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"Não é por comida não ser feita na cantina que escola não é responsável"

No dia em que arranca o segundo período do ano letivo nas escolas nacionais, o convidado do Vozes ao Minuto é Jorge Ascenção, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais. O tema em cima da mesa é o estado atual das cantinas escolares portuguesas.

"Não é por comida não ser feita na cantina que escola não é responsável"
Notícias ao Minuto

03/01/18 por Patrícia Martins Carvalho

País Jorge Ascenção

A economia está a mostrar indicadores positivos. É consensual. No entanto, o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap) garante que estas melhorias não serão sentidas em todos os orçamentos familiares.

Em conversa com o Notícias ao Minuto, Jorge Ascensão assegura que ainda há crianças a passar fome e que parte da solução para este problema está numa reeducação dos pais, no que à gestão do orçamento familiar diz respeito.

Quanto às polémicas refeições que recentemente foram servidas nas cantinas escolares e que fizeram notícia por apresentarem, entre outras coisas, coxas de frango cruas ou lagartas na salada, o responsável defende que o que aconteceu é “inadmissível”, mas que o caminho não passa, pelo menos para já, pela rescisão do contrato com a empresa em causa.

O importante é todos estarem vigilantes e acompanharem de perto o que se passa nas escolas, afinal, o objetivo último das empresas é a obtenção do lucro, o que acaba por “negligenciar” o serviço prestado. No entanto, Jorge Ascensão sublinha que a responsabilidade não é apenas da empresa responsável pelas refeições em causa. Quem serve os alimentos aos alunos das escolas também tem a sua quota parte de culpa. 

Não estou seguro de que a capacidade financeira das famílias esteja tão folgada quanto issoAinda há crianças que passam fome?

Há. Eu sei que os indicadores mostram a economia a crescer, porém, não estou tão seguro que a capacidade financeira das famílias esteja tão folgada quanto isso. A verdade é que as famílias continuam a ter imensas dificuldades e o que vemos nas escolas são situações de famílias com dificuldades e que precisam, mais do que lhes deem o peixe, que as ensinem a pescar.

É um problema de gestão de orçamento familiar?

Exatamente. Há muitas famílias que ganham 500 euros, gastam 500 euros e passam mal. E mesmo que passem a ganhar 600 euros vão gastar os 600 euros e vão continuar a passar mal. Temos de as capacitar e ensinar a gerir o seu orçamento familiar.

Tem havido algum esforço neste sentido de capacitação?

Sim. Nós vamos reunindo com alguns pais ensinando-lhes a gerir melhor o orçamento disponível.

E como reagem estes pais?

Olhe, a maior parte reage com um olhar de gratidão. Percebem que não são os únicos com estes problemas e que há formas de melhorarem a sua qualidade de vida.

Há imensas situações em que as crianças se queixam de que a comida é pouca ou que não tem os condimentos que deveria terFalando agora nas escolas. Qual é a realidade das cantinas?

A realidade é que temos um serviço de refeições que tem muitas dificuldades, quer ao nível da confeção, quer ao nível da qualidade da refeição. Há imensas situações em que as crianças se queixam de que a comida é pouca ou que não tem os condimentos que deveria ter. O próprio colorido é muito monocromático e, estando a falar de crianças, é um fator que não ajuda a que elas comam.

Falta alguma sensibilidade para lidar com crianças?

Quem está no refeitório, sejam funcionários das empresas externas ou da própria escola, tem de ter o cuidado de verificar se as crianças estão a comer ou não e, se não estão, por que razão não comem.

Um adulto que serve a uma criança uma refeição tem de ter a capacidade de olhar para o prato e perceber se ele está em condições de ser ingerido ou nãoOs casos que foram noticiados de frango cru ou lagartas nos pratos não são um problema exclusivo da confeção. Estas são situações visíveis a olho nu.

Sim, é verdade. Um adulto que serve a uma criança uma refeição tem de ter a capacidade de olhar para o prato e perceber se ele está em condições de ser ingerido ou não. Todos nós ficámos chocados com aquelas imagens. Se há essa falha temos de ver se os funcionários, sejam da empresa externa ou da própria escola, são os mais capacitados para essa função, porque trabalhar com crianças exige uma sensibilidade especial. Além de aquela confeção não ser admissível, o facto de se colocar um prato daqueles à frente de uma criança não faz qualquer sentido.

O facto de a confeção não ser admissível não é o suficiente para o Governo rescindir o contrato com a empresa em causa?

Provavelmente, sim. Mas a grande questão é que a rescisão de um contrato implica que no dia seguinte já haja uma substituição daquele serviço. Não é de um dia para o outro que se consegue substituir esse serviço e nós precisamos que esse serviço exista. O que é preciso é que sejam exigidas responsabilidades e corrigidas as situações que têm de ser corrigidas. Acreditamos que poderá não ser necessário rescindir, a não ser num caso de reincidência, e nesse caso então, sim, temos de encontrar alternativas fazendo valer o que está estipulado no contrato.

Não é só porque a comida é feita por uma empresa externa que a escola é demitida dessa responsabilidade de acompanhar tudo A confeção das refeições deixou de ser feita nas escolas porquê?

