"Sou alfaiate, não sou estilista. Respeito, mas não sou pessoa de modas"
Depois de ter surgido como júri no programa de costura, que marcou as noites de sábado da RTP, e poucos meses após ter aberto a sua própria loja, o alfaiate Paulo Battista é o entrevistado de hoje do Vozes ao Minuto.
© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Lifestyle Paulo Battista
É conhecido pelo seu estilo dandy, de gentleman, com fatos feitos à medida, de corte clássico mas pormenores que tornam cada peça única. A barba e as tatuagens afastam-no do típico alfaiate, imagem por que não se faz por associar e que não pensa mudar, agarrado à ideia de que, se não corresponde à imagem convencional, terá de corresponder com o trabalho.
E assim tem sido, desde o seu primeiro cliente, o apresentador Manuel Luís Goucha, passando depois por alguns jogadores de futebol de renome e tantos outros que elevaram o nome de Paulo Battista, que, pela primeira vez participou num programa de televisão, ‘Cosido à Mão’, em que foi jurado e provou que a costura é um assunto que não se encara de ânimo leve.
Numa altura em que o seu nome ainda está a crescer, o alfaiate abriu as portas do seu (ainda recente) espaço onde todas as peças são criadas, e falou ao Notícias ao Minuto sobre o seu trabalho.
Leva a costura muito a sério e isso notou-se no programa ‘Cosido à mão’, em que foi júri. Como foi essa experiência?
Acho que já devíamos este programa aos portugueses, porque toda a vida tivemos ligação à costura. Em todas as famílias há alguém, alguma tia, uma avó, uma prima que foi costureira - ou porque costura, ou porque sobe baínhas… - de modo que achei logo boa ideia. Aliás, quando me fizeram o convite, ligaram-me de uma produtora, eu pensava que era para emprestar roupa ou alguma produção, algo que eu nunca faço. Eu sou alfaiate e a roupa que eu faço tem dono, não dá para emprestar, tenho a certeza de que os donos não ficariam muito contentes em saber que alguém estreou a roupa primeiro do que eles. Por isso não estava muito recetivo em receber estas pessoas [da produção], mas eles insistiram e vieram cá fazer-me o convite formal, saber se estaria interessado caso houvesse algum programa do género e eu disse - como faço sempre, mesmo nas minhas entrevistas - que tudo o que seja para divulgar a alfaiataria no meu caso e a costura no geral, sou sempre recetivo, porque acho que é uma área onde fomos perdendo profissionais e onde há necessidade de haver oferta.
Nem quis saber de condições, disse logo que sim, que estava dentro do programa. Ia avaliar as peças, da mesma forma que avalio diariamente as minhas. Ainda que fosse diferente, o objetivo seria tentar ser o mais rigoroso possível. Foi uma boa experiência porque é uma área em que me sinto confortável.
Já tinha passado por algo do género, no meio televisivo?
Não. Tirando por vezes uma entrevista sobre alfaiataria, mas eram casos de 10 ou de 30 minutos no máximo. Algo direcionado ao espectador lá de casa, semanalmente, ao sábado, num horário nobre, todas essas importâncias trazem um peso nos ombros tremendo mas, quando se faz as coisas com paixão, tudo resulta bem. Estava completamente à vontade.
Sou alfaiate, como costumo dizer, não sou estilista, respeito imenso quem está na moda, mas eu não sou pessoa de modasAs peças produzidas são criações próprias de cada costureiro. A par da parte técnica, como se avalia este outro lado de cada peça criada?
Considero-me uma pessoa técnica. Sou alfaiate, como costumo dizer, não sou estilista, respeito imenso quem está na moda, mas eu não sou pessoa de modas. Tenho a sorte de fazer os meus fatos, com que as pessoas se identificam. Eu sou uma pessoa mais técnica e por acaso o outro jurado, a Susana Agostinho, ela sim é estilista, tem essa vertente mais louca, associada à moda. Por isso, e ainda que eu também tenha noção do que o que é uma coisa bem feita e saída da casca, tentávamos compensar, ou dividir: eu focava-me muito mais na avaliação da primeira prova, que era uma prova de modelagem e acabava por ser uma prova mais técnica e depois deixava um pouco mais para a Susana a parte criativa das transformações, reciclagem de peças e aspetos do género.
