Cetamina ajuda a tratar depressão? É perigoso? Perguntámos a uma médica
É provável que já tenha ouvido falar de cetamina. Trata-se de uma substância que causa muitas dúvidas e, por isso, falámos com Rita André, médica de psiquiatria do Centro Catarina Lucas, para esclarecer algumas.
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Já ouviu falar de cetamina? É uma substância química que tem estado nas 'bocas do mundo' e nem sempre pelas melhores razões. Por exemplo, recentemente, Sean 'Diddy' Combs foi acusado de abusar e drogar "com cetamina e outras substâncias" uma mulher, mais uma vítima no âmbito do processo de tráfico e abuso sexual em que se vê envolvido.
Mathew Perry, estrela da série 'Friends', morreu em outubro de 2023, aos 54 anos. Meses depois, os resultados da autópsia foram divulgados e concluiu-se que o ator norte-americano perdeu a vida devido a uma overdose de cetamina, tendo levado várias injeções (dadas pelo seu assistente pessoal) nesse mesmo dia.
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Mas, apesar de tudo isto, a substância está a ser cada vez mais usada, em muitos países, como uma forma de tratar a depressão resistente a tratamento, algo a que Pete Davidson, comediante norte-americano, admitiu recorrer.
Mas, afinal, o que é a cetamina? Pode ter benefícios? Quais são os riscos? O Lifestyle ao Minuto fez estas e outras questões a Rita André, médica de psiquiatria do Centro Catarina Lucas.
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O que é a cetamina? Para que serve?
É uma substância química que produz um antagonismo não competitivo do recetor glutamatérgico do tipo NMDA. Do ponto de vista químico a cetamina é uma mistura de dois enantiómeros (moléculas com a mesma constituição, mas disposição espacial em espelho) composta por igual parte de S-cetamina e R-cetamina.
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É cada vez mais utilizada, especialmente nos Estados Unidos, como uma forma de tratar depressão? Como é que funciona?
É importante ter presente que a cetamina e a escetamina estão a ser utilizadas e investigadas para o tratamento da depressão resistente ao tratamento, isto significa que a pessoa com depressão já tinha feito outros tratamentos mais estudados sem melhorias dos seus sintomas.
Múltiplos mecanismos de ação têm sido propostos para o papel da cetamina no tratamento da depressão resistente ao tratamento, sendo uma das explicações mais aceite, a produção ou regeneração de componentes dos neurónios chamadas dendrites e que contribuem para a passagem de informação dentro do cérebro.
É um tratamento disponível em algumas clínicas privadas e em cinco serviços públicos de psiquiatria em Portugal. Porque é que não se fala mais sobre assunto?
Sendo que o uso de cetamina no tratamento da depressão grave e resistente atualmente é 'off-label' (não tendo sido aprovado pelo Infarmed), o seu uso não deve ser promovido publicamente nem publicitado.
Só devem ser publicitados tratamentos com reconhecida evidência científica e que como tal tenha um perfil de benefício/risco positivo segundo as autoridades reguladoras dos medicamentos. Ante a resistência ou impossibilidade de realização do tratamento aprovado é admissível a utilização de tratamentos 'off-label' para reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida.
S-cetamina, a escetamina, em forma de spray nasal, tem aprovação do Infarmed e encontra-se a ser comercializada, não está indicada como tratamento de primeira opção e não é comparticipada o que a torna muito dispendiosa e inacessível para grande parte das pessoas.
É importante mencionar que existem alternativas aprovadas para o tratamento da depressão resistente a par destes compostos como a Estimulação Magnética Transcraniana e a Eletroconvulsivoterapia. Por isso a escolha da terapêutica deve ser avaliada caso a caso.
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Trata-se de um tratamento com mais benefícios do que os restantes?
O tratamento com escetamina/cetamina pode apresentar algumas vantagens. Por exemplo, aparenta ser mais eficaz quando outros tratamentos não produziram melhorias e o seu efeito parece ser rápido.
Contudo são necessários mais estudos para perceber, por exemplo, como deve ser feito o tratamento de manutenção após resposta ao tratamento, os seus efeitos secundários a longo prazo e o potencial de causar dependência.
Isto significa que, apesar de ajudar algumas pessoas, a substância pode ter efeitos negativos?
Todas as substâncias podem ser prejudiciais, o que as torna medicamentos são as doses e o porquê de serem tomadas.
Os efeitos secundários mais frequentes do ponto de vista psiquiátrico são ansiedade, agitação ou irritabilidade, euforia, delírios (ideias fora da realidade).
Com menos frequência podem ser produzidos quadros psicóticos (com delírios e alucinações) e dissociativos (por exemplo, sensação de estar fora do próprio corpo).
Outros efeitos secundários descritos são aumento do batimento cardíaco e hipertensão, dores de cabeça, tonturas, dor ou urgência urinária. O potencial de dependência e efeitos cognitivos a longo prazo encontra-se em estudo.
Assim sendo a administração deste tratamento requer sempre uma avaliação médica cuidada e deve ser realizada em local apropriado sob vigilância.
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Isto significa que a cetamina pode causar dependência?
A cetamina à semelhança de outras substâncias utilizadas na medicina tem o potencial de ser uma droga de abuso e a segurança do uso de cetamina a longo prazo ainda se encontra em estudo.
Este dado vem dar ainda mais importância ao tratamento com indicação e supervisão médica.
Segundo o Infarmed, todos os dias são vendidas, em média, 33 mil embalagens de antidepressivos nas farmácias portuguesas. Trata-se de um número nunca antes registado. Portugal também é o segundo maior consumidor mundial do medicamento para dormir zolpidem. O que justifica estes números? É possível que estes tipos de medicamentos estejam a ser demasiado prescritos?
Num mundo ideal ninguém teria doenças e não seriam precisos medicamentos. Infelizmente não é o que acontece. Perturbações depressivas e ansiosas são prevalentes no nosso país podendo afetar 1 em cada 4 ou 5 portugueses.
Sermos o quinto país da Europa com mais doença mental não tem uma explicação clara, contudo sabemos que o stress crónico é um fator de risco para desenvolvimento de doença mental e a população portuguesa encontra-se submetida a dificuldades financeiras significativas, condições de trabalho precárias e pouco tempo livre o que pode ajudar a explicar este fenómeno.
Ao mesmo tempo que a doença mental tem uma prevalência significativa, em termos de recursos para o seu tratamento, os portugueses têm uma limitação no acesso a psicoterapia que em casos leves a moderados pode substituir ou complementar a terapêutica medicamentosa.
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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal
SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) - 213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660
Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159
Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707
Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535
Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
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