"Há um passado de vergonha na Casa dos Animais. Câmara assumiu-o e mudou"
A nova provedora dos animais de Lisboa revelou ao Notícias ao Minuto de que forma pretende, nos próximos anos, contribuir para que se encontrem soluções para os problemas dos animais na cidade.
© @Blas Manuel/Notícias ao Minuto
País Marisa Quaresma Reis
Foi numa conversa informal que surgiu o nome de Marisa Quaresma dos Reis para assumir o cargo de provedora da Casa dos Animais de Lisboa, conta-nos a própria. Um cargo que assume desde setembro mas que só em janeiro deste ano se tornou oficial com a sua tomada de posse.
Atenta e preocupada com os mais desprotegidos, a docente e investigadora acredita ter o que é preciso para defender a causa animal, mas assume que se a Câmara de Lisboa não tivesse mudado as condições do cargo dificilmente conseguiria assumir a função em regime de voluntariado.
Poucas são as pessoas que a conhecem. Quem é a Marisa Quaresma dos Reis?
A Marisa é uma pessoa muito sensível, atenta à sociedade e ao ambiente que a rodeia e que desde sempre foi muito preocupada com as questões relacionadas com os mais frágeis. As minhas grandes paixões, e a quem dedico a minha vida, são as crianças, o ambiente e os animais. Estes são os grupos desprotegidos que sempre me sensibilizaram e procurei ao longo da minha vida orientar-me para fazer o máximo possível por eles. E aqui estou, com esta grande oportunidade de poder fazer alguma coisa por eles.
Tomou posse como Provedora dos Animais recentemente, Fernando Medina disse que "é a pessoa certa no lugar certo”. Concorda?
Acho que só consigo responder a isso daqui a quatro anos. Posso ter uma perspetiva de grande motivação face ao cargo, creio que sou uma pessoa sensível à causa, estudo-a e procuro estar sempre atualizada e falar com a Sociedade Civil e com a Academia mas, como se diz no futebol, prognósticos só no fim. Mas é claro que agradeço o voto de confiança e espero não desiludir.
Como surgiu o convite para ser provedora dos Animais?
Foi muito inesperado. Tenho ligações tanto ao ISEG, onde sou assistente convidada, como também à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, onde sou investigadora associada do Centro de Investigação de Direito Público. E foi uma pessoa que também é docente na faculdade que me perguntou se eu estaria interessada [no cargo] porque o meu nome surgiu numa conversa informal e gostavam de me propor. Foi muito inesperado para mim mas muito bem aceite.
Causa-me imensa urticária ouvir conversas de pessoas que defendem os animais mas depois ficam contentes quando morre um forcado
O que leva uma docente de Direito a abdicar da carreira para assumir esta função?
Eu continuo a dar aulas no ISEG. Com a Faculdade de Direito é que deixei de colaborar. Tive de abdicar pois não consigo estar a full-time em dois sítios porque sou uma pessoa muito perfecionista e muito exigente. Estar nos dois sítios seria completamente impensável. No ISEG continuo porque adoro ensinar e não quero perder o contacto com esse mundo. Uma das minhas valências aqui [na provedoria] é formar pelo que ter um pezinho no ensino mantém-me com o bichinho pedagógico que é muito importante para este cargo.
Quão importante é para si a causa animal?
É a concretização de um sonho de criança. Quando somos pequenos e somos sensíveis aos animais sonhamos sempre que vamos ser a She-ra, que vai salvar os animais todos do mundo. Agora, com quase 39 anos, lembro-me muitas vezes daquilo que sentia em criança e penso que podemos acreditar nos nossos sonhos e lutarmos pelas nossas causas, pelos nossos valores, porque um dia, se formos a pessoa com esse perfil, a vida encarrega-se de dar essa abertura e acho que foi isso que aconteceu.
Marisa Quaresma dos Reis tomou recentemente posse como Provedora dos Animais de Lisboa© Blas Manuel/Notícias ao Minuto
Enquanto provedora quais serão as suas prioridades para, quiçá, vir a ser essa She-ra?
