou, sem tabus, ao Desporto ao Minuto, sobre a sua passagem por três dos maiores clubes portugueses.
No que concerne ao FC Porto, onde sucedeu ao agora selecionador espanhol Julen Lopetegui, o técnico ribatejano reconhece que “gostava que as coisas tivessem corrido melhor”, admitindo, ainda assim, culpa por algumas “escolhas menos boas”.
Já o Sporting de Braga, assegura, foi um caso bem diferente. Sem estar “desiludido”, Peseiro reconhece que a saída foi precipitada pelo “risco” tomado de poupar alguns titulares diante do Sporting da Covilhã, que ditou o afastamento dos arsenalistas dos oitavos-de-final da Taça de Portugal.
Quanto ao Sporting, admite que tudo poderia ter sido “diferente”, não fosse aquela semana ‘infernal’ de maio de 2005, quando perdeu o campeonato nacional para o Benfica e a Taça UEFA – entretanto rebatizada Liga Europa – para o CSKA Moscovo, em Alvalade.
Acreditava que, se vencesse a Taça de Portugal, ficaria no FC Porto
Treinou três dos maiores clubes portugueses. Foi feliz em todos eles?
Fui, ainda que nuns momentos mais do que noutros. Gostava que as coisas tivessem corrido melhor no FC Porto. No Sporting de Braga, não digo, já que estou ligado a uma das grandes conquistas do presidente Salvador: a Taça da Liga. O Sporting de Braga esteve em duas Champions, comigo e com o Domingos [Paciência]. Não saí desiludido, ainda que tenha saído de forma de forma prematura, quando estava em quarto lugar, mas perto de passar o Sporting, tanto que passou. Acabei por assumir o risco de jogar sem a equipa titular contra o Sporting da Covilhã [Taça de Portugal], poupei sete jogadores, porque achei que era mais importante ganhar em Alvalade para disputar o terceiro lugar, até porque o Sporting não passava por um bom momento.
A verdade é que perdemos com o Sporting da Covilhã, foi a razão principal por ter saído do Sporting de Braga. Mas preparei a equipa para terminar à frente do Sporting, tanto que venceu em Alvalade. Infelizmente, passado algum tempo de sair, o Sporting de Braga não conseguiu manter essa estabilidade competitiva. Acreditava que a equipa podia fazer um brilharete na Liga. No FC Porto, apanhei uma equipa em condições que não vale a pena discutir. Não sei se, nos últimos 30 anos, o FC Porto teve tão poucas condições para ter sucesso como teve naquele ano.
Sentiu-se a principal escolha de Pinto da Costa naquele momento?
Sim, até porque o presidente falou comigo muito antes [de ser apresentado]. Assim que saiu Lopetegui, ligou-me no dia a seguir.
Foi preciso coragem para aceitar o desafio no momento pelo qual o FC Porto passava?
Houve vontade e ambição. Qualquer treinador em Portugal gostaria de treinar o FC Porto. Assumi com toda a motivação, pensando que ia fazer o melhor. O FC Porto não tinha as condições que tem neste momento, mas não posso deixar de me culpabilizar pelas escolhas menos boas que tive. As condições não eram as ideais, mas tenho de assumir responsabilidade pelas minhas decisões.
Pelo momento em que pegou no FC Porto, sente que merecia ter começado a temporada seguinte?
Acho que sim, mas uma coisa é merecer e outra é o que é decidido. Temos de aceitar. Quem nos contrata tem toda a autoridade para nos deixar sair.
Guarda mágoa?
Se calhar, há 20 anos, era capaz de pensar nisso. Tive uma grande mágoa por sair do Sporting, mas isto é o futebol. Estamos neste mundo e temos de aceitá-lo. Podemos concordar ou não concordar… Achava que merecia e tinha capacidade para treinar o FC Porto de início [da época seguinte]. Era a minha ilusão. Mais, muitos dos jogadores que estão no FC Porto neste momento foram identificados por mim e pela estrutura do FC Porto para vir para o clube no ano seguinte. Estão lá e estão a jogar muito bem. Agora, é evidente que perder a Taça de Portugal contra um Sporting de Braga daquele nível, que beneficiou de dois erros nossos e pouco mais fez… O Sporting de Braga merecia ter ganho ao Sporting no ano antes, porque foi melhor. Contra o FC Porto, beneficiou de duas ofertas nossas e esteve 120 minutos a defender, à espera do que acontecesse. O futebol tem destes momentos, não nos podemos agarrar a isso, mas foi uma derrota injusta.
