"Às vezes é preciso apagar tudo o que se sabe e começar do zero"
Um ano depois de ter começado um novo desafio na Rádio Renascença, a locutora Ana Galvão é hoje a entrevistada do Vozes ao Minuto.
© Gonçalo Claro
Fama Ana Galvão
O sangue espanhol ainda lhe corre nas veias, mas os anos em Portugal já ultrapassaram o tempo que esteve do outro lado da fronteira. Ana Galvão mudou-se para Portugal aos 14 anos, onde iniciou a carreira no mundo da rádio.
Depois de ter estado durante 20 anos na Antena 3, a Renascença falou mais alto e há um ano que esta é a sua nova casa. Um desafio que aceitou sem medos e que lhe deu ainda mais bagagem.
Sempre com um sorriso no rosto que transborda simpatia, Ana Galvão conversou com o Notícias ao Minuto e recordou os primeiros passos naquela que é uma das suas grandes paixões: a rádio. Os direitos dos animais, a nova geração de youtubers e a família foram outros dos temas abordados.
Nasceu em Madrid e aos 14 anos mudou-se para Portugal. O que mais custou na adaptação?
Quando se tem 14 anos e se é adolescente, tudo é muito intenso na vida. Os rapazes, os amigos, as amigas… Custou-me muito deixar a escola, tinha um hábito escolar muito forte em Madrid e, de repente, vim para Lisboa. Aquilo foi um choque muito forte. Custou-me a língua também. Embora eu viesse de férias e arranhsse português, a língua foi terrível porque, entretanto, tive de fazer amigos em Portugal. O idioma foi, de facto, complicado. Uma barreira a ultrapassar, como gozarem comigo por não falar bem as vogais. Mas depois, como qualquer adolescente, a pessoa acaba por se adaptar. A minha mãe sofreu um bocado connosco, com os irmãos. E viu-se nas notas…
O facto de ter sido na fase da adolescência acaba por ter um maior impacto…
Mudar de país custa a todos. Tem a ver com hábitos, tem a ver com tudo. Mas com 14 anos acho que é tramado. É uma idade muito importante na vida das pessoas.
O que recorda dos primeiros passos na rádio?
A primeira coisa que recordo é que não tinha nada a ver com a rádio de hoje em dia. Trabalhávamos com cartuchos, com bobines. Das primeiras coisas que fiz é algo que já não se faz, que é sacar notas das músicas que tocavam porque as rádios pagavam direitos de autor por canção que passava. Então eu fazia esse trabalho. Ficava a olhar para uma locutora e o meu trabalho era [escrever] passou Phil Collins… Quando ela ia tomar café deixava-me misturar músicas. Tenho muito vivas essas recordações. Acho que o que mais marca um locutor de rádio, que marca também alguém que faz televisão, é a primeira vez que falas. A primeira vez que te dizem: “Estás no ar, tens de falar”. E pensas que te vais enganar, sonha-se muito com isso, que vais ficar sem voz…
Depois de ter estagiado aos 19 anos na Rádio Marginal da Linha, passou mais duas rádios…
Eu trabalhei na Rádio Comercial da Linha que já não existe, trabalhei na rádio Marginal que existe mas que era completamente diferente do que é agora. Fiz Rádio Expo, que aconteceu para acompanhar a Expo 98, e depois fui para a Antena 3 onde estive 20 anos. E depois vim para aqui, para a Renascença.
Na vida às vezes temos que fazer a pergunta: ‘por que não?’. O que é que de pior podia acontecer? Como é que foi essa mudança? O que a levou a aceitar o convite?
Ser totalmente diferente. Acho que foi um clique que tive na cabeça que foi: ‘vou dizer que sim’. A tendência era dizer que não. Adorava o que fazia, estava lá há 20 anos, era a minha casa… Na vida às vezes temos que fazer a pergunta: ‘por que não?’. O que é que de pior podia acontecer? Podia correr muito mal, ok, mas isso era já uma situação super extrema. Depois, esta rádio não tem nada a ver com aquilo que fazia, é uma rádio de informação… Pensei que fazia sentido começar a trabalhar em coisas diferentes e fazer informação, notícias. Comecei a dar-me com os jornalistas… Nunca o tinha feito.