Por uma questão de gestão de recursos. Obviamente que quando era feita nas escolas, e havia a capacidade de recursos e de meios para que assim fosse, existia um controlo mais eficaz. Não quer isto dizer que a escola não deva estar vigilante e não deva exigir que as condições da refeição sejam as adequadas. Não é só porque a comida é feita por uma empresa externa que a escola é demitida dessa responsabilidade de acompanhar tudo e garantir que as refeições têm a qualidade adequada. O importante é garantir que todas as crianças e jovens possam usufruir de uma alimentação saudável e em condições de higiene adequadas.

O PCP e o Bloco de Esquerda defendem que as refeições dos alunos voltem a ser confecionadas nas escolas…

Não é uma medida que, só por si, resolva o problema, mas eu percebo este ponto de vista. A verdade é que uma empresa, como tem na sua essência a obtenção de lucro, prioriza este objetivo, negligenciando a qualidade dos serviços que presta. Este é o princípio, mas não significa que voltando a confeção das refeições para a tutela das escolas isto não venha a acontecer de igual modo, pois o ser humano não é perfeito e há sempre quem prevarique. Mas não me parece que seja uma questão de a confeção ser interna ou externa à escola, é uma questão de a escola ter ou não os meios adequados e saber se o investimento que terá de ser feito para que as escolas voltem a confecionar as refeições é rentável a médio e longo prazo. É preciso saber se daqui a alguns anos as escolas vão ter um número de alunos que justifique este investimento.

Na sequência desta polémica o Ministério da Educação criou o Plano de Controlo das Refeições. Isto é suficiente? Era isto o que a Confap esperava do Governo?

O que dizemos é que estas situações não podem acontecer. O Ministério da Educação estudou e percebeu que há imensas falhas, que há fugas no acompanhamento que é feito e este plano vem de alguma forma acrescentar uma resposta na garantia da qualidade. Havendo maior vigilância haverá maior cuidado de quem tem de confecionar, de quem tem de garantir a matéria-prima para uma boa refeição e um maior cuidado de quem tem de garantir que a refeição é servida.

Cada refeição escolar custa ao Estado entre 1,18 e 1,46 euros. Não é um valor demasiado baixo para que a qualidade da comida esteja garantida?

Olhando para esse valor também me parece baixo e, por isso, é que assim que tivemos conhecimento destes números questionámos o ministério sobre como se iria garantir as condições do caderno de encargos com este preço.

Em casa não conseguimos comer por esse preço. Na verdade é um valor que já ultrapassa o limite das unhas, já começa a chegar aos dedosA verdade é que esta empresa foi escolhida porque apresentou o valor mais baixo…

Exatamente. De facto é demasiado baixo se pensarmos que em casa não conseguimos comer por esse preço. Na verdade é um valor que já ultrapassa o limite das unhas, já começa a chegar aos dedos. É certo que estamos a falar de economia de escala, mas, ainda assim, parece-me – e veio a confirmar-se – ser um pouco difícil cumprir as exigências do caderno de encargos com valores como estes.

O caderno de encargos apresentava variáveis que influenciariam a escolha da empresa a contratar?

O único fator variável que poderia diferenciar as empresas que concorreram era o preço. Tudo o resto era fixo. O Governo estabeleceu um conjunto de requisitos de qualidade e as empresas é que tinham de perceber, face às exigências de qualidade, qual era o limite mínimo de preço a cobrar. Não podiam estar a baixar preços pensando que depois iriam, de uma forma ou de outra, desviar-se dos critérios.

Foi isso que aconteceu?

Provavelmente, sim. Provavelmente, a empresa que ganhou o concurso deu um preço que depois, na prática, não conseguiu acompanhar e então desviou-se dos critérios.

A escolha do ministério pela proposta que apresentou o valor mais baixo não é, de alguma forma, um desvalorizar da importância que uma refeição escolar tem?

O ministério definiu um caderno de encargos onde está escrito que as refeições têm de ter determinada qualidade – mais legumes, mais fruta, menos sal, menos gordura – e a empresa em causa leu as exigências e assegurou que conseguia garantir todos estes critérios por este preço.

Já diz o ditado que 'quando a esmola é grande'…

Eu percebo o que está a dizer. Nós desconfiamos do preço porque estamos habituados, e com razão, a que quando alguém nos dá um grande benefício nos vai enganar no futuro e, provavelmente, foi isso que viemos a constatar agora. Mas a verdade é que no momento em que se está a fazer um negócio tem de se estar de boa-fé.

O Governo esteve de boa-fé e tem de estar de boa-fé e as empresas também. Admito que tenha havido boa-fé de todas as partesO Governo devia ter tido menos boa-fé negocial?

Não. Acho que o Governo esteve de boa-fé e tem de estar de boa-fé e as empresas também. Admito que tenha havido boa-fé de todas as partes. O que terá acontecido é que depois, durante o processo, a empresa percebeu que afinal ia ter de fazer algum tipo de regateio, jogar com algumas coisas porque senão não ia dar para cumprir. Se o soube à partida então aí esteve de má-fé.

Apesar da boa-fé, a verdade é que foram servidas aos alunos refeições sem qualidade…

O que é certo é que o que foi contratualizado não estava a ser garantido a 100% e tem de ser garantido. O que é certo é que as refeições têm de chegar às crianças com qualidade, cumprindo todas as exigências que estão no caderno de encargos.

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