Não sei se vou ser essa She-ra mas espero ter um papel de mediação, ser um ponto de origem para a formação e sensibilização da sociedade. Gostava de aproximar as pessoas à causa. Existe sempre este discurso que me causa imensos anticorpos de uns que criticam os 'maluquinhos' dos animais, que é uma expressão completamente desrespeitosa para com as pessoas que são as únicas que os animais têm neste mundo e que se dedicam à causa. Como também me causa imensa urticária ouvir conversas de pessoas que defendem os animais mas depois ficam contentes quando morre um forcado. Isso para mim é completamente surreal. Nós temos de ter compaixão por todos.
Quando criamos estes muros, perdemos as pessoas que não são sensíveis à causa animal e vamos afastá-las cada vez mais. Gostava de apaziguar ao máximo este tipo de discurso para que as pessoas percebam que cada um tem o seu percurso de vida, tem o seu contexto educacional e cultural e que temos diferentes pontos de partida. É difícil nascermos numa família com pais veganos tal como é difícil nascer sendo filho de um toureiro em que o pai é o nosso herói. Vou buscar estes exemplos extremos para que as pessoas percebam e tenham um pouco de consciência de que as pessoas não são iguais. Nascer no mundo rural em que a matança do porco é algo natural não é a mesma coisa do que uma pessoa que nasce num ambiente urbano. É completamente diferente.
As pessoas têm de ter sensatez e têm de estar cientes de que as pessoas não se sensibilizam todas ao mesmo tempo para as mesmas coisas. Há pessoas que detestam pessoas, outras detestam crianças ou idosos e temos o direito de não gostar de animais. Mas as pessoas que não gostam de animais têm de os respeitar, tal como quem não gosta de crianças tem de respeitá-las. Portanto, se eu chegar ao fim destes quatro anos e perceber que quem não gosta de animais aprendeu a respeitá-los e que as pessoas que gostam muito de animais conseguem ser mais tolerantes para com as pessoas que têm um contexto de vida completamente diferente e foram educadas e estimuladas para gostar de determinadas coisas que para elas nunca foi errado, vou sentir-me muito feliz.
Quero sensibilizar, também, a infância e tenho agora uma parceria com o Professor Mário Cordeiro que ficou bastante motivado com convite. Vamos desenvolver ações de sensibilização e de formação junto do público mais jovem porque é na renovação das gerações que temos de apostar. É muito mais fácil educar de pequenino do que conseguirmos chegar a uma pessoa que já viveu a maior parte da sua vida num determinado ambiente que o dessensibilizou para os animais. Nós temos de ser pacientes, estamos em 2018, se não tivermos um elevador não podemos ir do R/C ao 5.º andar num só passo. Não podemos ostracizar nem hostilizar a sociedade.
A minha perspetiva será sempre de grande pragmatismo, diálogo, formação e sensibilização e temos de procurar, também, soluções nunca antes encontradas para situações caóticas como é o caso da sobrelotação da Casa dos Animais. Vamos avançar com um programa de famílias de acolhimento. As coisas estão prontas a arrancar e a única coisa que falta fazer tem a ver com o seguro dos voluntários porque são pessoas que trabalham fora das instalações e a Casa os Animais tem a necessidade de garantir uma segurança diferente.
São voluntários que levam os animais para casa?
É um novo perfil de voluntário. As pessoas inscrevem-se como voluntárias, são entrevistadas como qualquer voluntário e ficam sujeitas a outras obrigações como a entrega do registo criminal, a declaração de idoneidade passada pela junta de freguesia... Isto porque vamos ser muito rigorosos na seleção.
Estamos também a desenvolver o Regulamento Municipal do Bem Estar Animal que é fundamental para situações limite, como: cães ou gatos acorrentados, situações de acumulação de animais – há muitas pessoas que pensam que são benfeitores mas são acumuladores porque os animais não estão bem tratados nem têm os cuidados veterinários que deveriam, nem estão bem alimentados…
Não estamos livres de apanhar um acumulador de 140 gatos como já aconteceu. E que não se pense que isto é um problema de classe social porque estamos a falar de um professor universitário
Mas no caso da Casa dos Animais que está sobrelotada, não é preferível deixar os animais na casa dessas pessoas, uma vez que também vocês não têm condições para acolhê-los?