Cerca de um ano depois, arrepende-se desta mudança? O que aprendeu com a vinda para a Renascença?
A primeira coisa que aprendi é que às vezes é preciso apagar tudo o que se sabe e começar do zero. Outra coisa é que, mesmo fazendo isso, tudo o que aprendemos na vida é importante porque tenho usado muitas coisas que aprendi na Antena 3, como a improvisação. Era uma rádio mais desorganizada e isso dá-nos estaleca. Numa rádio organizada então é espetacular… Aprendi a estar super atenta à atualidade. Aprendi como é que os jornalistas trabalham e a admirá-los imenso. São enciclopédias com pernas. Comecei a aprender o que é a vossa profissão de jornalista que nós de entretenimento não temos. O que se faz aqui é infotainment, que é juntar o entretenimento com a informação, que é o que eu faço. Estou sempre a falar de notícias, mas de uma maneira de entretenimento.
Quem são as suas maiores inspirações?
Passei a admirar muito os jornalistas, a sério. Essa capacidade de chegarem sem nada, de ligarem as televisões, verem os jornais, ligarem os computadores e perceberem o que é importante no dia, o que é que faz de facto diferença na vida das pessoas… Fiz rádio durante muito tempo aqui com um colega que é o José Pedro Frazão e tenho-o agora como uma super referência para mim. Mudei completamente de referências de rádio, passaram a ser jornalistas. O Sena Santos sempre foi uma super referência, um jornalista que trabalhou muito tempo na Antena 1 e que agora é professor.
Qual o estilo musical que a faz levantar da cadeira e dançar no estúdio?
Arcade Fire. Eles têm êxitos incríveis que dá imensa vontade de dançar e ao mesmo tempo são uma banda muito redondinha. Gosto muito de uma banda inglesa que são os Jungle, que me dão muita vontade de dançar também. Independentemente, continuo muito ligada à música. Estive 20 anos na Antena 3.
Qual o desafio em que nunca participaria? Porquê?
Nunca aceitaria o desafio de cantar porque desafino muito. Sou filha de um produtor de música, que produziu discos de muita gente importante, desde Paulo de Carvalho, Adelaide Ferreira… Sei o que é ser um bom músico e desafino imenso para grande pena minha. Já me aconteceu ter desafios assim em momentos de rádio, ou coisas que fiz na vida e sempre correu horrivelmente. Acho que isso eu não fazia, saltava antes de um precipício.
Recebi comentários de miúdos a ameaçarem-me que me batiam e que eu ia para o hospital. Depois ia ver o perfil deles e tinham 12 ou 14 anosAs redes sociais são importantes para um comunicador?
São!
Mas têm um lado bom e mau, sendo muitas vezes a parte menos boa os comentários muito negativos sobre o outro. Como é que lida com essa parte má do mundo virtual? Já sentiu na pele? Qual o comentário que mais a deixou em baixo?
Não me deixou em baixo porque não ligo muito. Sou um bocadinho impermeável aos comentários de Facebook. Vivi com o Nuno Markl e, na altura, quando estávamos juntos, via o quanto ele sofria com isso e nunca consegui entender porque para mim é completamente não importante. São pessoas que escrevem aquilo, mas acho que dez minutos depois já se esqueceram, já estão noutra… Leio tudo, mas não ligo muito. Mesmo assim, tive uma grande polémica e fui muito insultada quando critiquei um youtuber. E nem sequer foi uma coisa fechada a uma pessoa específica, nem sequer foi a todos. O meu ponto de vista era: pais, tenham cuidado, estejam em cima daquilo que os vossos filhos veem.