Notou muita diferença na sua notoriedade depois de o programa ter começado a ir para o ar?
Em relação ao meu nome, ele existe há muito pouco tempo, há uns três ou três anos e meio e não escondo, com satisfação, que isto tudo tem sido uma coisa muito veloz. Se me perguntar se esse tipo de programa me traz clientes, não, mas traz-me notoriedade, ou seja, com tanta gente para ser convidado para jurado de um programa, e ser eu o escolhido, para mim é motivo de honra, quer dizer que o meu trabalho é bem feito, e obviamente que isso me deixa orgulhoso.
Acredito que uma produtora como a Shine e um canal como a RTP para me convidarem é porque houve uma avaliação prévia ao meu trabalho. Por isso, obviamente, que aceitei na hora, nem olhei para nada. Fi-lo essencialmente para divulgar a costura, a alfaiataria.
Não pensou que fosse ter esse impacto, na altura em que aceitou o convite?
Não, nem sabia que teria este destaque, mas fiquei feliz. Tenho três filhos (obviamente que as mães e os pais das crianças também são relevantes) mas as crianças têm um carinho muito grande pela minha imagem, pelo trabalho que fiz, e abordam-me. É maravilhoso a alegria com que o fazem. Não pareço, mas sou muito tímido, e fico as vezes assim meio sem jeito.
A imagem não faz de nós nem bons nem maus. Cada um tem a sua imagem, temos de respeitar, conhecer e, até então, não julgar
A sua imagem é bem diferente da ideia pré-concebida que se tem do alfaiate. Este fator criou-lhe barreiras? Sentiu-o quando começou a trabalhar na área?
Trabalho como alfaiate há 17 anos. Sempre trabalhei por conta de outrem e uma coisa que nunca me agradou, embora respeite - sempre que alguma coisa não me agrada eu respeito -, era que tinha de obedecer a regras, principalmente de imagem, e eu acho que a imagem não faz de nós nem bons nem maus. Cada um tem a sua imagem, temos de respeitar e conhecer e, até então, não julgar.
E uma das coisas que disse quando um dia trabalhasse para mim, era que não ia estar preocupado se ia ter imagem de alfaiate ou não. Eu ia ser eu, o Paulo Battista, ponto. Se gosto de tatuagens, ando com tatuagens, se gosto de barba, ando com a barba, e vou andar com a barba até me apetecer, provavelmente nunca a vou tirar, pelo menos enquanto me sentir confortável. Mas nunca fui à procura da imagem de alfaiate e vou-me manter assim.
A outra parte, de não corresponder a essa própria imagem: a minha idade já e um fator que não corresponde. Infelizmente, os alfaiates, porque são profissões muito duras, foram deixando de existir. Numa altura em que os poucos que a praticam têm 60 ou 70 anos, e aparece um jovem, na altura com 22 ou 23 anos, logo aí não se tem a imagem esperada mas sim a ideia de 'é novo, provavelmente não deve saber bem aquilo que faz, não é experiente...' há muitos se’s.
Provavelmente, quando comecei o meu negócio, teria sido mais fácil se tivesse uma imagem mais comum, mas como sou eu muita gente na primeira abordagem, quando abria a porta do atelier, não me olhava nos olhos, mas no cabelo, barba, tatuagens… eu sentia isso, quando o que eu gosto é de olhar nos olhos das pessoas, acho que conseguimos transmitir sentimentos pelo olhar.
Mas, por um lado, isso foi bom. Porque se eu não correspondia com a imagem, teria de corresponder com o trabalho, e correu bem, a prova é esta.
Alfaiate admite que, no início da carreira, a sua imagem pode ter sido um entrave© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Acha que em Portugal ainda há este preconceito para com certos estilos mais excêntricos ou diferentes?