Tudo depende. Há pessoas que têm muitos animais e eles estão extremamente bem tratados. Mas há outras situações em que os animais não estão em boas condições. Ainda agora, a Casa dos Animais, no pico da sua lotação, acolheu 29 cães de uma vez porque os cães estavam subnutridos, com problemas de pele com alergia à pulga… Portanto, aquilo que começou como um problema de higiene e saúde pública um ano antes, com a primeira denúncia, transformou-se numa catástrofe em que os cães se multiplicaram. Estas situações são catastróficas porque mesmo que um dia digamos que estamos tranquilos e confortáveis com o número de animais que temos na Casa, não estamos livres de apanhar um acumulador de 140 gatos como já aconteceu. E que não se pense que isto é um problema de classe social porque estamos a falar de um professor universitário. Isto é um transtorno, é transversal à sociedade, e não traz nada de bom para os animais ao contrário do que essas pessoas imaginam e que é preciso acompanhar.
Esta é uma das situações que me inspirou a criar a tal comissão de acompanhamento de animais em risco porque são situações que não conseguimos enquadrar diretamente no tipo penal que é a questão dos maus tratos. São situações que podemos prevenir e a comissão de acompanhamento de animais em risco serve para, caso a caso, educar as pessoas, tentar sensibilizá-las para o bem-estar animal e explicar os cuidados que são necessários para que se consiga evitar que estas situações cheguem à via judicial e demorem o tempo que sabemos que demoram com o animal à espera.
Falava há pouco da sobrelotação da Casa dos Animais.
É que nem é só a Casa dos Animais, é qualquer instituição de abrigo.
O Notícias ao Minuto recebeu pelo menos duas queixas de pessoas que teriam encontrado animais abandonados na cidade e que não tiveram qualquer resposta ou ajudapor parte da Casa dos Animais por estar sobrelotada. Qual é a vossa responsabilidade nestes casos?
Obviamente que a responsabilidade de qualquer centro de recolha oficial é recolher os animais. Agora, nestes casos vai-se pôr também em risco os animais que estão na Casa dos Animais e vai sujeitá-los a uma situação de maus tratos indireta ou de contra-ordenação. É diferente ter três ou quatro cães juntos, porque eles têm um comportamento de matilha e podem atacar-se, do que ter 20 cães no mesmo sítio. Isto não é viável porque vamos ter animais que se atacam, não vai haver alimentação para todos e o número de veterinários não vai chegar. É uma situação dramática e foi por isso que pensei numa solução alternativa, até porque o projeto de expansão da Casa dos Animais ainda nem está em fase de concurso público e daqui a três ou quatro anos termos o mesmo problema de estar sobrelotado.
Temos de pensar em soluções não antes pensadas, soluções criativas e a Câmara assumindo o custo dos seus animais, porque é responsabilidade da Câmara, e temos de pedir ajuda a voluntários do concelho para que a Casa dos Animais consiga prosseguir a sua missão. Aliás, os animais que fiquem em famílias de acolhimento ficam favorecidos em relação aos que ficam em contexto de canil.
As pessoas querem um labrador e não o rafeirote com uma orelha para baixo e outra para cima. Querem mostrar um cão bonito como se mostra um carro novo. Têm de aprender a amar melhorEste é um problema que surgiu sobretudo após a aprovação da lei que proíbe o abate de animais. Voltar atrás nesta lei poderá ser uma das formas para resolver o problema?
Eu digo-lhe claramente que não porque isso era um retrocesso civilizacional enorme. Não me parece que seja esse o caminho que Portugal quer tomar. Não é esse o caminho que os outros países estão a tomar. Isso é um passado fechado, não é um passado que corra riscos de voltar a acontecer no futuro.