Houve um youtuber que fez uma crónica inteira sobre mim e isso inflamou muito os miúdos que seguem este youtuber. Recebi comentários hilariantes. Sou mãe e acho que há um lado em mim que acha piada. De uma maneira maternal não consegui ficar zangada. Recebia sobretudo mensagens depois das 18h00, ou seja, pós-escola. Recebi comentários de miúdos a ameaçarem-me que me batiam e que eu ia para o hospital. Depois ia ver o perfil deles e tinham 12 ou 14 anos. Pensava: ‘Isto não faz sentido nenhum’. Fui muito vítima mas liguei zero, sabia que ia passar.
Seguimos muito a corrente e isso é que é um bocadinho assustador porque vivemos numa sociedade do gosto, não gosto, e há coisas no meioVivemos a geração dos youtubers e estes são uma grande influência para os mais novos… O que é que pode ser bom e mau na influência que eles têm?
Na minha geração tivemos isso com a televisão. Os meus pais ficavam muito preocupados com as coisas que nós víamos porque é um elemento estranho que, de repente, se massifica na vida das pessoas. Tem bom e mau. A primeira coisa é que não podemos ir contra isso porque é a realidade dos nossos filhos e é uma estupidez achar que na nossa realidade é que era melhor. A diferença é que é incontrolável. Não há uma censura como havia com a televisão. Havia programas que podiam ir para o ar e outros não. Agora não. A única coisa que acho que tem de mau é que se encontram coisas que não deviam estar acessíveis a crianças de uma determinada idade. Eles não estão preparados. Tenho um filho de nove anos e sei que ele não está preparado para ver uma determinada coisa porque nem sequer entende. Mas crescem muito rápido porque veem tudo. Por outro lado, acho que tem de bom porque têm acesso a coisas muito mais rapidamente do que nós, e não nos podemos assustar com isto porque é a realidade. Eles estão prontos a estarem muito mais avançados tecnologicamente. Quando digo isto não estou a dizer coisas como: ‘Come uma pastilha de Tide e vê o que acontece com o teu estômago’. Isto pode matar crianças e estas coisas existem.
De todas as formas acho que o pior é que vivemos numa sociedade em que nos pontuamos muito por aquilo que somos no Facebook e isso é que eu acho que é perigoso. Parecemos os tipos que seguiam Frankenstein com tochas, mas não sabemos muito bem para onde ir. Esta semana é a Maria Leal e para a semana é outra pessoa porque disse isto. E às vezes nem perdemos tempo a pensar se faz sentido e se concordamos ou não. Seguimos muito a corrente e isso é que é um bocadinho assustador porque vivemos numa sociedade do gosto, não gosto, e há coisas no meio. Não pode ser só gosto ou não gosto. Há muitos assuntos sobre os quais não consigo ter opinião porque não estou informada o suficiente para dizer se gosto ou não gosto.
Ainda temos muito o estigma de que a mulher está lá para rir, não para opinar. Há poucas mulheres a opinarem sobre a atualidadeO feminismo é um tema que tem vindo a estar nas bocas do mundo, como por exemplo em Hollywood, onde várias atrizes dizem que há uma diferente base salarial entre homens e mulheres. Na rádio isso também acontece?
Em termos salariais, acho que sim. A comunicação social continua a ser um mundo muito masculino, sobretudo por esta questão, mais do que o salário. Também não conheço ao pormenor para dizer se aqui há colegas que ganham mais ou menos do que homens. Há aqui na Renascença mulheres com cargos de chefia. Agora, foi uma coisa ganha a pulso. O que a mim me incomoda um bocado na comunicação é que não há programas só de mulheres. Sempre que há um grupo é só homens ou homens e uma mulher que está lá para rir. Não há mulheres a apresentar coisas em grupo e o homem é que está lá a rir… Ainda temos muito o estigma de que a mulher está lá para rir, não para opinar. Há poucas mulheres a opinarem sobre a atualidade. Às vezes queremos trazer aqui mulheres que opinam sobre determinados assuntos e não existem ou há três e 70 homens.
É mãe de um rapaz, o Pedro. Quais os principais desafios da maternidade?