Acho que na nossa geração ainda pode haver alguma desconfiança. Na geração mais velha então, existe, não vale a pena dizer que não porque existe. Um tatuado vai ser sempre julgado.
Felizmente, e eu vejo por exemplo pela minha filhota, na sala de aula tem uns dez miúdos de países diferentes e ela não faz distinção de nenhum deles. Esse é o caminho que temos de seguir, não julgar ninguém pelo que quer que seja, temos de julgar apenas o trabalho. Se estamos a pedir um serviço, e o serviço é bem feito, ótimo, não interessa se quem o faz é preto, amarelo, azul, se usa barba ou não usa, está tatuado ou tem piercings.
Não sou criativo, não me considero criativo, sou um artesão que prima mais pela qualidade e pelo rigor, do que pela criaçãoComo entrou neste meio?
Estudei artes a partir do 10.º ano, sem saber muito bem o que queria, mas rapidamente me decidi porque tinha jeito para desenhar e resolvi que queria seguir design industrial. Éramos uma turma de 12 alunos dos quais 11 queriam seguir moda, tanto que no trabalho final do 12.º ano todos decidiram fazer um desfile com peças próprias, e eu fui o único que recusei. Andei um ano a recusar porque eu não queria aquilo, nada que tivesse a ver com trapos, e acabei por fazer um outro trabalho de final de ano, que não aquele. Mal sabia eu que, passados uns anos, vinha parar aos trapos de outra forma. Não sou criativo, não me considero criativo, sou um artesão que prima mais pela qualidade e pelo rigor, do que pela criação. Não me vejo a fazer nada que seja fora dos fatos.
Nunca fui à ModaLisboa porque para o meu meio profissional não me vem acrescentar nada
Mas tem a sua imagem própria, as pessoas identificam-no pelo seu trabalho. Não considera isto ser criatividade?
Isso sem dúvida. Sou fiel a mim próprio, nunca fui a semanas de moda, não por ser prepotente, mas nunca fui à ModaLisboa porque para o meu meio profissional não me vem acrescentar nada. Como costumo dizer, pode-se fazer a alfaiataria tal como se fazia há 20 anos, mas não preciso de fazer fatos azuis escuros, posso fazer amarelos, com flores... posso executar o sonho de alguém, nada mais do que isso.
Porque se identifica como alfaiate e não como estilista ou designer de moda?
Digo isso imensas vezes: eu sou alfaiate. Eu acho que um estilista tem todo o valor, mas para fazer aquilo que queremos, temos de executar. Às vezes podemos ter uma ideia fabulosa, mas não temos quem a execute. Acho que importa saber executar e fazer bem, ou então o melhor é deixar para os outros aquilo que não sabemos fazer.
Obviamente que o Manuel Luís Goucha foi muito importante para o meu crescimento. Tem muito bom gosto, um rigor tal, avalia as peças como ninguémHouve alguém que tenha influenciado o seu trabalho?
A vida dos alfaiates também é complicada, os alfaiates são pessoas já de alguma idade e, ao abrir a porta a um jovem, poderiam pensar que o lugar dele estivesse em causa. Isso era algo que eu não fazia. Tanto não fazia que tenho aqui alguém a aprender, meia dúzia de anos mais novo que eu – quem me diz que daqui a uns anos ele não segue a vida dele? Mas na altura havia muito essa ideia de 'tirar o lugar'. Eu respeito, mas senti que aquilo não era para mim, então comecei a fazer os meus trabalhos em casa e como me sinto uma pessoa de sorte, abençoada, o meu primeiro cliente foi ‘só’ o Manuel Luís Goucha. Obviamente que o Manuel foi muito importante para o meu crescimento. Eu sempre disse que se fizesse peças de alfaiataria não queria fazer o que toda a gente faz, queria fazer coisas diferentes, e começo logo com aquele que é provavelmente a pessoa mais excêntrica da televisão. O Goucha tem muito bom gosto, um rigor tal, avalia as peças como ninguém, e teres uma pessoa destas que te faz crescer, foi das melhores coisas que me poderia ter acontecido.