Se tivesse vencido esse jogo, teria sido diferente?
Não sei… Acreditava que, se vencesse a Taça de Portugal, ficaria no FC Porto e faria uma equipa mais forte do que a que tinha na altura.
O que mudou de lá para cá para que o FC Porto voltasse a lutar pelo título?
A entrada de um treinador é sempre importante. O FC Porto está mais forte, tem um plantel que acho bom, ao contrário do que as pessoas dizem. É uma conjugação de fatores. O Sérgio recuperou muitos jogadores, que estavam emprestados e que estavam identificados que tinham de voltar ao FC Porto. Tem muito mérito na construção da equipa e na recuperação dos jogadores. Alguns estiveram em processos de adaptação a um nível superior, como o Marega, o Hernâni, o Ricardo… Acabaram por melhorar de nível. Mas também é verdade que só o demonstram se jogarem e é isso que o Sérgio tem feito. Tem feito um excelente trabalho.
Neste momento, é o principal candidato ao título?
É a equipa que está a jogar mais. Toda a gente neste país entende isso, até os simpatizantes da oposição mais direta. O FC Porto, para mim, é a equipa mais consistente, por isso é que passou na Champions. Também é verdade que o Sporting tinha um grupo quase impossível de passar… Mas, o futebol vive de momentos.
Tenho dúvidas no lance do Luisão… Dúvidas não, certezas
Como tem visto o Sporting?
Tem uma grande equipa, que se está a consolidar. Fez um grande jogo no Bessa. Tem recursos e é um pretendente. A seguir ao FC Porto, é a que mostra mais qualidade e consistência.
Sente que a sua carreira teria sido diferente se aquela semana no Sporting tivesse corrido melhor?
Com certeza. Se o Sporting ganha a Taça UEFA e a Liga portuguesa, ou até só uma delas, seria diferente. Os adeptos teriam tido mais paciência comigo e teria outro tipo de clubes que poderia treinar.
Ainda pensa naquela semana?
Não penso muito. Ainda há pouco tempo fui a Alvalade ver um jogo e senti que estive lá há uns anos e perdi a Taça UEFA. Senti isso de forma emocionada, mas mais positiva do que negativa. O futebol dá-nos e tira-nos… A mim deu-me muita coisa. Comecei na 3.ª divisão, cheguei onde cheguei por mim. Nunca me deram uma equipa acima. Para treinar na 2.ª divisão tive que colocar lá uma equipa da 3.ª. Para treinar na 1.ª divisão, tive que colocar lá uma equipa da 2.ª. Cheguei onde cheguei porque pus lá as equipas, estou orgulhoso. Mas admito que, se tivesse outros momentos de felicidade, a minha carreira teria sido melhor, sem dúvida.
Foi uma temporada decidida nos pormenores...
Há momentos determinantes, como o golo na Luz, a seis minutos do fim, que nos tira o título, ou aquela bola que bate nos dois postes e o CSKA faz o terceiro golo… Várias coisas que me aconteceram, mas que vejo com serenidade, sem angústia. Estou contente com a minha vida, satisfeito com o que faço, tenho independência total económica e inteletual, mas muito à custa do meu trabalho, mesmo passando por grandes pancadas. Perder a Taça UEFA, quando coloquei as fichas todas e depois fui o mais penalizado… Fui o único assobiado no momento em que recebia a medalha, mas aceito. Agora, quando vou a Alvalade, à Luz ou o Dragão, as pessoas falam comigo e até partilham essa boa saudade, porque o Sporting jogava bem e podia ter ganho.
Podia ter feito algo de diferente na final da Taça UEFA?
Um dos problemas que tínhamos era o jogo aéreo. Sofremos o empate no jogo aéreo, onde o CSKA era muito forte. Não quisemos baixar linhas por uma questão de estratégia por isso mesmo, controlámos sempre o contra-ataque do CSKA. O primeiro golo que fazem é de um livre lateral, em que um jogador faz golo praticamente com a orelha. Faltou a serenidade de perceber que estava 1-1 e que isso não significava que perdêssemos. Aí pesou o resultado da Luz, pesou não termos um plantel vasto.