Quando eles são bebés é mudares a vida inteira. Passas a não ser só tu e isso faz uma diferença. A quem não é mãe isto pode soar a cliché, mas é verdadeiro. Sobretudo em trabalhos como os nossos ou em mulheres que estão habituadas a serem independentes e a terem trabalho fora de casa. De repente, tudo muda. Deixamos de ser fulano e passamos a ser mãe de durante um tempo. Depois o maior desafio da maternidade é a fronteira entre aquilo que devemos deixar de fazer e aquilo que não devemos deixar de fazer porque somos cuidadores. Essa fronteira é tramada. A mim está a acontecer agora, com nove anos. [E dá um exemplo] Deixo o Pedro ir à rua sozinho? Há perigos e eu sou cuidadora, não posso deixar que nada de mal lhe aconteça porque sou responsável. Por outro lado, se não o deixo sair, não cresce. Quando é que eu o devo deixar?
Acho que isto é muito complicado, começarmos a dar asas e liberdade perante termos de cuidar e sermos responsáveis por tudo o que lhes acontece. E os jogos! O tempo na Playstation e no computador é tramado, também. É um desafio muito grande para a minha geração. Não sabemos muito bem lidar com isso. O que devemos deixar? Quanto tempo? Ficam viciados? Isso é mau ou é bom?
Eu com o Nuno [Markl] dou-me super bem. Não é feito, não é mentira, é mesmo verdade. O Nuno é assim um irmão
Por mais que façamos tudo para manter a família unida, é difícil após uma separação?
Com certeza. Por acaso a minha família acho que é um bocadinho a típica porque nos damos todos. Eu própria sou filha de um pai com quatro filhos de três mulheres diferentes. E damo-nos todos espetacularmente bem. Vivemos todos juntos, passamos os Natais juntos… E eu com o Nuno dou-me super bem. Não é feito, não é mentira, é mesmo verdade. O Nuno é assim um irmão, então vivemos muito perto e damo-nos muito. Jantamos juntos, lanchamos juntos. Não temos nenhuma regra de quem é que fica com o Pedro. O Nuno trabalha imenso e precisa desta flexibilidade da minha parte e o Pedro ganha muito com isso. Somos super amigos. Só que obviamente que depois a vida continua para todos.
Sendo também adepta de estilo de vida saudável, há pessoas que dizem que isso agora é uma tendência. Sente que estamos a viver uma ‘moda’ ou que os hábitos estão realmente a mudar?
Todas as modas levam a que as pessoas mudem. Venham mais modas destas. É espetacular. Acho que o difícil no que toca à mudança da alimentação é o medo das pessoas de mudarem. As pessoas têm muita dificuldade em mudar de alimentação. É das coisas mais difíceis na vida porque a alimentação remete à tua casa, aos teu hábitos, como era com a tua mãe. Não é só comida, é aquilo que tu és, aquilo que a tua família te deu. As modas levam, de facto, a que mudem coisas.
Não é uma frase minha, mas concordo muito com isto. Um país civilizado vê-se pela forma como se trata os animaisÉ também uma pessoa muito ligada aos animais. Se agora fosse chamada para partilhar uma mensagem em defesa deles, o que dizia?
Isto não é uma frase minha, mas concordo muito com isto. Um país civilizado vê-se pela forma como se trata os animais. Vivemos num momento da humanidade muito esclarecedor em que temos armas e ferramentas para sabermos muitas coisas. Não temos desculpas em não saber o que são os animais e o que eles significam para nós. São seres sencientes, que sentem, que pensam e, sobretudo, que têm o mesmo valor como ser do que os humanos. Porque é que somos mais? Ok, nós conseguimos curar o cancro. Temos, de facto, uma coisa dentro da cabeça que eles não têm. Mas isso não lhes retira total direito a habitarem o planeta como nós habitamos. É só uma questão de inteligência percebemos que os animais merecem ser bem tratados, terem direitos e que somos responsáveis por eles, por teremos esta arma que é a inteligência de uma maneira que eles não têm.
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