Agora, que não há realmente condições na maioria dos concelhos do país para que esta lei seja aplicada como todos a idealizamos, não há. Sobretudo, enquanto houver venda de animais, o que concorre diretamente com a adoção nos centros de recolha oficial e nas associações zoófilas. O sobrelotamento tanto das associações zoófilas como dos centros de recolha oficial também se deve ao facto de as pessoas quererem um animal por estatuto. As pessoas querem um labrador e não um 'rafeirote' com uma orelha para baixo e outra para cima. As pessoas querem mostrar um cão bonito, como se mostra um carro novo. E as pessoas têm também que aprender a amar melhor e perceber que o amor vem de qualquer animal que estejamos abertos a receber.
Até porque, como se diz, a beleza está no interior...
Até no exterior está porque as próprias características de um rafeiro podem ser bonitas. E até há animais com pedigree abandonados. Há animais que são comprados e abandonados porque as pessoas quando adotam não têm consciência dos gastos em veterinário e não têm noção que o animal é como uma criança, que não cresce e brinca a vida toda, estraga sofás, madeiras, vai roubar comida às escondidas... As pessoas acham piada a isto durante uns dias, mas quando começam a perspetivar o resto da vida do animal consigo, arrependem-se.
Marisa Quaresma Reis é a primeira Provedora dos Animais a tempo inteiro e de forma remunerada © @Blas Manuel/Notícias Ao Minuto
Se os animais deixaram de ser coisas para ter um estatuto próprio com mais dignidade, porque é que o crime de dano – estragar um objeto, uma coisa inanimada – é mais grave do que mal-tratar um animal?Falta também uma lei mais rígida para punir as pessoas que abandonam os animais?
Sim, as molduras penais dos crimes parecem-me francamente baixas. Há também problemas no caso de querermos agir diretamente no resgate de um animal, e em que temos de medir os bens jurídicos envolvidos porque a moldura penal do crime de maus-tratos é mais baixa do que se invadirmos a propriedade de alguém.
Há também o crime de dano de que se falou muito no caso do Simba, porque a pessoa acabou por ser condenada pelo crime de dano e não de maus-tratos a animais, apesar de ter provocado a morte ao cão. O crime de dano tem curiosamente uma moldura penal mais alta que a dos maus-tratos a animais. Se mudámos todo o paradigma e se os animais deixaram de ser coisas para ter um estatuto próprio com mais dignidade porque é que o crime de dano – estragar um objeto, uma coisa inanimada – é mais grave do que mal tratar um animal? Tem que haver coerência. Esta falta de coerência tem de ser corrigida. Não é a nível municipal que se vai fazer isso, mas também é o meu papel alertar para esta situação.
O cargo de provedora foi até há bem pouco tempo um cargo instável, tendo várias pessoas passado pelo lugar mas acabado por sair (nomeadamente por ser um trabalho voluntário, não remunerado). Considera que as novas condições vão permitir desenvolver um trabalho mais eficaz?
Sem dúvida. É muito diferente uma pessoa ter uma atividade profissional a tempo inteiro do que fazer isto em part-time, como hobbie ou voluntariado. É diferente termos a obrigação de prestar contas, justificar o valor que é pago. A responsabilidade aumentou.
Já percebi que há alguma surpresa por já se ver tanta coisa a acontecer, mas realmente não é comparável, porque tenho muito mais condições e tempo disponível para organizar tudo o que tenho feito. As pessoas também são diferentes, mas as condições também o são e tudo o que está a ser feito só é possível porque a Câmara Municipal de Lisboa resolveu dar a dignidade e a importância que um cargo desta natureza tem.
Teria aceitado o cargo caso as condições fossem as antigas?
Vou-lhe explicar: eu sou mãe de uma criança de um ano e meio, dou aulas no ISEG, trabalhava na Faculdade de Direito, além dos três animais que ainda tenho que são outros filhos. Seria muito difícil, até porque sou muito exigente e perfecionista, estar a comprometer-me com uma situação que provavelmente acabaria como as últimas duas, a apresentar demissão por sentir que não tinha condições, porque quem é sensível a animais envolve-se de tal maneira neste trabalho que depois sente que precisa de mais e tem vontade de abdicar do resto. Mas todos nós temos a nossa vida e as nossas responsabilidades e não é possível dedicarmo-nos a 100% a esta causa se não houver condições para deixarmos aquilo que tínhamos e abraçarmos de braços abertos esta situação. Não sei se teria aceitado porque acho que não teria as condições para fazer aquilo que estou a fazer.
