"As mulheres masculinizam-se quando atingem o poder"
A escritora Helena Sacadura Cabral é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.
"As mulheres masculinizam-se quando atingem o poder"
© El Corte Inglés
Cultura Sacadura Cabral
A partilha de sentimentos nem sempre é fácil. É um cavalo de batalha para muitas pessoas. Cada um tenta traçar o seu caminho para a felicidade. No seu novo livro, ‘O Sal da Vida’, publicado pelo Clube do Autor, Helena Sacadura Cabral não procura dar pistas para esse caminho, até porque como faz questão de sublinhar “a felicidade não existe”, o que existem são “momentos muito felizes”.
A escritora conta um conjunto de histórias, pequenas ficções, inspiradas na sua própria vivência. São histórias do dia a dia sobre os mais diferentes afetos, o amor, a saudade, o desgosto, a alegria, sobre sonhos.
Uma partilha da autora com o leitor que “tem algo de catarse”, como Helena Sacadura Cabral referiu em entrevista ao Notícias ao Minuto. Tendo quebrado barreiras ao tornar-se na primeira mulher a trabalhar nos quadros financeiros do Banco de Portugal, a escritora falou sobre o tema da igualdade de género que, apesar das décadas que passaram, se mantêm tanto em voga.
Mãe de Paulo e Miguel Portas, a política foi outros dos temas abordados. Helena Sacadura Cabral não esconde que preferia que os seus filhos tivessem seguido outro percurso. “Teria sofrido menos”, admite. Sobre a solução governativa encontrada entre o PS e os partidos de Esquerda, a autora afirma que está a correr “melhor do que o esperado, mas pior do que gostava”. Considera ainda que, a manter-se a atual conjuntura política, a próxima legislatura será marcada por maior instabilidade social e económico-financeira.
Tendo por base o livro ‘O Sal da Vida’, pode dizer-se que os sentimentos são os condimentos da vida?
Não tenho qualquer dúvida. São as emoções que ao longo da vida vão, maioritariamente, determinando as nossas escolhas. Claro que podemos - e muitas vezes devemos - racionalizá-las mas isso é depois de as termos sentido, de as termos percebido.
A felicidade não existe. Existem, sim, momentos muito felizes e é a sua acumulação que nos permite falar de felicidadeOs sentimentos são habitualmente o fio condutor de tantos livros, de tantas histórias. Dão cor às personagens, tornam-nas reais para os leitores. No entanto, nem sempre são explorados como o faz neste livro. Porquê?
Muito possivelmente porque o tempo e as vivências vão mudando ao longo dos anos. Quando eu tinha 30 anos, aquilo que me emocionava não era o que me emociona hoje. Mas isso não quer dizer que esqueça essas emoções. Quer apenas dizer que as não posso olhar com os olhos que tenho hoje. Algumas lágrimas que chorei, considero-as hoje como completamente inúteis. Mas, na altura, elas foram muito sentidas...
Embora sejam pequenas ficções, são inspiradas em memórias suas. Como foi o processo de construção da sua felicidade?
A felicidade não existe. Existem, sim, momentos muito felizes e é a sua acumulação que nos permite falar de felicidade.
Pessoalmente, sempre senti – e lutei por isso – que a minha primeira obrigação, o meu primeiro objetivo, era tentar fazer tudo por ser feliz. Nuns casos consegui. Noutros nem tanto. Mas não me permiti, nunca, que os maus momentos dessem cabo de mim.
Ainda é uma questão cultural a maternidade e a carreira serem dificilmente conciliáveis. Mas os sucessivos governos e as próprias mulheres têm alguma culpa disso, porque elas se masculinizam quando atingem o poderPartilhar estas histórias com os leitores, é uma forma de desabafar?
