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"Via a Forbes como inalcançável. Nunca pensei que viesse a acontecer"

O bailarino português Marcelino Sambé foi eleito pela Forbes como um dos jovens mais brilhantes da Europa.

"Via a Forbes como inalcançável. Nunca pensei que viesse a acontecer"
Notícias ao Minuto

04/02/18 por Inês André de Figueiredo

País Marcelino Sambé

Marcelino Sambé tem 23 anos, é português e foi eleito pela Forbes como um dos jovens “mais brilhantes” da Europa, com a atribuição de um lugar na lista dos 30 jovens abaixo dos 30 anos (30 under 30, como é conhecida), onde estão ainda mais três portugueses.

O bailarino cedeu uma entrevista ao Notícias ao Minuto e falou sobre si, a ‘sua’ dança, o que sente ao dançar, os seus objetivos para o futuro e os sonhos que ainda estão por realizar.

Nasceu no Dia Mundial da Dança e é difícil nunca se ter ouvido falar deste nome, já que desde muito novo Marcelino foi o centro das atenções no mundo das artes, sendo considerado um caso raro e tendo conquistado diversos prémios internacionais e um convite para estudar na escola Royal Ballet, onde acabou por ficar a trabalhar.

Em 2015, o jornal britânico The Independent elegeu-o como uma das dez figuras mais promissoras do mundo das artes e os críticos têm-lhe atribuído elogios a cada espetáculo.

Neste momento é solista principal na Royal Ballet e tem como principal objetivo chegar a bailarino principal.

Notícias ao MinutoBailarino português nasceu no Dia Mundial da Dança                                                                      © Royal Opera House / Bill Cooper

Aos 23 anos, Marcelino Sambé está entre os eleitos da Forbes dos ‘30 under 30’. Como recebeu a notícia?

Foi interessante, porque o meu publicista da Royal Opera House disse-me muito vagamente 'a Forbes contactou-nos a perguntar por umas fotos tuas, quais são as fotos que queres mandar?'. Eu perguntei-me 'porque será?' e ele disse-me 'devem estar a fazer algum artigo sobre arte ou assim' e eu achei bom, mas não voltei a pensar muito sobre aquilo. Passado uns tempos recebi um email a dizer que tinha de preencher algo com a minha biografia e fiz isso. Mas isto já foi há meses e meses... Então até me esqueci, pensei que era algo impossível, pois era a Forbes. Contudo, depois comecei a aperceber-me de que ia acontecer, recebi outro email a dizer que eu era um dos finalistas do TOP 50. E, no dia 21, houve uma entrega em Londres dos prémios, mas eu estava no Brasil e recebi a notícia quando estava na praia. Foi fantástico.

Depois de tantos prémios que tem vindo a conquistar ao longo dos anos, este tem algo de especial?

Acho que este me deixa mais nervoso para conseguir superar as expetativas, porque sempre vi a revista Forbes como algo inalcansável e saber que tinha sido nomeado foi algo que nunca pensei que viesse a acontecer.

As coisas fluíram muito naturalmente e quase perdi o controlo do caminho que fui seguindoComeçou a dançar muito novo, mais precisamente aos seis anos, o que o levou a escolher esta arte?

Foi interessante, e sei que vai parecer frase feita, mas acho que foi a dança que me escolheu a mim, pois eu tive uma infância um pouco estranha e diferente, talvez um pouco solitária, e havia um centro comunitário no Alto da Loba onde havia um grupo de danças africanas, assim como andebol, atletismo, e eu sempre inclinei mais para a dança. Era o único rapaz num grupo enorme de raparigas e nunca me sentia sozinho e achei que escolhi as artes porque não queremos estar sozinhos, queremos estar num grupo, fazer parte de algo que nos faça felizes.

Eu comecei com as danças africanas e aos 10 anos fiz a audição para o Conservatório e a partir daí as coisas fluíram muito naturalmente e quase perdi o controlo do caminho que fui seguindo.

Daí ao ballet foi um ‘pulinho’. Quando percebeu que era a sua vida e o seu futuro que estavam em causa?

Lembro-me que no Conservatório nunca fui tratado de forma diferente até aos meus 14 anos, quando comecei a fazer mais espetáculos internacionais. Acho que nunca ganhei por ser a pessoa com mais técnica ou por fazer os melhores passos, nunca achei que a minha dança fosse pela parte técnica. Sempre fiz muitas amizades pela minha personalidade e pelo que trazia diferente ao palco. Ser diferente às vezes é um pouco difícil, mas se correr tudo bem é ainda melhor.