Quando o tive pela primeira vez disse logo pronto “se eu tinha o sonho de ser, vou deixar de ser”. Tenho a certeza de que este homem que viaja pelo mundo inteiro, tem acesso às melhores marcas do mundo, que veste as melhores marcas do mundo, vou fazer-lhe um fato e ele vai dizer que isto não é nada. Mas depois fiz, ele gostou, repetiu, repetiu e atualmente não preciso de dizer que é o meu melhor cliente. Foi ele que me fez crescer, desde aí.
Como chegou até ele?
Por acaso, a minha mulher, a Susana, trabalhou durante muitos anos numa clínica em queo Manuel era paciente Era a Susana que recebia os clientes VIP, mas, durante anos, nunca abordou o Manuel para dizer que eu era alfaiate. Até que há um dia em que o Manuel diz que tem um fato de um grande estilista, que tinha medo de o entregar, porque nunca encontrava quem arranjasse o fato à maneira e a Susana disse-lhe que eu era alfaiate. Pronto, criou-se logo ali o bichinho. Ele diz que não, mas eu continuo a dizer que ele veio a medo que eu lhe estragasse o fato Versace, mas aquilo correu bem. O Manuel quis pagar a emenda, como faz em tudo, ele quer sempre pagar tudo, não quer deixar nada por fazer, mas eu não quis receber e penso que por uma questão de agradecimento ele mandou-me fazer um fato que obviamente teria de pagar. Esta foi a melhor decisão que ele tomou, porque se não fosse isso, eu não estaria aqui hoje.
No seu atelier, junto à Avenida da Liberdade© Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Nesta altura sentiu que era conhecido como o alfaiate do Manuel Luís Goucha, e não pelo seu próprio nome?
Ele diz que não, mas ainda hoje lhe digo isso. Por muito que tenha, e felizmente vou tendo, o meu nome, vou ser sempre o alfaiate do Goucha.
Não tenta afastar-se desta ideia?
Não. Toda a gente me disse sempre para não me associar, porque a figura podia não ser a melhor, mas quem conhece o Manuel, não só pela sua figura, sabe que é das - não vou dizer ‘a’ porque estaria a ser ingrato com mais uma ou duas pessoas – mas das melhores pessoas que me passaram pela vida que, lá está, não tem necessidade de falar do Paulo Battista e fá-lo quase diariamente. Tenho muito respeito e gratidão para com o Manuel.
Com que outros nomes conhecidos conta como clientes?
Tenho alguns. O João Paulo Rodrigues, o Daniel Oliveira, a Rita Ferro Rodrigues, como senhora. Depois no mundo da bola tenho imensa gente, tenho os campeões europeus quase todos: o Quaresma, Adrien Silva, Cedric, Rui Patrício, José Fonte, o Pizzi, que é muito meu amigo… quando não vêm cá, eu vou lá. Tenho um grupo de amigos jeitoso que faço questão de manter e eles, sei lá, por amizade pensam “vou fazendo uns fatos” - eu espero que seja assim.
O fato do batizado do Quaresma ia sendo feito através de Skype, ele em França, durante o Europeu, e eu cá, iamos fazendo as coisas devagarinhoHouve algum destes clientes, ou outros menos conhecidos, que o tenha marcado?
Não falo muito neles porque muitos não querem, mas os menos conhecidos são tão ou mais importantes para que a alfaiataria e o Paulo Battista cresçam.
Agora, claro que há muitos que marcam: o Manuel, por ser o primeiro cliente, é o senhor da televisão, logo aí tive sorte, e depois tenho o Adrien Silva e o Quaresma que foram dos que nos consagraram campeões da Europa. Na semana logo a seguir ao campeonato, há o casamento do Adrien Silva, que leva um fato meu, e o Ricardo Quaresma, que tem o seu batizado e o dos filhotes, leva também obras minhas. Claro que são experiências engraçadas. O fato do batizado do Quaresma ia sendo feito através de Skype, ele em França, durante o Europeu, à noite, e eu cá, iamos fazendo as coisas devagarinho.