Antigos provedores queixaram-se da falta de recursos humanos. Embora ainda esteja há pouco tempo no cargo já tem vivenciado algum tipo de dificuldades para exercer as suas funções?
Tenho sentido abertura por parte da Câmara [para ter mais pessoas]. À partida vou ter um programa de estágios pelo regulamento de estágios, e quando solicitei um jurista este também me foi disponibilizado. E temos quem faz o secretariado que já vem do tempo da Dra. Inês Real e que já está habituada a este serviço e tem sido uma grande ajuda.
Começo a sentir [falta de recursos] porque já aprendi que quanto mais trabalhamos, mais trabalho temos, e é muito provável que venha a precisar de mais recursos a médio prazo.
E como é que se desenvolve o vosso trabalho tendo em conta que têm os escritórios longe da Casa dos Animais?
Eu não sou a provedora da Casa dos Animais (CAL), sou a provedora dos animais todos de Lisboa. Existe ainda esta imagem de que sou a provedora da Casa dos Animais. Também sou, mas não tenho só a Casa dos Animais. Neste momento, trabalho intensamente no caso dos pombos, por exemplo. Vou aos sítios a que tenho de ir, vou visitar as associações, as associações vêm aqui, vou à CAL muitas vezes e ela vem aqui. Temos de lidar com a cidade. Lisboa não é uma grande capital, mas é uma cidade grande para o nosso país. Deslocamo-nos de transportes, de transporte próprio, público e estamos sempre à distância de um telefonema. Nesse aspeto a comunicação funciona lindamente. Tenho uma relação próxima com a Câmara Municipal.
Há um passado realmente de vergonha relativamente à Casa dos Animais, mas a Câmara assumiu isso e fez uma mudança completa de paradigma. Não há abates na Casa dos AnimaisDe que forma analisa também o trabalho e o empenho da Câmara Municipal de Lisboa em tentar combater este problema na cidade?
Comparado com o resto do país, as pessoas não se podem esquecer de qual é a nossa realidade. Há muito a fazer, mas Lisboa é um exemplo. A Casa dos Animais é um exemplo, as suas condições dificilmente serão encontradas noutro concelho e as pessoas se calhar não têm esta noção.
Há, realmente, um passado de vergonha relativamente à Casa dos Animais, mas a Câmara assumiu isso e fez uma mudança completa de paradigma. Já não há abates na Casa dos Animais e há um tratamento próximo de cada animal. Os animais são acompanhados, bem alimentados, a ração não se pense que é a ração da mais barata que existe, têm o tratamento que é necessário e têm carinho, tratadores excelentes, pessoas operacionais que são fantásticas. Conversar com elas dá-nos tranquilidade porque elas gostam mesmo de animais. Quem trabalha lá não são pessoas que estão lá pelo dinheiro ou porque precisam, são pessoas que gostam mesmo dos animais e conhecem-nos a todos.
Diz-se que o provedor não pode estar colado politicamente, embora seja aconselhado para o cargo pelo partido que está no poder. É de facto possível assumir esta posição de forma isenta?
Eu nunca estive ligada a partido nenhum. Creio que talvez o meu nome tenha surgido exatamente por isso, porque quem me conhece sabe que sou uma pessoa mesmo afastada das lides políticas. Também nunca estive ligada a nenhuma associação. Como provedora não posso estar ligada a nenhuma associação nem a nenhum partido político, portanto posso dizer que sou o mais isenta possível. Por isso é que também digo que foi uma grande surpresa. Até nos esquecemos de que às vezes também acontece que as pessoas sejam reconhecidas pelo trabalho que fazem...