O Sporting era muito elogiado, mas acabou por não vencer qualquer troféu...
O Sporting era a equipa que jogava melhor futebol em Portugal naquela altura, mas o Benfica acabou por ser campeão. Tenho dúvidas no lance do Luisão… Dúvidas não, certezas. Mas passou. Naquela altura, faltou serenidade. Quando sofremos o golo do CSKA, quisemos repor a bola em jogo com a equipa toda aberta, perdemos a bola e sofremos o 1-2. Jogámos com mais coração do que cabeça, fruto de não termos conquistado a vitória na Luz. Ficámos mais perturbados pela exigência de ganhar em casa. Se tivesse cinco minutos para falar, como no andebol, se calhar tínhamos dado a volta àquilo.
O lance do golo de Luisão teria sido diferente com o vídeo-árbitro?
Não sei… (risos). Aconteceu o que aconteceu.
Quero treinar clubes que tenham uma dimensão de topo em Portugal
Que balanço faz da passagem pelo Al-Sharjah?
Estive lá de janeiro a outubro. Só admiti treinar o Al Sharjah porque conhecia o sheik. A minha história em relação a equipas que treino é um pouco contra-natura. Posso dizer que, em 25 anos, só por quatro vezes acabei abaixo do quarto lugar, sinal de que treinei sempre equipas que lutavam pelo topo, mesmo na 3.ª e na 2.ª divisões. Fiquei abaixo do quarto lugar, mas o Al Sharjah estava para descer de divisão. Foi o primeiro projeto – e único, não quero mais – em que assumi para lutar para não descer.
O que mudou no segundo ano?
O sheik saiu. O presidente do Dubai juntou três clubes num e o de Sharjah também, e saiu o sheik. A partir daí, pedi para prescindir do contrato, porque sei bem como são as coisas quando se muda de presidente. Ele saiu e as coisas complicaram-se muito. O que nasce torto tarde ou nunca se endireita, as contratações foram tardias, joguei a maior parte dos jogos sem estrangeiros, que lá são decisivos, e acabámos por rescindir contrato.
Arrependeu-se de ter aceite a proposta?
Foi dos contratos que assumi com menos vontade de assumir, vou ser sincero. Foi mesmo por questão de amizade. Até lhe apresentei treinadores para treinar lá, mas acabaram por não ir. Arrependo-me porque não devia ter olhado para isso. Foi uma experiência única, quanto mais não seja para dar valor aos treinadores que passam anos a treinar equipas em contextos complicados, de grande instabilidade.
Estar numa equipa com menos adeptos também não ajudou?
Estive no Al Hilal, da Arábia Saudita, que foi clube do século na Ásia e tem muita gente. Também estive no Egito, no Al Ahly, que também foi clube do século de África e foi muita gente. Também estive no Real Madrid, que foi clube do século na Europa. Já estive em três clubes do século, só me faltava a América do Norte e a América do Sul. Os Emirados têm nove milhões de habitantes, mas o futebol é um espetáculo mais visto na televisão do que no estádio. Não há muita gente a ver os jogos no estádio, com exceção dos que lutam pelos primeiros lugares. Uma grande assistência são dez mil pessoas.
A nível financeiro, acaba por compensar treinar numa Liga menos competitiva do que a portuguesa?
Não treinando os grandes, sem dúvida. Faz mais sentido treinar uma equipa dessas, ainda que por pouco tempo, do que trabalhar aqui. Lá existe instabilidade, mas não financeira. Aqui existe instabilidade competitiva e a nível de recursos. Em Portugal, e tendo mercado fora do país, só faz sentido para mim treinar as melhores equipas, as que lutam por títulos.
Voltar a trabalhar por cá continua no seu horizonte?
Continua. Por enquanto, é esse o meu objetivo. Quero estar em clubes que possam lutar por títulos.
A um treinador que já passou por Sporting e FC Porto, falta treinar o Benfica ou a seleção?
Basta dizer que quero clubes que tenham uma dimensão de topo em Portugal, sem enumerar nomes.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.
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