Estava consciente dessa diferença mas isso chegava facilmente aos outros?

Sim, sim. Acho que em palco as pessoas já queriam ver um sorriso, ou como eu ia interpretar aquele papel. Até hoje tenho guardada essa parte de mim, mesmo que a minha técnica tenha evoluído bastante e agora há pessoas que me veem como um bailarino técnico, eu prefiro a parte artística e o que posso transmitir com ela.

Foi muitas vezes notícia pelas melhores razões, mesmo quando era muito novo. Como se aprende a lidar com o sucesso?

Digo sempre que fui 'adotado' por esta família de bailarinos e nós trabalhamos imenso juntos, havia muita estrutura e um caminho a seguir. Eu e a Maria Barroso, uma amiga e bailarina que está na Companhia Nacional de Bailado, sabíamos qual era o percurso que queríamos fazer e aos 13/14 já sabíamos que aos 16 queríamos sair do país para alcançar esse objetivo. Quando as coisas boas me foram acontecendo, sempre acreditei que era apenas parte do caminho e que não me ia fazer melhor ou pior.

E os meus pais também me colocavam os pés sempre bem assentes na terra e nunca pensei alto de mais. Mesmo quando passavam reportagens em notícias ou televisão, nunca houve grande atenção.

Nunca foi prejucicial?

Não, nunca, pois nunca demos tanto valor a essas coisas. Aconteciam essas coisas porque o meu trabalho permitia.

Notícias ao MinutoMarcelino Sambé com Yasmine Naghdi durante o espetáculo 'Giselle'© Royal Opera House / Tristram Kenton

Em 2012 foi convidado para o Royal Ballet of London. Como tem sido?

Já estou cá há quase sete anos e tem sido uma grande aventura. Nos dois primeiros anos estive na escola, antes de entrar para a companhia e esses tempos foram muito difíceis porque eu sou o mais português entre os portugueses, tenho um temperamento forte, falo alto, tenho uma personalidade forte e em Londres há [necessidade de] uma certa etiqueta na forma de ser.

E aqui [na companhia] espera-se que tenhamos uma certa personalidade, então o início foi complicado, para ser aceite da forma como sou, com a minha personalidade e forma de ser, porque nunca vou ser uma 'rosa inglesa'. Agora, passado sete anos, percebi que não precisava tanto disso e que é a minha personalidade que me faz distinguir, mas foram tempos interessantes.

Nunca me veria a ir para a Rússia ou América e sempre me imaginei na Europa, em Londres, nesta companhia que sempre adoreiFoi um sonho realizado ou mais um passo nesse caminho de que fala?

Quando eu estava no Prix Lausanne, que é uma competição muito prestigiada na Suíça, queria imenso seguir os passos de um bailarino português que esteve lá há uns anos e ganhou um prémio. Eu cheguei até à final e não ganhei nenhum prémio, fui só finalista. E, nesse momento, estava em palco e pensei 'o meu percurso já se perdeu, pois o meu plano era ganhar aqui uma bolsa e ir direto para Londres'. Isto porque antes de irmos para competição temos de escolher uma escola para onde queremos ir e no topo da minha lista estava a Royal Ballet. Pensei que o meu futuro estava prejudicado, porque também não podia fazer a aula de entrega de bolsas, o que é um pouco triste.

Mas no final da competição, um pouco abatido, a diretora do Royal Ballet School veio ter comigo e disse que queria imenso que eu fosse para a escola. Surgiram mais oportunidades, mas eu sabia que ia ser Londres, pois nunca me veria a ir para a Rússia ou América e sempre me imaginei na Europa, em Londres, nesta companhia que sempre adorei.

O seu crescimento nesta instituição foi muito rápido. Quais são os próximos voos?