A sua antecessora enveredou pela vida política após a sua experiência na Casa dos Animais, tendo sido candidata à Câmara de Lisboa pelo PAN. Passa pelos seus objetivos poder seguir o mesmo caminho?
Mas a Dra. Inês também já estava no PAN há muitos anos, depois terá interrompido por exigência da própria função e depois retomou a sua vida normal. No meu caso, não. Não tenho intenção de fazê-lo… Tenho uma personalidade demasiado independente para me associar a um grupo, porque a disciplina partidária faz-me muita confusão. Tenho necessidade de ter um pensamento livre e poder exprimir livremente a minha opinião sobre todos os assuntos. Se algum dia me virem na política, porque ninguém pode dizer "desta água não beberei", seria sempre como independente.
Nós sabemos que há sofrimento na arena. Mas há sofrimento para o touro, para o cavalo, para o ser humano
Falávamos há pouco das touradas, vai ser provedora numa cidade com um passado nesta área e que tem na cidade uma das maiores praças de touros do país. É algo que a incomoda?
Eu compreendo as pessoas que sentem a tauromaquia como sendo parte delas. Mas, pessoalmente, não aceito. Compreendo que as pessoas tenham vivido despertadas para uma tradição e ensinadas a olhar para essa tradição como algo de positivo, mas também chegámos a um ponto em que temos de fazer o nosso próprio julgamento e temos de olhar para as coisas tendo em conta o estado de evolução da ciência e do conhecimento que hoje temos. Nós sabemos que há sofrimento na arena. Mas há também sofrimento para o touro, para o cavalo, para o ser humano. Quantos já não perderam a vida na lide tauromáquica? Há sofrimento para as crianças que são sujeitas a esses espetáculos.
A UNESCO tem feito várias advertências aos países onde existe tradição tauromáquica para impedir que os menores assistam a estes espetáculos. Tanto quanto sabemos, até ver, o nosso Planeta é único sítio que conhecemos com vida.É algo precioso. Não estamos a passar uma boa mensagem quando levamos uma criança a uma tourada. Obviamente que é difícil que em quatro anos consiga que haja mudanças de fundo, mas para isso é preciso que a legislação mude e que as autarquias possam decidir se querem ou não aceitar espetáculos tauromáquicos na sua cidade. No caso do Campo Pequeno estamos a falar de um sítio privado e esse é o grande problema. Vamos ver o que o futuro reserva.
Poderá haver uma solução que agrade às duas partes?
Vai ser sempre muito difícil até porque não existe diálogo entre as duas partes. Existe um confronto e acho que é contraproducente porque cria anticorpos e depois extremam-se ainda mais as posições. Nós sabemos que quando brigamos com alguém e discutirmos, a tendência é para, ainda que saibamos que não temos razão, bater com a mão na mesa e dizer que nós é que temos razão. E enquanto as pessoas não forem sensatas, (e é preciso perceber os dois lados), os animais é que vão sofrer porque vai se adiando a decisão, adiando medidas que, não sendo provavelmente as medidas definitivas que nós, os defensores de animais queriam,certamente teriam poupado algum sofrimento aos animais. Mas o que é certo é que também do lado dos pró-toiro não há grande abertura para conversas com as pessoas que se preocupam com o bem-estar dos animais e com os seus direitos. Eu sou uma pessoa que advoga sempre uma situação de mediação e diálogo, tenho pena que não seja possível porque sinto que os animais perdem sempre que não é possível chegar a um entendimento e a medidas que a pouco e pouco possam subir a tal escada do R/C até ao 5.º andar.
A sua preocupação será sempre colocar os animais à frente de qualquer outra questão durante estes quatro anos?
Não fazia sentido sendo Provedora dos Animais que não estivesse aqui para os defender. Obviamente que gostava de uma cidade sem espetáculos com animais, gostava de uma cidade sem maus-tratos a animais, uma cidade que tivesse condições para acolher os animais que são rejeitados pelas suas famílias de humanos mas… Vou trabalhar para que isso aconteça. Compreendo que não fique tudo resolvido em quatro anos, mas quero ter um papel crucial para que a próxima pessoa não parta do R/C.
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