Certamente que vestir uma figura pública é uma forma de dar a conhecer o seu trabalho. Funciona como uma forma de publicidade mesmo que não o queira. Recebe pedidos de peças iguais às que já criou? E repete-as?
Sem dúvida. Estamos a falar por exemplo do Quaresma, que é um ícone. Tudo o que ele coloca vai ter centenas de pessoas a querer ter igual. Mas eu na alfaiataria não faço coisas iguais, todas as peças são únicas. Fiz para o Ricardo, orgulho-me, mas é a peça dele.
Como define o seu estilo enquanto alfaiate?
Eu sou clássico. O meu corte não é nada inventado. Não vou dizer que faço exatamente como aprendi, claro que não. As escolas por onde passei, as academias são boas para se ter noção do que é o corte, mas ao longo dos anos, e ainda hoje, estou a aprender, a alterar. Vamos ganhando o nosso traço sem nunca deixar de fazer clássicos. Agora, se em vez de fazer um azul escuro puder fazer o tom a que eu chamo de azul porto, ou em vez de cinzento puder fazer um verde garrafa, é muito mais interessante, acho que fica mais giro, mas não deixa de ser um clássico.
E revê-se?
Sem dúvida, tudo o que eu faço, usava. Não me desvirtuo em nada do que faço. Tudo o que faço para os meus clientes, felizmente, usaria na hora.
Mas cada cliente tem um estilo um pouco diferente…
Sim, mas acabo de alguma forma por manter a marca. Porque se a pessoa quer um fato igual ao da Prada, pois então vá à Prada, não vou deixar de fazer o que já acaba por ser uma imagem minha.
Recentemente abriu um novo espaço, a sua própria loja, para onde levou o atelier. Quando é que se mudou para aqui?
Tem oito ou nove meses, foi uma oportunidade. Eu estava no prédio do lado, num terceiro andar, com apenas atelier. Agora continuo a trabalhar de porta fechada, não deixa de ser um atelier. Tem este aspeto de loja, mas não é. Tudo o que está aqui, tem dono. Há pouco deixei a porta aberta sem querer e entrou logo uma pessoa a pensar que era uma loja, mas eu faço tudo por encomenda e atendo só por marcação. Apenas aproveitei esta oportunidade que surgiu, de mostrar a alfaiataria para a rua.
E como tem corrido esta aceitação, aqui ao lado da Avenida da Liberdade?
Exatamente como corria quando estava no terceiro andar. Simplesmente há mais curiosos que gostam de ver e querem ver. Lá esta, é um pouco como o programa, tudo o que seja para divulgar e tentar atrair pessoas para a alfaiataria é bom.
Falamos mais de portugueses ou estrangeiros?
Muitos portugueses. Tenho alguns estrangeiros também, viajo com alguma frequência, mas conto com muitos portugueses. Cá já se começa a valorizar a alfaiataria. Há mais pessoas a quererem os seus próprios fatos, a quererem viver estas emoções. É o que isto acaba por ser: a pessoa sonha e nós concretizamos.
Sinto que cada fato tem de passar pelas minhas mãos. Passar a ferro sou eu que passo, não faz sentido abrir no Porto e não estar láEstá a pensar abrir mais algum espaço, ou só lhe faz sentido estar aqui?
Não faz sentido. Eu sinto que cada fato tem de passar pelas minhas mãos. Quando isso não acontecer, não será a mesma coisa. Muita gente me pergunta porque não abro no Porto ou em Londres, mas eu não o faço porque tenho de cortar, tenho de acompanhar as costureiras, eu próprio também tenho de coser. Passar a ferro sou eu que passo, não faz sentido abrir no Porto e não estar lá. Para isso, vou ao Norte para atender e volto. Para a semana, por exemplo, vou a Braga atender dois clientes.
É por isso que não apresenta coleções?
