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"Os javalis já perceberam que é uma situação excecional. O ministro não"

A seca e os incêndios prejudicaram os produtores agrícolas e os produtores florestais. Quem nos diz é o entrevistado do Vozes ao Minuto de hoje, João Dinis, da Confederação Nacional da Agricultura.

"Os javalis já perceberam que é uma situação excecional. O ministro não"
Notícias ao Minuto

29/01/18 por Patrícia Martins Carvalho

País Entrevista

A atuação do Governo, e mais concretamente a do ministro da Agricultura, merecem, por parte de João Dinis, pesadas críticas, acusando mesmo o governante de “ter uma ação desastrada”.

O membro da direção da Confederação Nacional da Agricultura garante que as medidas aprovadas são “insuficientes” face à gravidade das consequências que resultam da “tragédia” dos incêndios e da seca.

O problema, garante, é que o ministro Luís Capoulas Santos continua a encarar a situação atual como “rotineira”. “Até os javalis já perceberam que é uma situação excecional”, atira.

Qual é o estado da agricultura em Portugal?

A agricultura em Portugal anda aos solavancos.

Porquê?

Porque são muitas as contrariedades causadas pela natureza e pelas políticas agrícolas. Conjuga-se tudo para nos dar cabo da vida.

Fala da seca e dos incêndios?

E não só. Além das consequências desses dois desastres ainda temos políticas agrícolas que não correspondem às exigências provocadas por essas tremendas contrariedades que se abatem sobre a agricultura, a floresta nacional e, em especial, a agricultura familiar e a floresta multifuncional.

Os níveis freáticos, apesar desta chuvinha que caiu, estão longe de estar repostosQue consequências são essas?

No que diz respeito à seca, os níveis freáticos, apesar desta chuvinha que caiu, estão longe de estar repostos. Resta esperar que continue a chover e que se cumpra a tradição de que ‘em abril águas mil’ para que a situação da falta de água melhore.

Mas o Governo tomou medidas.

Sim, medidas que são muito insuficientes e medidas que, no fundo, acabam por ser de rotina. Até parece que a seca já é uma rotina. Ainda não entrou na cabeça do senhor ministro da Agricultura que esta é uma situação excecional que exige medidas excecionais.

A que medidas de rotina se refere?

Por exemplo, o adiantamento das ajudas oriundas da Política Agrícola Comum. Ora, isto é feito praticamente todos os anos, é uma rotina, não corresponde a nenhum tratamento de exceção.

E as linhas de crédito bonificado?

Só agora em janeiro é que alguns bancos começaram a falar com agricultores sobre essas linhas. O problema é que os bancos negoceiam com o agricultor que têm à sua frente e não em função dos decretos governamentais. Se esse agricultor tem condições financeiras para garantir um empréstimo tudo bem, o banco empresta, mas há neste momento muitos agricultores que não têm. Estas linhas acabam por servir mais a banca do que os próprios agricultores.

Em que medida?

Na medida em que o dinheiro público que é canalizado para a bonificação dos juros desses empréstimos é lucro para a banca. Nós precisamos é de linhas de crédito a longo prazo, mas eles [Governo] dizem que a União Europeia não permite, é esta a conversa do costume. Eu gostava de saber onde é que a União Europeia escreveu que não permite…

Na cabeça do senhor ministro ainda não entrou que isto é, de facto, uma situação excecional e já não vai lá com medidas de rotina  Que medidas deviam ser colocadas em prática?

Por exemplo, reembolso de parte do consumo da 'eletricidade verde'. Mas o ministro recusa-se. Isentar os agricultores do pagamento das taxas hídricas. Mas o ministro também se recusa. Na cabeça do senhor ministro ainda não entrou que isto é, de facto, uma situação excecional e já não vai lá com medidas de rotina que, é verdade, ajudam, mas não resolvem.

Foram estas medidas que apresentou na reunião da semana passada com o ministro?

Sim. Dissemos ao senhor ministro que as ajudas definidas são insuficientes, algumas delas até desadequadas no apoio aos agricultores e aos produtores florestais. E além das medidas que já mencionei reclamámos ainda a introdução de ajudas a um aspeto essencial e que não está contemplado e que é a perda de rendimentos provenientes da atividade produtiva agrícola.