Talvez tenha algo de catarse. Mas, quando escrevo sobre elas, é porque o tema está completamente resolvido. Fiz análise. E o que tinha de perceber sobre mim própria, sobre quem sou, sobre as minhas fragilidades ou sobre as minhas forças, foi razoavelmente resolvido nessa altura.
A minha finalidade maior quando escrevo sobre estes temas é mostrar aos outros que o carpinteiro e o doutor não diferem muito nos sentimentos. Diferem, sim, no ‘modo’ de os resolver. É isso que me faz continuar a escrever e que eu gostaria que os meus leitores percebessem. E isso - a capacidade de ambos os ultrapassarem - é o que mais me motiva.
O livro foi lançado no mês passado© Clube do Autor/Facebook
Qual o sentimento que mais marcou o seu percurso de vida?
Sem dúvida a esperança e a alegria.
Muitas vezes os portugueses são retratados como um povo triste, saudosista. Falta-nos autoestima?
Falta. E, no entanto, somos o melhor povo da Europa. Solidários, afetuosos e sempre dispostos a ajudar. Ninguém nos suplanta. Era nisso que devíamos acreditar.
Movimento #MeToo? Pertenço ao movimento #Me freeFoi a primeira mulher a trabalhar nos quadros financeiros do Banco de Portugal, rompendo assim uma barreira naquela época. No entanto, apesar das décadas que passaram, muitas mulheres continuam a ser alvo de discriminação no local de trabalho e são poucas as que têm lugares no topo da hierarquia das empresas. O que é que está a falhar para não haver igualdade? É uma questão cultural?
Ainda é uma questão cultural a maternidade e a carreira serem dificilmente conciliáveis. Mas os sucessivos governos e as próprias mulheres têm alguma culpa disso, porque elas se masculinizam quando atingem o poder. É preciso considerar a vida doméstica como um trabalho que representa valor económico para o país. E criar trabalho a meio tempo ou com horários flexíveis para que se possa chegar a uma situação mais justa.
Como tem acompanhado o movimento #MeToo?
Com alguma preocupação. Pertenço ao movimento #Me free.
Helena Sacadura Cabral durante o lançamento do livro© El Corte Inglés
Chegou a testemunhar algum caso de assédio sexual no trabalho?
Nunca fui assediada. Mas presumi – não vi – alguns casos de assédio noutras pessoas. E não só por parte de homens, devo confessá-lo.
Geringonça? Funciona melhor do que eu esperaria, mas pior do que eu gostava…Os seus filhos estiveram em lados opostos do espetro político. Como geriu isso ao longo dos anos?
Com bom senso e muito amor pelos dois. E também com muito respeito pela liberdade de pensamento em que fui criada e que continua ser uma constante na minha vida.
Preferia que tivessem seguido outro caminho que não o da política?
Preferia. Teriam sido igualmente bons, mas eu teria sofrido menos…
Helena Sacadura Cabral realça que "não existe 'amor' na política"© Clube do Autor
Para que lado pende? Para a Esquerda ou para a Direita?
Pendo para aquilo que, em cada ocasião, considero mais justo. Gosto de pensar pela minha cabeça e não pelas cabeças dos outros.
Como avalia o trabalho do atual Governo? A Geringonça tem funcionado bem?
Melhor do que eu esperaria, mas pior do que eu gostava…
Qual a sua previsão para as eleições do próximo ano?
A manutenção do cenário político atual, mas com mais greves e instabilidade económico-financeira.
Cada vez mais líderes mundiais têm um discurso marcado pela intolerância, pela xenofobia, pelo medo do outro. Esse discurso alastra às pessoas. A extrema-direita está a crescer na Europa e não só. Estamos a ser invadidos por sentimentos negativos relativamente aos outro. Como contrariar isso? Com amor?
Estamos de facto. O ‘amor’ em política não existe. Existe diálogo, negociação, cedência de uns compensada pela cedência de outros. Enfim, digamos com alguma subtileza, que o ‘amor’ em política se chama diplomacia económico-financeira.
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