Eu comecei na companhia com papéis muito pequenos. Mas havia coreógrafos que já tinham interesse em trabalhar comigo, e quando entrei mesmo para a companhia tive papéis de solista logo no início e comecei a trabalhar com grandes estrelas, com bailarinas muito interessantes. Estava um pouco intimidado, mas feliz. No início, acho que a companhia tinha um espaço para mim e estava a precisar de um bailarino como eu e qualquer oportunidade que havia aproveitei. Mas esses foram os momentos altos, nós fazemos mais de 100 espetáculos por ano e eu estava a fazer 12 espetáculos. Estive sempre com os pés bem assentes na terra e nunca achei que tinha sido uma ascensão muito rápida. Mas depois houve oportunidades que, finalmente, me fizeram aparecer como bailarino principal.

Tem sido uma viagem de muito trabalho...

Notícias ao MinutoBailarino português na peça 'The Human Seasons'© Royal Opera House / Tristram Kenton

Depois de ser considerado uma das 10 pessoas a seguir pelo The Independent a pressão no dia a dia subiu?

Acho sempre que a Royal Ballet tem uma forma de lidar com o sucesso muito estranha. Não há muitas pessoas a virem ter comigo depois de uma crítica positiva dessas, não se fala muito disso e há uma continuação normal do trabalho.

Não gosto muito de dizer em voz alta, mas o meu sonho era chegar a bailarino principalDepois de um currículo invejável aos 23 anos, o que espera para os próximos tempos?

Não gosto muito de dizer em voz alta, mas o meu sonho era chegar a bailarino principal. Neste momento sou primeiro solista e estou a um passo de conseguir concretizar esse sonho. Este ano foi um ano complicado porque tive a minha primeira lesão, que me fez estar parado vários meses, e estou ainda a recuperar. Tem sido um nó muito grande na minha carreira, mas também uma grande valia pois tenho tido imenso tempo para trabalhar nas minhas fraquezas, na minha técnica e em várias coisas para conseguir ter uma carreira mais longa, mas espero nos próximos anos concretizar o destino que tenho traçado e ter uma carreira onde consiga trabalhar e usar todas as cores possíveis que possa usar, isto quer dizer que eu espero ter liberdade de expressão, liberdade de interpretação e ter dignidade no que faço.

No futuro, quero desenvolver a minha parte de coreografia, que é algo em que também estou interessado, mas sei que tenho de esperar um pouco até ter mais tempo e até amadurecer mais para fazer um trabalho interessante e com o qual eu esteja feliz.

Os críticos falam muito de valências como a técnica, a energia e a presença em palco, mas como se descreveria a si mesmo?

O que me faz sentir mais confortável em palco e sentir que é um espetáculo que é interessante para o público é que eu não gosto de ser previsível, e não gosto de ter tudo construído na minha cabeça. Gosto que o momento me guie para algo interessante. Acho que deve ser algo natural para chegar ao público.

Na altura, precisou de sair de Portugal para ‘dar o salto’, mas acredito que continue com os olhos postos no país no que toca à arte. Concorda com os artistas que dizem que a arte em Portugal não tem o apoio suficiente?

Quando saí de Portugal foi para ir para uma companhia onde sei que vai haver dinheiro suficiente para fazer as produções todas que queiram fazer, produções interessantes, e sempre achei que, por exemplo, a Companhia Nacional de Bailado tem tanto para dar, tem bailarinos fantásticos, mas ultimamente acho que têm mais falta de apoio, pois não se vê tanto a parte clássica que eu tanto gostava. O apoio tem de vir de cima e as pontuações têm de ser muito grandes e para fazer produção clássica é preciso muito dinheiro, com pontas, cenários, guarda-roupa, luzes...

Apesar de ainda ser muito novo, a sua carreira e aquilo que alcançou faz com que seja um exemplo a seguir para crianças que querem seguir as artes. Que conselhos deixaria a um desses miúdos, a um Marcelino aos dez anos?

Tenho visto imensos vídeos e fotos de miúdos em Portugal a fazerem coisas fantásticas, tecnicamente, e fico sempre cheio de orgulho, partilho no meu Facebook, mostro aos meus colegas em Londres... Mas espero que nunca esqueçam a razão pela qual fazem dança, porque dança não é um circo, não é para mostrar quantas piruetas fizemos, podemos concretizar muito mais pessoalmente e crescer mais rápido a pensar na simplicidade dos movimentos e na beleza que eles têm, e ainda no que se está a transmitir para o público. É a continuar a sentir que é possível ultrapassar tudo e concretizar os sonhos.

Notícias ao Minuto                                                 Marcelino Sambé na peça 'Flight Pattern'                                                 © Royal Opera House / Tristram Kenton

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