Não faz sentido, as peças são únicas. Não digo que um dia não o faça, por brincadeira, mas não vou apresentar um casaco do Manuel ou do António, porque é deles e eu não vou fazer mais. E tenho andado a lutar contra isso esse tempo todo. Não vou dizer que nunca e depois daqui a três ou quatro anos apresento uma coleção, mas para já sinto que os fatos que produzo têm todos de passar pelas minhas mãos. No futuro, logo se verá.
Há pouco disse que tinha uma pessoa um pouco mais nova a trabalhar consigo. A equipa cresceu quando vieram para cá?
Sem dúvida, eu comecei sozinho, depois tive uma costureira, fui pondo mais e atualmente somos sete, já é muita responsabilidade. São todos costureiros. Eu, o Vítor, que está a aprender, uma das raparigas que trouxe do programa, que é a Sílvia, e o resto são costureiras. Tenho uma senhora já com 60 e muitos anos e umas mais novas a quem vou tentando assegurar o futuro – o meu e o delas.
A marca Paulo Battista existe há cerca de três anos © Blas Manuel / Notícias Ao Minuto
Há pouco referiu a ModaLisboa, o evento de apresentação das coleções dos nossos criadores. Por que razão não assiste?
Tento de alguma forma não me influenciar. Eu sou muito fiel àquilo que acho que devemos usar – eu e os meus clientes. E por isso tento de alguma forma não acompanhar, não é por ser a ModaLisboa, ou o Portugal Fashion, poderia ser outra. Por exemplo, eu vou à Pitti Uomo duas vezes por ano, em Florença, mas não vou à Milan Fashion Week, porque acho que são partes de moda que não me dizem respeito, eu não sou estilista. Se fosse, se calhar acompanhava e tentava beber de cada um destes criadores, mas eu sou artesão..
Mas respeito imenso os nossos criadores, têm potencial de sobra. Somos tão bons, ou melhores que os outros lá fora, mesmo sendo pequeninos lá fora já estamos a dar cartas em todas as áreas - o calçado é uma delas, por exemplo. É como a senhora que faz os tapetes de arraiolos. Se calhar não lhe faz sentido ir a uma feira, sei lá, de tapetes, porque o que ela faz são tapetes de arraiolos, quem quer comprar isso vai até ela. E eu faço alfaiataria.
Como vê a criação de outros artesãos?
Fascinam-me. Os alfaiates para mim são referências.
Sente que tem olhar clínico, nestes casos?
Não… aliás, clínico mas só no sentido de tirar partido, de beber do seu conhecimento. São pessoas de 60 ou mais anos e que são bons naquilo que fazem. No caso de criadores e estilistas, claro que sim, vejo e admiro. Há peças que eu olho e não compreendo, mas o não compreender não é crítico.
Admiro bastante o trabalho deles [dos estilistas], porque acho que é preciso grande capacidade para poder criar, fazer coisas novas de estação para estação – isso é notável. Eu infelizmente não tenho essa capacidade, talvez, mas prefiro ser artesão. Prefiro ser o que executa.
É importante, se a vida te sorriu, tentar não virar as coisas e continuar o mesmo, mas batalhar sempre mais e maisComo é um dia na vida de Paulo Battista?
É muito cedo. É tentar estar no atelier às 7h00 da manhã. Tento nunca chegar depois disso. E tentar ser o primeiro a ligar as máquinas e o último a desligar. Por vezes, vou um pouco mais cedo para casa, porque tenho uma família, tenho três filhos e já que não os vejo de manhã, porque saio ainda de noite e eles ainda estão a dormir, tento às vezes chegar um pouco mais cedo para estar com eles, se não era complicado. Mas, essencialmente, é um dia de trabalho, que não me custa nada fazer porque faço-o com todo o amor e com todo o empenho, por vezes até me esqueço da hora. Mas faço é questão de vir muito cedo porque acho que é importante, se a vida te sorriu, tentares não virar as coisas e continuar o mesmo, mas batalhar sempre mais e mais.
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