E o ministro aceitou aplicar estas medidas?

Aí é que está o problema. O senhor ministro considera que está a ser feito um enormíssimo esforço orçamental para fazer face às contingências que advêm da seca e dos incêndios. Mas não chega. E há folga orçamental para mais.

Foi o ministro que lhe falou na folga orçamental?

Vamos lá ver, nós também conhecemos o Orçamento. O Orçamento para este ano saiu melhor do que aquela que era a proposta que o Governo tinha feito chegar à Assembleia da República e a verdade é que tem reservas que permitem tomar mais medidas de apoio. Agora é preciso é vontade política por parte do ministro.

 o ministro da Agricultura contava passar os incêndios sem gastar um tostão do ministério dele

E acha que não há vontade política?

Não só há falta de vontade política do ministro da Agricultura, como até parece que chega a haver má vontade política. O anúncio que o ministro fez sobre os parques de recetação de madeira queimada é um embuste perante os produtores florestais. Mais. Para Pedrógão foi criada uma ajuda aos agricultores com até 5 mil euros de prejuízo. No entanto, para os prejuízos até 1.053 euros a ajuda é paga pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. O remanescente da ajuda é paga pelo Revita, o fundo gerido publicamente que foi obtido com donativos privados. Ou seja, o ministro da Agricultura contava passar os incêndios sem gastar um tostão do ministério dele.

O mesmo aplica-se aos incêndios de outubro?

A ideia do ministro era essa, mas nós fizemos uma manifestação a 28 de novembro e na sequência disso o ministro repensou e anunciou que as apoios iam ser dados aos agricultores com prejuízos entre 1.053 e 5 mil euros.

Os animais campestres desapareceram. Eu já vi javalis em plena cidade de Oliveira do HospitalPode dizer-se que já é um passo para compreender a excecionalidade da situação?

Não me parece, isto não entra na cabeça do ministro. Os animais campestres desapareceram. Eu já vi javalis em plena cidade de Oliveira do Hospital. Isto significa que os javalis já perceberam que é uma situação excecional e que nos campos não vão encontrar nem alimento, nem abrigo… até os javalis já perceberam a situação em que estamos, mas o ministro não percebe.

Tanto os incêndios como a seca têm afetado as culturas de outono e inverno. Quais serão as consequências disto?

A redução da produção nacional, particularmente na pecuária. Temos alguns cereais e fruta que, não sendo de regadio intensivo, também sofrem com a falta de água.

Em consequência os preços dos produtos vão aumentar?

Em princípio deveria ser assim, porque há menor oferta e a procura mantém-se…

Mas poderá ser de outra forma?

Agora existe outro sistema que é o dos hipermercados que especulam, quer com as importações, quer com a produção nacional, ou seja, fazem aumentar ou descer os preços na medida do seu nível de especulação. Antigamente havia a novidade da fruta da época, agora já não há, pode comprar-se em qualquer altura do ano.

A floresta continua entregue à natureza e aos especuladores de madeira. Está a crescer para arder

E relativamente à floresta? Em que situação está?

A floresta continua entregue à natureza e aos especuladores de madeira. Daqui a dez anos corremos o risco de estar a ter situações idênticas com novos incêndios florestais porque a floresta está a crescer comandada pela natureza e pelos especuladores. Por outras palavras, está a crescer para arder.

Não foram tomadas medidas nesta área?

No que diz respeito aos incêndios ainda é pior. O senhor ministro da Agricultura tem tido uma ação desastrada com consequências desastrosas. Até hoje, a floresta está sem quaisquer tipos de ajuda, ainda não há medidas efetivas de apoio à floresta nacional e à floresta multifuncional em especial. Foi criada apenas uma linha de apoio a que tiveram acesso algumas autarquias para a fixação do solo destruído pelos incêndios. Enfim. Isto é o mínimo dos mínimos dos mínimos. Mas em termos de apoio aos produtores florestais no corte, no transporte e na comercialização de milhões de toneladas de madeira ardida… zero!

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